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    Dentro de uma construção espaçosa, um grupo de diversos homens-lagartos se reuniu em torno de uma mesa de madeira robusta. Alguns estavam sentados, enquanto outros permaneciam de pé. Os sentados eram os anciãos, um total de cinco homens-lagartos idosos, trajando roupas volumosas que lembravam mantos cerimoniais. Um desses anciãos chamou a atenção de todos dentro da construção — chamada de Salão de Reuniões — ao erguer o braço direito. 

    As conversas paralelas cessaram, e todos direcionaram seus olhares para os idosos no centro da sala. Eles começaram a discutir o curso de ação a ser seguido.

    — Acho que está na hora de iniciarmos esta reunião de emergência.

    O primeiro a falar foi o ancião conhecido como Pendragon. Em sua juventude, ele fora o maior guerreiro da tribo. As cicatrizes profundas em seu rosto denunciavam um passado repleto de batalhas. Seu olho direito, nublado e sem brilho, indicava que havia perdido a visão daquele lado—a marca de um veterano de incontáveis confrontos.

    — Antes de qualquer coisa, é crucial que todos aqui estejam cientes de uma informação. — disse a única anciã do grupo, uma fêmea que se destacava pela postura firme e voz imponente. — Já tínhamos planos para eliminar Grigaktakos há algum tempo e estávamos nos preparando para lidar com essa ameaça. No entanto, o súbito aparecimento dele tão perto da clareira recentemente nos fez mudar de ideia. Decidimos realizar o ataque ainda esta semana. 

    As palavras da anciã provocaram murmúrios entre os guerreiros reunidos. Entre eles, um homem-lagarto com uma expressão de desagrado ergueu a mão, solicitando permissão para falar. A anciã assentiu.

    — Gringenir, da família Bitarkos. — apresentou-se, reverenciando antes de continuar. — Não quero parecer inoportuno, mas, como alguém que viu a criatura de perto, preciso expressar minha preocupação. Eu me sentiria um fracasso como guerreiro se não o fizesse. Minha indignação surge da seguinte declaração: “Mas o súbito aparecimento dele tão perto da clareira recentemente nos fez mudar de ideia quanto a esperar mais um pouco e iremos realizar o ataque ainda esta semana.” Esta semana? Então não agiremos hoje mesmo?

    Muitos no salão compartilhavam dessa dúvida. A possibilidade de deixar um companheiro lutando sozinho, especialmente após ele ter arriscado a vida para avisá-los do perigo iminente, os incomodava profundamente.

    — Entendo sua preocupação. — começou a anciã, mantendo a calma. — Contudo, não podemos nos lançar em um ataque desses sem um plano bem elaborado. Mobilizar guerreiros às pressas só resultaria em mais perdas. Ou vocês já se esqueceram do desastre da última tentativa contra Grigaktakos?

    Os sobreviventes daquela expedição fatídica cerraram os punhos, relembrando a tragédia. Um grupo de mais de 150 guerreiros havia sido enviado, mas apenas 24 retornaram. A força monstruosa da criatura não podia ser subestimada. Antes, ela raramente se aproximava tanto da clareira, dando-lhes tempo para se recuperar. Agora, porém, sua proximidade forçava uma decisão.

    — E não apenas isso. — interrompeu outro ancião, Áquila, o mais velho entre eles. Sua fragilidade era evidente na postura encurvada e na bengala apoiada contra a mesa. — Se algo semelhante à última tentativa ocorrer novamente, ficaremos ainda mais enfraquecidos. Nesse cenário, não poderíamos enviar guerreiros para os reinos humanos nos próximos dias.

    A declaração provocou indignação em parte dos guerreiros. Muitos interpretaram as palavras do ancião como priorização dos interesses humanos em detrimento da tribo.

    — Isso é inaceitável! — bradou um guerreiro, atraindo olhares de aprovação e reprovação.

    — Se deseja falar, apresente-se primeiro. Não somos bárbaros, temos regras. — disse Pendragon, com firmeza.

    — Minhas desculpas! — respondeu o guerreiro, fazendo uma reverência. — Surdibe, da família Porlherios. Não concordo com essa abordagem!

    — Explique-se. — pediu Pendragon.

    — Claro! — Surdibe ergueu o corpo, adotando uma postura rígida para reforçar sua seriedade. — Não devemos nos preocupar com os humanos. Temos nossos próprios problemas! Por que agir pensando nos interesses de outra raça? Isso é ilógico.

    Alguns guerreiros acenaram em concordância, refletindo o ceticismo quanto ao acordo com os humanos. A proposta exigia que 100 guerreiros fossem enviados ao reino humano para servir ao rei em troca de recompensas por feitos heroicos. Mas se perdessem muitos combatentes na batalha contra Grigaktakos, não teriam como cumprir o acordo, comprometendo a defesa da tribo.

    — Vocês estão sendo infantis. — Áquila retrucou. — Sei que muitos aqui carecem de conhecimento sobre história e geografia, mas é desanimador ter que explicar a situação atual do continente toda vez que alguém fala sem pensar.

    — O que quer dizer? — perguntou um dos guerreiros.

    — Quero dizer que não estamos em posição de recusar essa troca. — A afirmação provocou alvoroço. Perguntas surgiram de todos os lados, mas Áquila permaneceu em silêncio, aguardando a ordem ser restabelecida.

    Um único guerreiro, que mantinha a mão levantada durante a confusão, finalmente foi chamado por Pendragon.

    — Você. Tem algo a dizer?

    Todos se calaram e voltaram seus olhares para o homem-lagarto no canto do salão. Ele estava acompanhado por duas figuras conhecidas: uma fêmea guerreira, respeitada por sua força, e o aprendiz de Vorsashi — o guerreiro que havia ficado para trás para enfrentar Grigaktakos.

    — Bruce, da família Dalas. — apresentou-se. — Acho que estamos desviando do foco principal. Devemos lembrar o verdadeiro propósito de estarmos aqui. — Alguns rostos expressaram dúvida quanto ao que ele queria dizer. — Lutamos, todos nós, pela sobrevivência e prosperidade da tribo. Isso deve vir em primeiro lugar.

    Murmúrios de aprovação ecoaram. Bruce continuou:

    — Concordo com os anciãos. Aceitar o acordo com os humanos nos oferece conhecimento e recursos. Não é algo que me agrada, mas se for necessário para a tribo, faz sentido. Como o ancião disse, estamos atrás das outras raças em poder. Recusar poderia nos colocar em risco de represálias. Os humanos dominam o continente. Agora, devemos focar na missão imediata e lidar com o resto depois.

    As palavras do jovem trouxeram um momento de reflexão, deixando os guerreiros divididos entre o pragmatismo e o orgulho tribal.

    — Ainda assim, permanecemos com opções bastante limitadas! Os humanos exigem guerreiros de nossa tribo, e, simultaneamente, precisamos destacar forças para um confronto mortal contra o Grigaktakos. Se sofrermos muitas baixas, ficaremos perigosamente desfalcados! Nossas possibilidades estão reduzidas! Não seria mais prudente adiarmos, por ora, essas tratativas com os humanos? — contestou Sudirbe, sem disfarçar o desagrado em sua entonação.  

    — Como mencionei antes, ignorar essa oportunidade pode ser prejudicial para o futuro de nossa tribo. Apesar das restrições que enfrentamos, não é como se estivéssemos completamente incapacitados de agir com os recursos que temos à disposição. — respondeu Bruce com firmeza.

    O olhar de Pendragon pousou sobre Bruce, impenetrável como o de um predador observando uma presa. Havia uma intensidade analítica em seus olhos, como se enxergasse algo que não via há muito tempo. 

    — Se é assim, presumo que tenha algum plano em mente para lidar com nossa situação atual? — questionou Pendragon, sua voz carregada de expectativa. 

    — De certo modo, sim, eu tenho. — Bruce afirmou com segurança. 

    — Nesse caso, exponha-o. — disse Pendragon, com um leve gesto de mão incentivando o jovem a prosseguir.

    — Certamente. — Bruce se virou para os outros homens-lagartos reunidos no conselho. — Proponho que enviemos, no máximo, cinquenta guerreiros para os reinos humanos.

    — Cinquenta? Por que esse número? — inquiriu um dos presentes, visivelmente intrigado.

    — Sei exatamente o que devem estar pensando. “Os humanos exigiram cem guerreiros, portanto enviar apenas cinquenta não é viável.” No entanto, estão se esquecendo de um detalhe crucial: foram eles que vieram até nós para negociar. — Bruce pausou por um instante, permitindo que suas palavras pairassem no ar como lâminas afiadas.

    Os olhos dos guerreiros cintilaram com uma curiosidade contida, ansiosos para ouvir a conclusão de seu raciocínio.

    — Consideremos o fato de que os humanos iniciaram as negociações. Isso implica que eles precisam de nós para alguma finalidade específica. Não sou ingênuo a ponto de acreditar que não há um propósito oculto por trás de seu desejo de levar guerreiros de outra raça para seus domínios. Contudo, mesmo enviando menos do que o solicitado, estou convencido de que aceitarão a oferta. No fim das contas, são eles que necessitam de nossos homens-lagartos. — Bruce explicou, sua voz firme ecoando entre os presentes.

    — Isso é apenas uma suposição. Não podemos arriscar toda a nossa estratégia baseando-nos em uma hipótese. — retrucou Sudirbe, ainda relutante.

    — Da mesma forma, não podemos simplesmente ignorar os humanos. Se o fizermos, corremos o risco de sermos atacados mais cedo ou mais tarde. Eles têm uma vantagem esmagadora em números, podendo facilmente mobilizar um exército dez vezes maior que o nosso. Aposto que, mesmo com metade disso, seriam capazes de cercar a floresta e lançar um ataque coordenado que nos exterminaria. E isso sem sequer mencionarmos a vantagem bélica que possuem. Ou será que se esqueceram da magia humana? — rebateu Bruce, sua voz soando quase como um rugido de advertência.

    A menção à magia humana fez com que um murmúrio nervoso percorresse os guerreiros reunidos. A magia era um mistério insondável para os homens-lagartos. Incapazes de utilizá-la, sabiam dela apenas através de relatos antigos sobre seu poder devastador. Era uma força desconhecida, e o desconhecido, por si só, carregava um peso aterrorizante.

    Pendragon continuou a fitar Bruce, seus olhos cerrados como se ponderasse cada aspecto do discurso. O salão foi gradualmente mergulhando em silêncio, as conversas murmuradas cessando enquanto todos aguardavam sua decisão. Por fim, Pendragon abriu os olhos, cravando-os em Bruce com uma expressão que combinava respeito e avaliação.

    — Eu concordo com o jovem Bruce. — declarou Pendragon com voz solene.

    O impacto de suas palavras reverberou pelo ambiente. Os homens-lagartos se entreolharam, visivelmente perplexos com a declaração inesperada de apoio ao jovem. Até mesmo os anciões, que raramente demonstravam surpresa, pareceram abalados pela decisão. O conselho estava oficialmente inclinado a seguir as palavras de Bruce, marcando o início de um caminho incerto e repleto de desafios.

    — Iremos nos concentrar primeiramente no problema iminente, o Grigaktakos. Entretanto, não devemos negligenciar os humanos. Apoio a proposta de destacarmos cinquenta homens-lagartos para serem enviados aos reinos humanos, enquanto nossos guerreiros restantes se preparam para enfrentar o Grigaktakos. — declarou Pendragon com firmeza, encerrando momentaneamente os murmúrios entre os presentes.

    Bruce ergueu a mão mais uma vez, atraindo os olhares curiosos de todos ao redor. Recebeu um aceno sutil de Pendragon, concedendo-lhe permissão para falar.

    — Disponho-me a ser enviado ao reino humano. — anunciou Bruce sem hesitação.

    Um silêncio carregado tomou conta do salão. Até mesmo os dois companheiros que estavam ao seu lado o encararam, surpresos com sua declaração. A fêmea entre eles abriu a boca, prestes a questioná-lo, mas percebeu rapidamente que não era o momento apropriado para comentários impensados e se conteve.

    — Oh… Não imaginei que você teria inclinação para deixar nosso território. — comentou Pendragon, arqueando ligeiramente as sobrancelhas.

    — E não iria. Para ser sincero, preferiria permanecer aqui, protegendo a tribo como todos os demais. — respondeu Bruce, sua voz carregada de convicção.

    — Então por que se voluntariou para ser enviado? — inquiriu Pendragon, cruzando os braços em sinal de expectativa.

    — Porque a sugestão de enviar apenas cinquenta guerreiros foi minha. E sou macho o bastante para sustentar minha ideia e ser o primeiro a colocá-la em prática. Se isso for pelo bem da tribo, não hesitarei em ir até os confins mais sombrios deste mundo. — afirmou Bruce, sua expressão resoluta deixando claro que suas palavras não eram vazias.

    Os guerreiros ao redor o observaram com olhares diversos. Alguns expressavam um orgulho discreto, admirando a bravura do jovem. Outros deixavam transparecer uma centelha de inveja, desejando estar no lugar dele naquele momento de glória. Havia também aqueles que, em silêncio, se perguntavam se algum dia conseguiriam agir de maneira tão inspiradora quanto Bruce acabara de fazer.

    Entre os guerreiros, a demonstração de coragem e honra de um companheiro reverberava como um chamado. Quando alguém agia de forma íntegra, digna do título de guerreiro, isso inevitavelmente inflamava os corações dos demais. Muitos ali se imaginavam na posição de Bruce, desfrutando da atenção e do respeito conquistados por suas palavras.

    — Muito bem. Assim como antes, aqueles que tiverem interesse em seguir para os reinos humanos poderão manifestar-se mais tarde. Que fique claro, porém, que esses voluntários não participarão da investida contra o Grigaktakos. — declarou Pendragon, pondo fim às especulações.

    A reunião prosseguiu por mais algumas horas, enquanto estratégias eram traçadas e decisões finais, firmadas. O ar denso da sala carregava tanto preocupação quanto determinação, refletindo a complexidade dos tempos que estavam por vir.

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