Índice de Capítulo

    A carruagem de Jack avançava pela estrada de terra em alta velocidade, enquanto ele e seu companheiro, Denzel, sentado ao seu lado, observavam atentamente os arredores à procura de alguma casa isolada. A busca já se estendia por pouco mais de meia hora, desde que haviam deixado o vilarejo.  

    Ambos mantinham os olhos fixos no ambiente ao redor, mas Denzel, ocasionalmente, desviava o olhar para encarar Jack. Eles não retomaram o assunto da discussão anterior, mas a atmosfera entre os dois havia claramente se tornado mais densa. Jack parecia pouco confortável após expor seus verdadeiros sentimentos acerca de seu irmão, mas, ainda assim, a viagem prosseguia em silêncio.  

    Antes de partir do vilarejo, Denzel não se esquecera de expressar sua gratidão ao Número Sete pela ajuda recebida na noite anterior. Apesar da cordialidade de Sete, Denzel sentia-se compelido a cumprir o protocolo básico de agradecimento. Durante a breve despedida, percebeu os olhares cortantes da “esposa” de Sete, que o encarava da janela da casa. Número Cinco parecia nutrir uma antipatia particular por ele, o que o fez manter distância prudente, mesmo sabendo que ela não cometeria nenhuma imprudência que comprometesse o disfarce.  

    A despedida entre Sete e Denzel foi amigável, mas havia um peso nas palavras não ditas.  

    Denzel sabia que não poderia compartilhar com Sete a descoberta que Jack acreditava ter feito, cumprindo a ordem expressa de seu empregador. A restrição o deixava inquieto, mas ele compreendia os motivos por trás disso. Caso revelasse a verdade, Sete e Cinco certamente se interessariam em seguir o mesmo rastro que os dois estavam perseguindo, o que poderia complicar os planos de Jack.  

    Jack nutria um desejo singular: matar Tiko com suas próprias mãos. Já Sete e Cinco tinham uma missão divergente — capturá-lo vivo.  

    O interesse do reino dos elfos em subjugar Tiko não se limitava à sua morte; eles desejavam capturá-lo para exibir seu julgamento publicamente, transformando-o em um símbolo de autoridade perante o restante do reino. No entanto, o destino reservado por Jack era diferente. Ele não suportava a ideia de terceiros decidindo o futuro de Tiko. Seu desejo de exterminar o irmão era algo profundamente arraigado, uma determinação que não tolerava interferências. 

    Enquanto o tempo transcorria, nenhum dos dois se deu ao trabalho de iniciar uma conversa. Denzel simplesmente não via propósito nisso, enquanto Jack estava visivelmente irritado com toda a situação em que se encontravam. Assim, o silêncio prevaleceu até que, ao longe, Jack, possuindo uma visão mais apurada, avistou uma casa de madeira circundada por algumas árvores. Reduzindo gradativamente a velocidade da carruagem, ele começou a parar. Denzel, que ainda não havia notado a construção, voltou-se para Jack com uma expressão de curiosidade disfarçada.  

    — Encontrou algo? — indagou Denzel.  

    — Sim, uma casa, a alguns metros naquela direção. — Jack apontou para dentro da floresta.  

    — Acha que pode ser a casa do sujeito?  

    — Não sei, mas vamos descobrir. — respondeu Jack com firmeza.  

    Ambos desceram da carruagem. Jack conduziu-a para dentro da floresta e prendeu os cavalos em algumas árvores.  

    — Se alguém passar pela estrada, vai perceber os cavalos. — advertiu Denzel.  

    — Tanto faz, não quero perder tempo procurando um lugar para escondê-los.  

    — Você tem consciência do quão valiosos são esses cavalos, não tem?  

    Denzel recordou-se imediatamente de quando haviam sido atacados por bandidos. Para ele, a culpa recaía inteiramente sobre Jack, que insistia em agir como um alvo ambulante. Entrar na cidade de Infra com cavalos daquela raça era praticamente o mesmo que carregar um estandarte proclamando: “Sou absurdamente rico”.  

    Embora o roubo tivesse sido arquitetado por um elfo nobre — cuja identidade eles já conheciam —, um dos corruptos que Jack havia começado a chantagear, ainda assim era insensato entrar em Infra com tamanha ostentação, especialmente sem escoltas ou qualquer tipo de proteção adicional.  

    — Melhor escondê-los direito. — insistiu Denzel.  

    — Você nunca cansa, não é? — murmurou Jack, aborrecido.  

    — Não quero que você continue colocando um alvo em nossas costas a cada erro de principiante que comete. Eu entendo que você é novo nessa vida criminosa e tudo mais, mas é pura ingenuidade sua transitar por regiões fora da proteção da Ordem dos Cavaleiros Sagrados com tanta pompa e circunstância. — Denzel desviou o olhar para a estrada de terra e continuou, com um tom mais sério: — Pense comigo: se alguns bandidos — e quando digo bandidos, quero dizer a minha raça —, se algum elfo negro visse cavalos e uma carruagem tão valiosa quanto esta, o que você acha que fariam?  

    A pergunta era mais um teste do que uma curiosidade genuína. Denzel queria medir o quanto Jack havia amadurecido desde que embarcaram nessa empreitada juntos.  

    — Hm… sei lá, roubar os cavalos? — respondeu Jack, mas sua voz traiu a hesitação, transformando a resposta em uma pergunta involuntária.  

    — Não, não. Completamente errado.  

    — Hã? Porra, então o quê?  

    — Se há cavalos valiosos e uma carruagem igualmente valiosa, isso implica a presença de uma pessoa valiosa. E uma pessoa valiosa não seria tola o suficiente para deixar seus bens desprotegidos. Além disso, por ser alguém valioso, provavelmente carrega consigo ainda mais riquezas, como roupas, joias e outros pertences valiosos. A melhor estratégia para um grupo de ladrões, então, seria se esconder nas proximidades, aguardar o retorno dessa pessoa e, em seguida, emboscá-la, matá-la e roubar tudo o que ela possui. Como você não consegue entender algo tão básico? — explicou Denzel, com um tom carregado de preocupação. Ele estava, de fato, alarmado com o nível de ingenuidade de Jack.  

    Quando Chien — braço direito de Salazar — falou sobre Jack, Denzel imaginou que ele fosse alguém astuto, alguém que soubesse exatamente o que estava fazendo. Afinal, fora essa a impressão deixada por Chien ao descrever como Jack havia conseguido entrar em contato com Salazar e persuadi-lo a negociar.  

    Contudo, conhecendo Jack de perto, Denzel começou a perceber que, na verdade, ele não passava de um garoto perdido, alguém que não tinha plena noção do que estava fazendo. Suas atitudes eram frequentemente mal pensadas; ele não possuía nenhum senso estratégico — algo que Denzel notara durante o confronto com os bandidos. Jack simplesmente não tinha o que se chamava de QI de batalha. Ele também carecia de uma mente analítica, incapaz de planejar alguns passos à frente.  

    Para Denzel, que crescera em Infra, pensar dois ou quatro movimentos à frente era tão natural quanto respirar. Sobreviver naquele lugar exigia isso.  

    Jack, porém, não compartilhava dessa mentalidade, e isso era perigosamente irresponsável para alguém em sua posição. Era o tipo de coisa que precisava ser controlada antes que os colocasse em um risco ainda maior. 

    Enquanto remoía a irritação causada por Denzel, Jack lançou-lhe um olhar de desdém.  

    — Então, onde sugere colocar os cavalos? — perguntou ele, com um tom cortante.  

    — Deve haver uma caverna por perto ou algo do tipo. Muitos elfos negros costumam usar cavernas como abrigo enquanto aguardam para saquear carruagens de elfos que passam. Se colocarmos a carruagem dentro, isso pode dificultar que alguém a encontre facilmente e nos embosque ao retornarmos — respondeu Denzel, ponderado.  

    Era melhor prevenir do que remediar.  

    Embora relutante em perder mais tempo, Jack acabou cedendo à sugestão. Ambos avançaram pela floresta à procura de um esconderijo adequado para os cavalos. Não demoraram a encontrar uma pequena caverna, onde deixaram a carruagem e os cavalos devidamente amarrados.  

    Em seguida, prosseguiram em direção à casa de madeira no interior da floresta. Ao se aproximarem, Denzel tocou o ombro de Jack, interrompendo sua marcha.  

    — Daqui para frente eu vou sozinho — declarou Denzel.  

    — Nem pensar. Eu preciso ver com meus próprios olhos — retrucou Jack, ríspido.  

    — Você quer atrair atenção indesejada?  

    — Quem quer que viva neste fim de mundo sabe que não há muitas pessoas por perto. Qual é a diferença?  

    — A diferença é que eu posso me aproximar sem ser notado. — O título “Assassino das Sombras” que Denzel carregava não era apenas um enfeite.  

    — Não me importa, eu vou junto.  

    Cansado de argumentar, Denzel desistiu de convencê-lo. Ambos se agacharam e avançaram com cautela em direção à casa.

    Ainda a alguns metros de distância, a construção estava visível o suficiente para ser analisada. Tratava-se de uma casa simples de madeira, possivelmente com um ou dois quartos, aparentemente contando com uma sala conjugada a uma espécie de cozinha. Do lado de fora, havia uma pequena estrutura de madeira que parecia ser um depósito.  

    — Aquilo… — murmurou Jack, fixando o olhar na casa.  

    Pela janela, Jack avistou duas pessoas. Ambas conversavam de forma descontraída, rindo juntas.  

    Uma delas era um elfo idoso, cujo semblante Jack imediatamente reconheceu. Era um homem que ele já havia encontrado com sua família. Na cadeira ao lado, porém, estava alguém que ele conhecia ainda melhor.  

    Seu irmão.  

    O elfo negro que Jack desejava matar. A razão de todos os seus tormentos. A maldição que havia destruído sua família.  

    — Tiko… — murmurou Jack novamente, desta vez com a raiva transbordando em sua voz.  

    Sem pensar duas vezes, ele pegou seu arco, encaixou uma flecha e começou a puxá-la, mirando diretamente na cabeça de Tiko. O som da floresta desapareceu de seus ouvidos; tudo ao seu redor parecia mergulhar em um silêncio absoluto. Ele estava calmo — calmo de ódio.  

    — O que você está…? Espere! — Denzel segurou sua mão, abaixando o arco. — Não faça isso agora.  

    — Que diabos? Você está me atrapalhando! — exclamou Jack, irritado, lançando um olhar furioso para Denzel.  

    — Espere. Está sendo impulsivo. Não percebe? — indagou Denzel, preocupado.  

    — Perceber o quê?  

    — Há três pessoas dentro daquela casa, não duas. Se o que você disse é verdade, então temos um intruso desconhecido. Atacar agora é pura insensatez. Não aprendeu nada até agora?  

    — E daí? Deve ser a filha daquele desgraçado ou sua esposa. Não há necessidade de esperar mais.  

    — Esse tipo de pensamento precipitado pode acabar nos matando. 

    — Me solte! — Jack livrou-se da mão de Denzel com um movimento brusco, afastando-se alguns passos.  

    Ele olhou novamente pela janela.  

    — Rindo…? — murmurou. — Por que diabos você está rindo, seu desgraçado?  

    Era impensável. Não, era nauseante. Ver aquele que arruinara sua família rindo despreocupado era um ultraje.  

    Tiko estava feliz? Inaceitável.  

    Tiko estava rindo? Completamente repulsivo.  

    Tiko tinha alguém? Não era justo.  

    Jack não tinha ninguém. Ele perdera tudo. E perdera tudo por causa de Tiko.  

    Então, por que Tiko podia ter tudo?  

    — Você tirou tudo de mim… e agora está aí, rindo? — balbuciava Jack, sua mente transbordando de fúria irracional.  

    Denzel o observava atentamente, cada vez mais apreensivo com o que Jack poderia fazer. Para ele, se Jack fosse seu inimigo, já estaria morto. Aliados impulsivos e descuidados eram tão perigosos quanto inimigos declarados. Mas Jack era seu empregador, e Denzel não tinha escolha a não ser tolerar sua imprudência — por ora.  

    Jack voltou a puxar a corda do arco, mirando novamente em Tiko. Um tiro certeiro na nuca e tudo acabaria.  

    A visão de Jack mudou, agora focando no elfo idoso que conversava com Tiko. Eles pareciam próximos. Não, pareciam mais que amigos: pareciam família.  

    — Pare de sorrir, seu miserável… — Jack soltou a flecha.  

    Por um momento, o tempo pareceu desacelerar. A flecha parecia demorar uma eternidade para atingir seu alvo. Para Jack, que jamais havia disparado contra um ser vivo, aquele instante parecia durar para sempre.  

    Essa foi a primeira vez que Jack atirou para matar.  

    E, pior, apenas por querer matar. 

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