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    Amena havia se retirado para continuar seus afazeres, deixando Richard a sós com Elber. O cavaleiro manteve o olhar cordial de sempre enquanto dirigia uma pergunta ao mordomo:  

    — Minha irmã está na aula?  

    Ele notou a ausência da energia familiar da irmã mais nova dentro da mansão, e isso o levou a supor que ela estivesse fora.  

    — Sim, senhor. A jovem senhorita saiu cedo hoje. Parece que havia algo especial na academia. — Elber respondeu prontamente, sua postura impecável como sempre.  

    — Entendo…  

    Richard recostou-se levemente, mergulhado em pensamentos. Ele tinha um dilema em mãos. Os elfos, em sua longevidade milenar, não tinham o costume de celebrar aniversários como os humanos. 

    Para eles, o passar dos anos era quase insignificante diante da vastidão de suas vidas. Ainda assim, Richard, em suas viagens para além do reino élfico, testemunhara a tradição humana de comemorar aniversários e ficara intrigado com o conceito.  

    Inicialmente, ele não entendia a essência da celebração. Por que marcar a passagem de apenas mais um ano? Para os elfos, isso parecia quase trivial. Mas, ao observar mais atentamente, ele percebeu que não se tratava do tempo em si, mas do gesto. 

    Era uma forma de celebrar a existência de alguém querido, de criar memórias ao lado deles. E isso, Richard concluiu, era um pensamento bonito.  

    Agora, com o aniversário de sua irmã se aproximando, ele se via preso a uma questão: o que dar a ela? A caçula, assim como ele, vivia rodeada de conforto e luxo. 

    Tudo o que desejava estava ao alcance de suas mãos, seja comida, roupas ou objetos valiosos. Não havia nada material que ela já não pudesse ter por si mesma.  

    Ele ponderou por dias, revirando ideias em sua mente, mas nada parecia certo. Nada era “perfeito” o suficiente. E Richard queria que fosse perfeito. Ele queria dar algo que não apenas surpreendesse, mas trouxesse verdadeira felicidade a sua irmã.  

    Mas o quê?  

    O silêncio entre ele e Elber ficou pesado por um instante, enquanto o jovem paladino continuava a ruminar sobre o presente ideal — um gesto que, de algum modo, transcendesse os luxos já disponíveis e chegasse ao coração dela. 

    — Já decidiu o que vai dar para a senhorita? — perguntou Elber, interrompendo os pensamentos de Richard.  

    O cavaleiro ergueu o olhar, surpreso por ser arrancado de sua introspecção.  

    — Ainda não… Parece que sou um fracasso absoluto nesse tipo de coisa.

    Era uma cena quase cômica: o homem mais poderoso do continente, o único elfo na história a receber o título de Paladino, incapaz de escolher um presente para sua própria irmã.  

    — Que tal darmos uma volta? — sugeriu Elber com um sorriso discreto. — Talvez a cidade nos inspire.  

    Richard considerou por um momento antes de assentir.  

    — Boa ideia.  

    Os dois caminharam em direção à saída da mansão, cruzando o vasto jardim que rodeava a propriedade. Quando chegaram ao grande portão de grades brancas, duas empregadas prontamente se adiantaram para abri-lo.

    Assim que Richard passou, as duas inclinaram-se em uma reverência formal. Ele, como sempre, respondeu com um sorriso genuíno e um agradecimento educado.  

    As empregadas, no entanto, não conseguiram esconder o rubor que subiu às faces, suas expressões discretamente transformadas pela surpresa e constrangimento de receber tamanha atenção de alguém tão importante. Richard, alheio a isso, continuou a caminhada, absorto em seus próprios pensamentos.  

    Elber, seguindo ao lado dele, lançou um olhar breve para trás, notando a reação das jovens com um misto de divertimento e aprovação. “Até mesmo um gesto simples desse homem consegue tocar as pessoas“, pensou. E, com esse pensamento, ele sentiu-se ainda mais determinado a ajudar Richard a encontrar o presente perfeito. 

    Richard e Elber caminhavam pelas ruas elegantes de Perestória, a joia do reino dos elfos. Era a maior e mais imponente das três grandes cidades élficas. 

    Perestória era um símbolo de poder e tradição, abrigando os edifícios mais significativos do reino: o quartel dos Cavaleiros Sagrados e o majestoso castelo real, lar da linhagem dos elfos linficos.  

    Mesmo à distância, o castelo do rei se destacava, erguendo-se como um monumento imponente. Suas torres ultrapassavam as copas das árvores milenares, ofuscando até a mansão de Richard. 

    Embora reconhecido como o ser mais poderoso do reino — e do continente inteiro — havia símbolos de autoridade que ele sabia não lhe pertencerem.  

    A linhagem real era marcada pelo sangue dos elfos linficos, transmitido de geração em geração, um privilégio selado por um sinal peculiar no olho direito, semelhante a uma nota musical. Era a prova irrefutável de quem estava destinado a portar a coroa.  

    Richard respeitava essa hierarquia com uma fidelidade quase dolorosa. Por mais que as decisões vindas do trono lhe causassem desconforto — e às vezes até desgosto — ele jamais cruzava a linha. Sua obediência era absoluta, uma disciplina que ele comparava a uma maldição.  

    Os olhares eram inevitáveis. Richard e Elber avançavam pelas ruas de Perestória, atraindo a atenção como imãs em meio ao fluxo da cidade. Richard, como sempre, ignorava os olhares fixos, embora soubesse exatamente por que eles vinham. 

    Se pudesse, relaxaria os ombros, diminuiria o passo e caminharia como um homem qualquer. Mas o peso de seu título e o prestígio do nome Ravens exigiam uma presença impecável. Ele não podia se dar ao luxo de parecer descuidado.  

    Ao lado dele, Elber mantinha sua postura perfeita, como era esperado de um mordomo-chefe servindo uma figura tão distinta. Caminhar ao lado de Richard exigia elegância absoluta — não por vaidade, mas por necessidade. 

    Afinal, ele era uma extensão da presença do próprio Richard Ravens.  

    Esta parte da cidade era um desfile de luxo. Lojas exclusivas ladeavam as ruas, exibindo vitrines com produtos que só os mais abastados podiam sequer cogitar comprar. 

    Como o centro do poder econômico e militar do reino, Perestória era o refúgio dos nobres e dos ricos. Viver aqui era um privilégio inalcançável para a maioria, com preços altíssimos que refletiam o poder de compra inflacionado da elite élfica.  

    Nas mesas externas de confeitarias e cafés, mulheres bem-vestidas acompanhavam Richard com olhares afiados e predatórios. Para elas, conquistar aquele homem — ou mesmo dar à luz um herdeiro dele — era a porta de entrada para um prestígio ainda maior. 

    Mas os rumores circulavam livremente entre a alta sociedade: Richard jamais aceitou qualquer pedido de casamento, mesmo estando na idade ideal para tal.  

    Seu pai, ciente da necessidade de perpetuar a linhagem, já havia apresentado a Richard algumas das mais belas jovens de sangue nobre. Cada uma fora recusada com gentileza e cortesia — características que apenas reforçavam a aura de perfeição que ele carregava. 

    Ainda assim, poucas ousavam tentar a sorte, em parte por causa do homem à sua direita. Elber, com seu olhar impenetrável e postura impecável, era uma barreira quase intransponível para qualquer uma que quisesse se aproximar.  

    — Senhor, os olhares parecem estar ainda mais intensos hoje. — comentou Elber, sem desviar os olhos do caminho.  

    — S-Sim… Isso sempre acontece quando saio de casa. Deve ser desconfortável para você, imagino.  

    — Sem dúvida. — respondeu Elber, sem hesitar, antes de mudar de assunto. — Sobre o presente de sua irmã, já tem algo em mente?  

    Richard suspirou. Ele havia passado dias tentando decidir o presente perfeito, apenas para descartar todas as ideias. Sabia que, se tentasse resolver sozinho, acabaria devolvendo tudo. 

    Foi por isso que, na noite anterior, ele havia pedido a ajuda de Elber. Talvez, juntos, encontrassem algo que estivesse à altura da ocasião — e de sua irmã. 

    — Pensei em uma roupa… um equipamento… talvez um acessório… mas ainda não sei ao certo. — A voz de Richard soava diferente, menos confiante do que o usual, destoando de sua figura imponente.  

    — Entendo. Hm… será que este velho mordomo poderia sugerir algo? 

    — Claro! Foi exatamente por isso que pedi que viesse comigo.  

    — Sim, senhor. Embora, se me permite dizer, não teria sido mais apropriado trazer uma dama para ajudá-lo a escolher um presente para a jovem senhorita?  

    Richard piscou, surpreso pela ideia. 

    Como não havia pensado nisso? Mas logo descartou a possibilidade. Passear pela cidade com seu mordomo ou com um membro da família, como sua irmã, era perfeitamente aceitável. 

    Contudo, ser visto em público com uma mulher que não fosse de sua família certamente daria margem a fofocas maliciosas, algo que ele preferia evitar. Mais do que isso, poderia prejudicar a reputação da dama envolvida.  

    — Faz sentido… mas acho que, nesse caso, é melhor estar acompanhado de um homem. Comentários maldosos poderiam se espalhar e criar problemas desnecessários.  

    — Compreendo, senhor. Tem toda a razão. Perdão por sugerir algo inadequado.  

    — Não, tudo bem. Agora, sobre sua ideia… o que seria?  

    — Certo. Bem, estive pensando: não seria a jovem senhorita elegível para se juntar aos Cavaleiros Sagrados em breve?  

    Richard assentiu lentamente. Sua irmã estava perto da idade para iniciar sua jornada como cavaleira, um sonho que ela nutria desde pequena. Embora não possuísse o talento excepcional de Richard, ela era inegavelmente habilidosa — uma jovem promissora que se destacava entre os elfos do reino.  

    — Sim, ela já me contou sobre isso. Quer seguir carreira militar como cavaleira. — A expressão de Richard suavizou, embora um toque de preocupação permanecesse. — Não que eu goste muito dessa ideia… afinal, é minha irmã. Mas, se isso a faz feliz, quem sou eu para negar?  

    Apesar de seu desconforto, Richard sabia que os treinos que ele próprio supervisionava eram um dos momentos que ela mais valorizava. Ele sempre se esforçou para tornar os treinos leves e divertidos, recheados de jogos e brincadeiras que a motivavam e alegravam, enquanto ainda a preparavam para os desafios que viriam.  

    — Nesse caso — continuou Elber, ponderando —, que tal presenteá-la com uma nova arma? Pelo que me lembro, a última que ela recebeu foi a que mestre Kiel, seu pai, deu a ela quando ainda era pequena.  

    Ao ouvir o nome de seu pai, a expressão de Richard endureceu visivelmente. Elber percebeu o erro e rapidamente corrigiu-se:  

    — Ah, perdão, senhor! Não quis trazer um assunto incômodo à tona. Me desculpe pela falta de tato.  

    Richard respirou fundo e balançou a cabeça.  

    — Não precisa se desculpar, Elber. Você não falou nada de errado. Continue.  

    Mesmo sem dizer mais nada, era evidente que o nome de seu pai ainda era uma ferida para Richard, um lembrete de algo que ele preferia deixar enterrado no passado.

    — Não, tudo bem. Meus problemas com… com o meu pai não deveriam interferir nisso. Então, por favor, continue. Você acha mesmo que uma arma seria um presente adequado para minha irmã?  

    — Sim, senhor. Uma nova arma, especialmente vinda do senhor, seria algo bastante significativo.  

    — Hm… uma arma? — Richard parecia hesitante, cruzando os braços enquanto caminhava. — Será mesmo o presente certo?  

    Ele sabia que sua irmã era responsável, alguém que cuidaria bem de qualquer ferramenta que recebesse, especialmente algo tão importante quanto uma arma. 

    Ainda assim, a dúvida persistia. Sua mente começou a vagar por outras possibilidades, até que uma ideia surgiu. Talvez, com alguns ajustes, pudesse criar algo verdadeiramente especial.  

    — Senhor, acredito que, vindo de você, qualquer presente será marcante. Não importa tanto o objeto em si, mas o gesto. Um presente dado com o carinho de um irmão mais velho tem um valor que vai além do material. — Elber abriu um sorriso leve, confiante no que dizia.  

    Havia algo a mais naquela declaração, Richard percebeu. Elber tinha uma irmã mais nova e entendia o que significava essa relação. Talvez fosse exatamente por isso que Richard o havia escolhido para essa tarefa. O amor e o cuidado que ele tinha por sua própria irmã refletiam-se em suas palavras.  

    Richard devolveu o sorriso, agora mais tranquilo.  

    — Você tem razão, Elber. Acho que pensei demais nisso.  

    — Faz parte, senhor. É natural querer algo perfeito para quem amamos.  

    A leve tensão que Richard carregava dissipou-se. Ele sabia agora que, seja qual fosse sua escolha, o presente carregaria um significado especial. Afinal, o que mais importava era o vínculo que ele compartilhava com sua irmã, algo que nenhum objeto poderia substituir, mas que um presente poderia simbolizar perfeitamente. 

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