Índice de Capítulo

    Ao se aproximarem da clareira, Minggu olhou ao redor com cautela antes de finalmente relaxar um pouco. A criatura não estava mais à vista, e o silêncio da floresta parecia retornar lentamente, embora carregado de tensão.

    — Pode falar agora. Ela não vai nos ouvir aqui. — A voz de Minggu era calma, mas havia uma seriedade inconfundível.

    Kain, ainda ofegante, tentou recuperar o fôlego.

    — Haa… haa… O que… o que era aquilo? — balbuciou, o rosto pálido.

    Minggu cruzou os braços, franzindo a testa em pensamento.

    — Uma invocação de sangue, talvez. Pelo menos, é o que parecia ser.

    Kain arregalou os olhos.

    — Invocação? Você está dizendo que alguém trouxe aquilo aqui?

    O silêncio de Minggu confirmou a gravidade da situação. Ele olhou para Kain, avaliando o quão longe poderia ir nas explicações.

    — Não era uma fera mágica natural. Essas criaturas não surgem por conta própria. Isso foi invocado. — Sua voz era grave. — O que me preocupa é… por que ela está vagando por aqui?

    Kain engoliu em seco. Ele não entendia muito sobre magia ou invocações, mas o tom de Minggu deixava claro que aquilo não era algo comum.

    Minggu ponderou por um momento, os olhos ainda fixos na floresta.

    Invocar algo de outra dimensão exige um controle mental extremo. Se o invocador não for forte o suficiente para impor sua vontade como uma lei inquebrável, o que acontece é isso: a criatura se torna uma ameaça incontrolável. 

    Muitos que tentaram já morreram nas mãos de suas próprias invocações. Mas uma invocação de sangue. Poucos conhecem essa técnica.

    O elfo balançou a cabeça, afastando os pensamentos.

    — Deixe isso de lado, Kain. Precisamos tirar o pessoal daqui. Aquela coisa não parecia amigável, para dizer o mínimo.

    — Concordo. Só de olhar para aquilo, senti um arrepio na espinha. Vou avisar a equipe para interromper o trabalho e mudar de área amanhã. Não quero correr o risco de encontrá-la de novo.

    Minggu assentiu, mas sua expressão permaneceu sombria. Kain voltou à clareira, reunindo os trabalhadores para informá-los sobre o perigo. Minggu ficou para trás, de pé entre as árvores, seus olhos fixos na direção onde haviam avistado a criatura.

    — Se a Número Cinco estivesse aqui… — murmurou para si mesmo, pensando em outra figura de seu passado. Ele balançou a cabeça, afastando a ideia. — Não, enfrentá-la agora só colocaria meu disfarce em risco. Melhor recuar e voltar ao vilarejo com os outros.

    Mas então, o silêncio foi quebrado. Um som leve, folhas sendo pisadas. O corpo de Minggu ficou rígido, e seus olhos se fixaram em uma parte da floresta. Por um momento, nada aconteceu. E então, uma figura vermelha irrompeu da vegetação.

    A criatura.

    Com um movimento grotesco, ela avançou na direção de Minggu, a mão esquelética estendida como uma garra faminta.

    — Droga! — Minggu exclamou, saltando para trás com agilidade felina. Ele girou no mesmo instante e começou a correr para a clareira, onde Kain estava reunido com os trabalhadores.

    Quando chegou lá, viu Kain gesticulando e explicando algo aos lenhadores e protetores. Mas não havia mais tempo. Ele gritou:

    — Kain! Ela está aqui!

    Todos pararam e olharam para ele, o pânico começando a se espalhar. Quando seus olhos se voltaram para a criatura que emergia das árvores, a clareira foi tomada por murmúrios de medo e olhares de puro terror.

    A figura magra e vermelha entrou na clareira, seus movimentos desumanos e deformados, destacando-a ainda mais como algo antinatural. Os trabalhadores recuaram instintivamente, suas ferramentas tremendo em mãos suadas.

    Kain apertou os punhos, tentando acalmar a equipe.

    — Fiquem juntos! Não se separem!

    Mas a criatura parou por um momento, a cabeça se movendo de forma errática, como se estivesse analisando cada um ali. Seus olhos, brilhantes e famintos, encontraram os de Minggu.

    — Essa coisa… não vai sair daqui sem lutar. — Minggu murmurou para si mesmo, sacando a arma que carregava na cintura.

    O silêncio foi quebrado pelo som do primeiro passo da criatura em direção ao grupo, cada movimento dela um aviso de que a batalha estava prestes a começar.

    A aura de caos que dominava a clareira era quase tangível. A criatura carmesim, cuja forma desajeitada e postura torta pareciam ignorar qualquer lógica anatômica, se movia como um predador faminto. Não havia fome em seus olhos. 

    Não havia nada que sugerisse autopreservação ou inteligência. Apenas um desejo puro e inabalável de causar destruição. Como um raio de malícia viva, ela avançou, suas garras afiadas como lâminas descendo sobre o trabalhador mais próximo.

    O som seco e úmido de carne sendo cortada reverberou pela clareira. O grito do homem, misturado ao som de seus próprios braços caindo ao chão, perfurou o ar como uma lâmina atravessando um véu de calma. 

    Esse foi o estopim que fez a fina camada de controle mental dos trabalhadores ruir. Pânico. Desespero absoluto. 

    Os lenhadores, que até então haviam permanecido em um estado de paralisia hesitante, explodiram em movimento. Gritos ecoaram, os pés batiam contra o solo desordenadamente enquanto corpos colidiam em tentativas frenéticas de fuga. 

    A visão da criatura parecia cravar suas garras invisíveis em suas almas, arrancando qualquer coragem ou senso de lógica que poderiam ter restado.

    Alguns caíram, esmagados pelos passos de outros que fugiam. Outros procuraram esconderijos improváveis entre as árvores, como se folhas fossem proteção suficiente contra aquele pesadelo ambulante. 

    A clareira, outrora repleta de risos tímidos e o som de machados golpeando madeira, agora era um teatro de caos puro.

    No entanto, no meio desse pandemônio, houve uma exceção. Kain, com o machado firmemente segurado, avançou. Seus movimentos não eram os de um herói confiante, mas os de um homem desesperado. 

    Seu golpe cortou a perna da criatura com força suficiente para estourar um ruído grotesco. A criatura, no entanto, apenas cambaleou, seu corpo contorcendo-se de maneira antinatural antes de se virar para encará-lo. 

    Minggu, ou melhor, Número Sete, observava em silêncio, seus olhos arregalados em incredulidade. 

    Por que ele fez isso? 

    Minutos atrás, Kain estava tremendo de medo, mal conseguindo formar frases coerentes. Ainda assim, aqui estava ele, de pé diante da abominação, suas mãos tremendo não de coragem, mas de puro terror.

    Ele é louco? Minggu pensou, seu olhar frio escondendo a confusão crescente dentro dele. Número Sete era um homem acostumado a calcular riscos e resultados. 

    Ajudar ali não estava nos seus planos. A sua missão era de importância incomensurável, e revelar suas verdadeiras habilidades para proteger esses lenhadores seria um erro que poderia custar caro.

    Eu não preciso fazer nada, ele pensou, tentando convencer a si mesmo. Ele se virou parcialmente, pronto para desaparecer na floresta, mas… seu corpo não o obedeceu.

    — Merda! 

    Minggu explodiu, seu tom carregado de frustração. Ele avistou uma trabalhadora próxima, suas mãos trêmulas segurando uma espada que parecia mais um ornamento do que uma ferramenta de combate. 

    — Você aí! Me dê essa espada! — ele gritou, sua voz firme como aço.

    A mulher hesitou, seu rosto pálido mostrando medo e confusão. Os olhos de Minggu queimaram de urgência. 

    — Rápido! — ele vociferou, sua mão estendida. Como que despertada de um transe, ela jogou a espada em sua direção. Minggu agarrou a lâmina com destreza, a familiaridade com armas evidenciando um passado que ele preferia manter oculto.

    A criatura, ignorando completamente os gritos e a confusão ao seu redor, avançava em direção a Kain, que agora estava no chão. A forma como ela se movia era aterrorizante, seus membros magros e distorcidos dobrando-se de maneiras impossíveis. 

    Minggu sentiu a adrenalina explodir em seu corpo. Sem pensar, ele avançou.

    Por que diabos estou fazendo isso? 

    Seu coração batia com a força de tambores de guerra enquanto a espada em sua mão brilhava sob a luz escassa.

    O momento se congelou. O som do vento cortando a floresta, os gemidos dos lenhadores escondidos, e o respirar irregular de Kain se fundiram em um pano de fundo quase inaudível. 

    Número Sete avançou como um borrão de movimento calculado, sua silhueta rasgando a atmosfera da clareira com uma graça letal. A distância entre ele e a criatura foi consumida em um instante, e o ataque que o monstro desferia em Kain foi abruptamente interrompido. 

    Com um único movimento fluido, sua lâmina cortou pelo ar e encontrou o braço da criatura. O som da carne sendo dilacerada foi acompanhado por um jato de sangue negro e viscoso que espirrou tanto no chão quanto no rosto pálido de Kain.

    O lenhador, ainda sentado no chão, ficou boquiaberto. Ele viu o brilho frio da lâmina de Minggu, tão rápida quanto uma sombra ao entardecer. O corte fora limpo, preciso, quase como se tivesse sido feito por uma máquina perfeita em vez de uma mão humana.

    A criatura soltou um grito gutural, sua voz reverberando como um trovão distorcido. Aproveitando-se da abertura causada pela dor da criatura, Número Sete girou no ar com uma precisão sobre-humana, desferindo um chute direto no rosto grotesco do monstro. 

    O impacto foi tão poderoso que a criatura foi lançada para trás, voando vários metros antes de colidir com força contra o tronco de uma árvore. Um estalo surdo ecoou pela clareira, seguido por um som abafado de folhas caindo.

    — Kain, você está bem? — perguntou Número Sete, sua voz firme, mas sem perder a compostura.

    — Hm… S-Sim… Valeu por me salvar, Minggu. — Kain respondeu, ainda tentando recuperar o fôlego, seus olhos arregalados refletindo tanto gratidão quanto confusão.

    — Não precisa se preocupar com isso. Agora levante-se e ajude-o. — Minggu indicou o lenhador ferido que gemia de dor, segurando o braço amputado. — Vamos sair daqui antes que essa coisa se recupere.

    — Sim! — Kain acenou com a cabeça, apressando-se a cumprir a ordem.

    Enquanto Kain ajudava o homem a se levantar, uma jovem trabalhadora de cabelos dourados se aproximou. Seus olhos estavam fixos no lenhador ferido, cheios de preocupação.

    — Kain, precisamos estancar o sangramento. — A urgência em sua voz denunciava tanto o medo quanto a determinação.

    — Sim, me ajude com isso no caminho. — Kain concordou, apressado, antes de lançar um olhar aos outros trabalhadores, que estavam paralisados de medo, segurando ferramentas improvisadas como armas. — Os outros… Eles precisam vir conosco. Não podem lutar contra aquela coisa neste estado.

    Minggu analisou os trabalhadores com um olhar crítico. Eles tremiam, seus olhos arregalados refletindo puro terror. Segurar armas era inútil; suas mãos estavam fracas demais para brandi-las com eficácia.

    — Concordo. — Minggu afirmou, seu tom implacável. — Nenhum deles tem a habilidade ou a força necessária para enfrentar essa criatura. Mesmo que ataquem juntos, seriam massacrados em instantes. Precisamos aproveitar que ela ainda está se recuperando e fugir agora.

    O grupo rapidamente organizou-se. Kain e a jovem trabalhadora ajudavam o lenhador ferido, enquanto Minggu tomava a dianteira, seus olhos atentos a qualquer movimento da criatura. 

    Os outros trabalhadores, completamente desesperados, seguiram como puderam, seus passos apressados ecoando em meio aos gritos distantes da floresta.

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