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    — GolbZedh, obrigado por cuidar de mim durante todo esse tempo — disse Tiko com gratidão.  

    — O quê? Por que esse tom de despedida?  

    — Vou embora. Não nos veremos mais. Não posso arrastar um homem velho como você para os problemas que inevitavelmente virão atrás de mim.  

    — Blasfêmia! Minha vida já acabou de qualquer forma! Seu irmão já sabe do meu envolvimento com você! Em breve, os cavaleiros sagrados podem bater à nossa porta a qualquer momento! Não há mais nada para mim neste lugar miserável.  

    — Já tomei minha decisão. Vamos nos separar aqui. Vou para fora do reino dos elfos. Diga que fui eu quem o forçou a me ajudar, diga que estava sendo mantido como refém.  

    — E as vezes que saí para os vilarejos, hein? Que tipo de refém volta para a casa onde está sendo ameaçado, quando poderia pedir ajuda a qualquer pessoa?  

    Sem conseguir formular uma resposta plausível, Tiko permaneceu em silêncio. Ele não sabia ao certo o que fazer, mas tinha convicção de que, se a morte de Richard recaísse sobre ele, queria ao menos poupar o velho das consequências de suas ações.  

    — Na verdade… sem minha ajuda, você nem conseguirá sair do país.  

    — O que quer dizer com isso? — indagou Tiko, surpreso.  

    — Você não quer se desfazer do corpo de Richard. Em breve, sua morte será descoberta, e o depoimento de Jack ligará você diretamente ao crime. Logo depois, todas as possíveis rotas de saída do reino serão bloqueadas para capturá-lo. Antes, você era considerado um criminoso de nível 3, mas após isso? — GolbZedh lançou um olhar pesaroso para o corpo de Richard. — Você se tornará um criminoso de nível 10, o mais alto grau de periculosidade. Jamais permitirão que você saia do território élfico. 

    Assim que a morte de Richard fosse descoberta, tropas seriam mobilizadas por todo o reino em uma caçada implacável a Tiko. Ele deixaria de ser tratado como um simples fugitivo para se tornar o inimigo público número um, alimentando um desejo ainda mais feroz de captura por parte das autoridades. A perseguição não cessaria até que pusessem as mãos nele.  

    Tiko sabia que, sem recursos financeiros adequados e sem um meio de transporte veloz, precisaria de pelo menos dois dias, possivelmente mais, para deixar o território dos elfos — e isso, claro, utilizando-se de rotas ilegais. No entanto, sem ocultar o corpo de Richard, menos da metade desse tempo seria suficiente para que sua morte fosse descoberta, arruinando qualquer chance de fuga. Ele se tornaria um pássaro preso em uma gaiola, cujo espaço diminuiria a cada dia, até não restar mais lugar para se esconder, culminando inevitavelmente em sua captura e prisão.  

    — Se você está dizendo isso, então deve ter algo em mente para contornar a situação — afirmou Tiko. GolbZedh parecia prestes a responder, mas Tiko o interrompeu. — Por favor, não sugira abandonar o cadáver de Richard no mar. Não tenho essa intenção. Quero que seus familiares possam enterrá-lo dignamente.  

    O velho demonstrou irritação com a interrupção repentina. Após refletir por alguns instantes, uma expressão de epifania surgiu em seu rosto.  

    — Eu vou me entregar em seu lugar.  

    — Ficou louco?!  

    — Em pouco tempo, serei libertado. Levarei o corpo de Richard Ravens e afirmarei que fui eu quem o matou. Isso desencadeará uma investigação, mas, com o possível culpado sob custódia, eles não adotarão medidas extremas, como mobilizar tropas por todo o reino. Nesse intervalo, você terá sua chance de escapar.  

    — E você será condenado à prisão perpétua! — rebateu Tiko, tomado pela fúria. — Ou pior, será executado.  

    — Sou um velho. Já vivi mais do que deveria. Você ainda é jovem e merece uma chance de ter uma vida longa.  

    — Não venha com esse papo, velho tolo. Rejeito completamente essa ideia!  

    — Tiko! — GolbZedh gritou, furioso, mas logo sua voz recobrou a serenidade. — Tiko… nossas opções são limitadas. Vou tentar ser mais claro. Em pouco tempo, serei solto.  

    — Como?  

    — Como já disse, haverá investigações. Meu histórico será analisado, e verão que não possuo experiência alguma em combate. Além disso, toda essa história é completamente inconsistente. Eventualmente, as suspeitas recairão sobre outro lado. Não há como um homem da minha idade e com minhas limitações ter matado Richard Ravens. Há provas suficientes para sustentar minha inocência, como o depoimento de seu irmão. Ainda que ele não tenha testemunhado o assassinato, apenas confirmar que você estava comigo já será suficiente para amenizar minha situação.  

    — Mas você ainda será acusado de abrigar um criminoso ou, pior, de ter me ajudado a matar Richard. Esse plano depende demais da benevolência desses elfos malditos que controlam a lei. Nunca permitirão que um velho, que mentiu em depoimento, saia livre após descobrirem a verdade.  

    — Então você me salva.  

    Tiko ficou completamente imóvel, atônito diante da resposta firme e confiante de GolbZedh.  

    — Assim que se estabilizar, assim que se tornar mais forte e adquirir poder, faça justiça por suas próprias mãos. Tire-me da prisão. É simples. — GolbZedh falava com um semblante sério e absolutamente resoluto.  

    Tiko recuou alguns passos, esboçando um sorriso fraco.  

    — Você realmente está perdendo a cabeça, velho… Como eu vou tirar você de uma prisão de segurança máxima? E isso, considerando o tempo que levará, sem contar a possibilidade de te matarem antes!  

    — Vai dar tudo certo.  

    — Como você pode ter tanta certeza?!  

    — Porque eu confio em você, Tiko. Confio plenamente na sua força, na sua coragem e na sua determinação. E estou disposto a apostar minha vida em tudo o que você representa para mim.  

    Tiko não conseguiu esconder sua expressão de espanto ao ouvir aquelas palavras.

    — Você é louco, velho… confiando tanto assim em mim, em alguém tão fraco como eu…  

    — Simplesmente não consigo deixar de acreditar em você, Tiko. Por mais breve que tenha sido, obrigado. Obrigado por ter sido um filho para mim.  

    O sorriso de Tiko tornou-se ainda mais melancólico. Ele não queria aceitar aquele plano, mas era sua única alternativa. No fundo, ele sabia: no futuro, retornaria ao reino dos elfos, o lugar que ainda considerava seu lar, com uma força incomparável. Salvaria GolbZedh de qualquer maneira possível. Até lá, prometeu a si mesmo, não desistiria e, sob nenhuma circunstância, permitiria que a morte o encontrasse.  

    De forma peculiar, Tiko havia tido três figuras paternas em sua vida:  

    Seu pai biológico, que o abandonara por razões desconhecidas.  

    Seu pai adotivo, que o criara com amor e dedicação ao longo de toda a sua existência.  

    E GolbZedh, seu pai circunstancial, que o amava tanto e depositava nele tamanha confiança, a ponto de apostar sua liberdade e até mesmo sua vida.  

    — GolbZedh… — murmurou Tiko ao perceber a mão estendida do velho em sua direção. Era um pedido silencioso por um último aperto de mãos. Com esforço, Tiko conseguiu sorrir e apertou a mão dele com firmeza. — Obrigado por tudo. Prometo que vou te libertar. Nunca desistirei.  

    — Eu sei. Não tenho a menor dúvida disso, garoto — respondeu GolbZedh, com um sorriso cheio de confiança. 

    ⧫⧫⧫

    Dentro da floresta de Abelium, nem tão profunda, nem tão próxima da borda, um humano repousava encostado em uma parede, exibindo um sorriso pueril. Em suas mãos, sustentava um volumoso livro de capa dura, marrom, adornado com um símbolo macabro em amarelo. O jovem apresentava uma aparência infantil, aparentando entre 11 e 13 anos. Sua estatura era modesta, medindo cerca de 1,58 metros. Os cabelos lisos e negros eram cortados curtos tanto na frente quanto atrás, mas os lados permaneciam longos, lembrando grandes orelhas de cachorro que cobriam boa parte de suas bochechas.

    A vestimenta do garoto era predominantemente roxa — um manto que ocultava quase inteiramente seu corpo, exceto pelos pés, protegidos por botas de couro, e pelo pescoço para cima. Contudo, o manto possuía golas altas que ocultavam a parte posterior e as laterais do pescoço, deixando apenas a parte frontal visível.

    — Uuuuu… — o garoto soltou um som arrastado. Seus olhos logo se voltaram para uma criatura morta no solo. O cadáver, coberto por sangue escarlate, era a invocação de sangue. A criatura, que em vida já exibia uma forma grotesca e distorcida, parecia ainda mais aterradora após a morte. No entanto, a criança permanecia impassível diante daquela visão macabra.

    — Que tédioooo… esperar aqui é um saaaaco… — reclamou, movendo o pescoço em ângulos variados, manifestando aborrecimento.

    Um som de passos lentos alcançou seus ouvidos. Se estavam deliberadamente se revelando, só poderiam ser os servos que haviam sido enviados para cumprir uma missão importante e que agora retornavam.

    — Retornamos, senhor.

    Ambos se manifestaram com a mão sobre o peito. Seus rostos estavam ocultos sob capuzes e máscaras brancas, marcadas apenas por dois buracos para os olhos.

    — Vocês obtiveram as bênçãos do corpo dele? — indagou o garoto, levantando-se.

    — Sim.

    Os dois homens trajavam vestimentas semelhantes às do jovem — mantos roxos que cobriam a maior parte de seus corpos. A única diferença era que ambos portavam capuzes.

    — Excelente. Tudo ocorreu conforme o planejado… exceto por algumas pequenas complicações que, sem dúvida, gerarão problemas futuros. Mas, no geral, foi uma empreitada proveitosa!

    O garoto demonstrou uma animação desproporcional, sua voz fina adquirindo um tom ainda mais agudo devido ao entusiasmo.

    — Certo… certo. Agora vamos avançar para a próxima etapa do plano. Kurin, retire o capuz e a máscara.

    Um dos homens atendeu prontamente à ordem, removendo o capuz e a máscara, revelando o rosto de um homem humano de mais de 30 anos. Seus cabelos eram igualmente negros, mas curtos e bem aparados. Assim que revelou o rosto, a atmosfera sofreu uma transformação brusca. Sua expressão antes austera deu lugar a um sorriso maníaco.

    — Ahhhh… senhor! Isso foi magnífico! Jamais imaginei que tudo culminaria na morte de Richard Ravens! O senhor é verdadeiramente alguém de outro mundo! — exclamou o homem, com as bochechas ruborizadas, demonstrando um frenesi quase delirante.

    — Foi um desdobramento inesperado. Nem eu acreditava que Richard se deixaria ser atingido pelo golpe, mas veja só! Saímos disso com ganhos substanciais, não foi?!

    Os dois romperam em gargalhadas estridentes, como dois lunáticos saboreando o momento de triunfo.

    — Tenho mais uma ordem para você. — anunciou o menino.

    — E qual seria, senhor? — perguntou o homem, ainda exibindo o sorriso largo e frenético.

    — Há alguém que desejo ardentemente no momento, e vou conceder-lhe a oportunidade de capturá-lo para mim. Transforme-o em um excelente pecador a serviço de nossa causa, Kurin — O garoto sorriu, desta vez de maneira macabra.

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