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    Kain avançava pela floresta, cada passo ressoando contra o chão coberto de folhas e galhos. Por mais que as árvores desta parte da floresta não fossem tão resistentes quanto as da famosa floresta de Abelium, ainda exigiam respeito. 

    Ele sabia, por experiência própria, que derrubar uma dessas demandava energia. No máximo, conseguia abater dez ou treze antes de sentir os músculos cederem.

    Quando entrou mais fundo, algo chamou sua atenção. Ele parou, os olhos se fixando em uma visão que o fez franzir a testa. Havia tocos de árvores cortadas espalhados por todos os lados, formando um cenário quase surreal.

    — Ué… O pessoal veio trabalhar mais pro fundo também? — murmurou para si mesmo, o tom carregado de dúvida.

    Caminhando pelo terreno, ele começou a contar mentalmente as árvores derrubadas. Uma, duas, cinco, dez… Ao final, chegou ao impressionante número de trinta e seis árvores no chão. Trinta e seis. 

    Uma quantidade absurda para o curto tempo em que esteve no vilarejo e voltou. Ele coçou a cabeça, confuso, enquanto tentava imaginar como aquilo era possível.

    Foi então que o som de golpes ritmados ecoou pela floresta, interrompendo seus pensamentos. Eram batidas fortes, seguidas por estalos altos, como algo sólido se partindo. O som vinha de mais adiante, e Kain seguiu na direção com passos rápidos.

    — Oh, Minggu! Até que enfim te ach—

    Sua frase morreu nos lábios quando chegou mais perto. No instante em que falou, Minggu desferiu o último golpe em uma árvore com seu machado, segurando a ferramenta com as duas mãos. 

    O impacto foi brutal, e a árvore cedeu, caindo em uma velocidade surpreendente. Quando o tronco atingiu o chão com um estrondo que fez o chão vibrar sob os pés de Kain, Minggu ergueu o machado e o colocou sobre o ombro. Ele se virou lentamente para Kain, sua expressão apática como sempre.

    — Hm… Kain? O que faz aqui? — perguntou ele, sem emoção.

    Kain piscou, ainda assimilando o que acabara de presenciar.

    — O que eu faço…? Tá de brincadeira? Vim te buscar, pô. — respondeu, tentando soar casual. Seus olhos, no entanto, não paravam de percorrer o cenário ao redor. — Trouxe mais alguém contigo?

    Minggu franziu levemente as sobrancelhas, confuso.

    — Hã? Não, não. Eu vim sozinho.

    Kain congelou. Um sorriso fraco, quase incrédulo, surgiu em seu rosto.

    — S-sozinho…? Você cortou tudo isso sozinho? — perguntou, sua voz traindo um nervosismo crescente.

    — Sim. — A resposta de Minggu foi seca, quase indiferente.

    Por um momento, Kain apenas o encarou, em silêncio. Sua mente lutava para processar o que ouvia. Sozinho? Ele cortou trinta e seis árvores sozinho? Um feito que exigiria uma equipe inteira de lenhadores? Era como se Kain estivesse diante de algo sobre-humano. Minggu não era apenas um bom lenhador; ele era um monstro, um prodígio.

    — Quem diabos consegue fazer algo assim…?! — murmurou para si mesmo, os olhos arregalados.

    O peso do machado no ombro de Minggu parecia ainda maior agora, como se fosse um troféu que carregava com facilidade. Kain suspirou, aliviado por outra razão. Se Minggu tinha tanta força e habilidade, era um milagre que ele não tivesse decidido “dar uma lição” em Eron. Eron teria sido pulverizado.

    — Bem… É bom saber que você é bom em canalizar sua força para algo útil, e não pra arrancar dentes de lenhadores irritantes — disse Kain, mais para si mesmo do que para Minggu.

    Minggu apenas deu de ombros, como se aquilo não fosse nada demais. Para ele, talvez não fosse. Mas para Kain, o garoto tinha acabado de se tornar algo mais do que um simples lenhador.

    — Você veio para cá depois de uma discussão com Eron? — perguntou Kain, ajustando o peso do machado em suas mãos enquanto observava as marcas profundas nos troncos ao redor.

    — Sim, aquele desgraçado. — Minggu respondeu com a voz carregada de irritação. — Não posso socar ele até amassar aquela cara metida, então decidi descontar minha raiva nessas árvores.

    — H-Haha… entendo… — Kain tentou manter a compostura, mas não conseguiu evitar um sorriso nervoso. Ainda assim, sentiu-se aliviado. Era melhor que a fúria devastadora de Minggu fosse direcionada a árvores indefesas do que a algum dos trabalhadores, por mais irritantes que alguns pudessem ser.

    O silêncio se instalou brevemente entre eles, interrompido apenas pelo som das folhas balançando ao vento e os pássaros retomando seus cantos tímidos após o frenesi do jovem elfo.

    — Acho que meu machado está no limite. Não sei se vai aguentar muito mais. — Minggu murmurou, erguendo a arma com um olhar descontente.

    — Seu machado? Deixe-me dar uma olhada. — Kain estendeu a mão, aceitando o objeto que Minggu entregou de forma desajeitada.

    Assim que segurou o machado, Kain percebeu o estado lastimável da ferramenta. A madeira do cabo estava repleta de rachaduras, prestes a partir ao meio. 

    A lâmina, por sua vez, apresentava fissuras tão profundas que pareciam gritar por socorro. Era como se o machado tivesse sobrevivido a uma batalha feroz contra um troll, e não sido usado apenas para cortar árvores.

    Esse garoto… quanta força é necessária para deixar um machado nesse estado? Isso não é natural.

    Pensou Kain, lançando um olhar avaliador para Minggu. Embora estivesse acostumado às excentricidades daquele jovem, sua força absurda nunca deixava de impressioná-lo.

    — Certo, vamos voltar para a clareira. Vou te arranjar um machado novo. — Kain finalmente disse, mantendo a voz calma, embora estivesse mentalmente tentando calcular o custo de substituir ferramentas destruídas com tanta frequência.

    — Tudo bem. — Minggu concordou, soltando um suspiro mais leve desta vez. — Acho que posso voltar agora. Já não estou tão irritado.

    É claro que não.

    Pensou Kain, olhando de relance para o rastro de árvores marcadas e galhos despedaçados. 

    Você descontou sua raiva até a floresta não aguentar mais.

    Enquanto começavam a caminhar de volta, Kain não pôde deixar de observar o sorriso satisfeito que surgia no rosto de Minggu. Era quase infantil, um contraste gritante com a destruição que ele havia causado momentos antes.

    Kain sentiu um breve alívio. Eron havia sido convencido a voltar ao trabalho, e Minggu o acompanhava de volta à clareira. Restava apenas manter os dois afastados até que a tensão entre eles se dissipasse. Ele soltou um suspiro baixo, achando que finalmente poderia relaxar.

    Então, tudo mudou.

    Sem aviso, Kain foi empurrado violentamente para trás. Seu corpo colidiu com força contra o tronco áspero de uma árvore, tirando-lhe o ar por um momento. Sua mente, confusa, demorou a processar o que havia acontecido. 

    Quando ergueu os olhos, viu a mão de Minggu ainda pressionada contra seu peito, uma força firme, mas controlada. Apesar da expressão neutra e inexpressiva que o jovem elfo sempre carregava, havia algo diferente. Kain percebeu, em uma fração de segundo, que aquilo não era um ataque. Era um aviso.

    — O-O que está— começou Kain, mas sua voz foi cortada imediatamente.

    Minggu levou o dedo indicador aos lábios, ordenando silêncio com uma autoridade inquestionável. Mesmo sem palavras, a seriedade em seu olhar congelou qualquer protesto que Kain pudesse ter. 

    Sem fazer barulho, Minggu o puxou para a sombra da árvore, mantendo-se abaixado enquanto apontava na direção da floresta densa.

    Os olhos de Kain seguiram o gesto e pararam em algo que fez sua respiração falhar.

    Uma criatura.

    Ela era alta, pelo menos dois metros, com um corpo magro e desproporcionalmente alongado. A pele vermelha parecia pulsar como se fosse carne viva, e sua forma humanoide estava distorcida, como se fosse o resultado de um pesadelo febril. 

    Movia-se de maneira errática, com passos desajeitados e contorções que pareciam desafiar qualquer lógica anatômica. Suas garras afiadas raspavam contra as árvores ao seu redor, e o som era o suficiente para arrepiar até mesmo o mais experiente dos lenhadores.

    O que diabos era aquilo? Um monstro? Um demônio?

    Kain suprimiu o impulso de sussurrar um palavrão. Cada célula de seu corpo gritava para se afastar o máximo possível daquela coisa, mas ele sabia que qualquer som poderia selar seu destino. 

    A criatura parecia estar procurando algo, sua cabeça se virando de um lado para o outro com movimentos bruscos, e Kain não queria ser aquilo que ela procurava.

    Ao lado dele, Minggu estava irreconhecível. A descontração habitual havia desaparecido completamente, substituída por uma expressão sombria e vigilante. 

    Seus olhos não desviavam um único segundo da criatura. Ele estava tenso, mas calmo, como um caçador experiente que avistara sua presa — ou um predador maior.

    Depois de alguns segundos que pareceram uma eternidade, Minggu fez outro gesto, desta vez apontando na direção da clareira. Sem dizer nada, ele começou a se mover lentamente, agachado, os passos leves como os de um felino.

    Kain hesitou por um momento, sentindo o suor escorrer pela nuca, antes de seguir o elfo. Ele colocou cada passo com o máximo de cuidado, tentando imitar a precisão de Minggu. 

    O som do vento balançando as folhas parecia ensurdecedor naquele silêncio opressor, e o coração de Kain batia tão forte que ele temia que pudesse atrair a atenção da criatura.

    Enquanto avançavam, a tensão no ar era quase palpável. Minggu, apesar de sua calma externa, parecia mais alerta do que Kain jamais o vira. Ele olhava para os arredores, como se esperasse que a qualquer momento algo pior pudesse surgir. 

    E Kain, embora fosse um homem acostumado ao trabalho árduo e aos perigos da floresta, sentiu pela primeira vez na vida um medo genuíno — um medo que ia além do entendimento, algo primal, como se aquela criatura não devesse existir em seu mundo.

    A clareira estava próxima, mas cada passo parecia mais arriscado que o último. Eles não podiam errar.

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