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    Após o término da reunião de emergência, o grupo destacado para atacar o Grigaktakos ocupava o centro do vilarejo. Alguns guerreiros examinavam equipamentos com olhos atentos, enquanto outros cruzavam lâminas em rápidos treinos. O som metálico de armas se chocando ecoava pelo ar, misturado ao murmúrio grave de vozes trocando estratégias e palavras de encorajamento. 

    Ainda assim, havia aqueles que permaneciam à margem, observando em silêncio os bravos que enfrentariam a criatura temida. O ataque fora agendado para a manhã seguinte. Embora essa decisão dos anciões irritasse alguns, não havia margem para protestos — era um decreto final.

    — Não achei que você decidiria ir para fora assim — disse Virmirka, rompendo o barulho do acampamento. Ela era a irmã de Bruce, e sua voz carregava um tom de reprovação velada.

    — O que quer dizer? Eu já estava cogitando essa possibilidade, lembra? Isso apenas me deu um pequeno empurrão — respondeu Bruce, tentando minimizar a tensão.

    — Ainda assim! Você é meu irmão! Achei que, ao menos, me avisaria antes de tomar uma decisão tão séria! — Virmirka cruzou os braços, e seus olhos dourados fixaram-se nele com intensidade.

    Bruce percebeu que sua irmã realmente se sentira magoada. Ela sabia que ele ponderava a ideia de partir, afinal, já haviam discutido o assunto antes. No entanto, ele nunca dera uma resposta concreta — nem afirmativa nem negativa. Sua declaração abrupta durante a reunião fora como um golpe inesperado, deixando-a com a sensação de ter sido traída pelo próprio sangue.

    — Ó, já vou logo avisando. Não é para você morrer! Não até ter um monte de filhos! — Virmirka disparou, em um tom que misturava preocupação e provocação.

    — O quê?! De onde tirou essa ideia, minha irmã? — Bruce arqueou uma sobrancelha, surpreso.

    — O que foi? Não quer ter um monte de filhos? — Ela o encarou com fingida inocência.

    — Não é que eu não queira… mas… não é exatamente o que está em meus planos no momento. — Bruce desviou o olhar, sentindo o rosto esquentar ligeiramente.

    — Então, no mínimo uns cinco deve estar bom. — Virmirka riu, satisfeita com sua resposta evasiva.

    — Por que você está decidindo isso sem o meu consentimento? — Bruce bufou, mas havia um leve sorriso em sua expressão, cedendo à conversa descontraída.

    Enquanto sua irmã continuava a sonhar acordada com um futuro repleto de sobrinhos, Bruce notou Shayax retornando. 

    Os passos rápidos e a expressão séria do guerreiro sinalizavam que algo urgente estava por vir. Ele endireitou a postura, preparando-se para o que quer que estivesse por vir.

    — Os anciãos concederam permissão para que Virmirka se juntasse à equipe de ataque contra o Grigaktakos — anunciou Shayax, aproximando-se com passos firmes.

    — Isso! Na verdade, sinto-me até um pouco ofendida por não terem me convocado desde o início! — exclamou Virmirka.

    — Por favor, irmã, não vá criar desavenças com os anciãos.

    — Eles é que começaram essa briga comigo! 

    Shayax soltou um leve suspiro antes de prosseguir, tentando manter a calma na conversa.

    — Segundo o que me disseram, não cogitaram sua participação inicialmente porque previam um cenário em que muitos poderiam perecer na batalha. Nesse caso, precisariam deixar alguns dos seus melhores guerreiros para trás, garantindo a possibilidade de reconstruir a tribo no futuro. — Ele se acomodou ao lado de Bruce, relaxando os ombros.

    — Agora isso faz sentido! Mas, ainda assim, eles deveriam ter me perguntado o que eu queria fazer ao invés de decidirem por mim! Esses velhotes… — Virmirka bufou, claramente insatisfeita.

    — Ao menos tudo foi resolvido, não foi? — Bruce replicou, começando a se cansar do tom beligerante da irmã. — Em vez de continuar reclamando, não seria mais produtivo se preparar para a batalha contra o Grigaktakos? O pessoal que vai enfrentá-lo já está se armando e treinando. Não seria bom se apresentar ao grupo e se enturmar com seus futuros companheiros de combate?

    — Oh! Você tem razão, irmãozinho! Vou indo agora mesmo. — Ela sorriu, animada, antes de apontar o dedo para Bruce como se estivesse o repreendendo. — Juízo, hein? Me espere aqui.

    Bruce ficou momentaneamente aturdido com a despedida da irmã. Observando-a partir com determinação, ele não pôde evitar um sorriso de canto, enquanto pensava, desconcertado: “Juízo…? Para quem ela acha que está dizendo isso?”

    Por um instante, enquanto observava sua irmã se afastar, Bruce permitiu que seus olhos recaíssem sobre Shayax. O olhar durou apenas um segundo fugaz, mas foi tempo suficiente para que algo o inquietasse. Havia algo de errado com seu amigo. Algo que Bruce não conseguia ignorar.

    — Está preocupado? — perguntou Bruce, com a voz baixa, mas firme.

    — Hã? Ah… sim, um pouco — respondeu Shayax, desviando o olhar.

    — Não é como se não tivesse motivo para isso — disse Bruce, cruzando os braços. — Mas lembre-se de uma coisa. Seu mentor é um dos guerreiros homem-lagarto mais poderosos da tribo. Ele não cairia tão facilmente.

    — …Sim, você tem razão. Obrigado, Bruce.

    Shayax esboçou um sorriso fraco, sem verdadeira convicção, enquanto seu semblante permanecia marcado pela inquietação. Por mais que soubesse da força de seu mentor, a criatura que os atacara era de um poder aterrador, e essa memória ainda pesava sobre seus ombros.

    — Uma pergunta: você vai fazer parte da equipe que lutará contra o Grigaktakos?

    — Eu? Não. Com toda certeza eu queria! Mas… eles não me deram permissão…

    — Disseram que você é jovem demais para morrer, não é?

    O rosto de Shayax se contorceu, como se tivesse acabado de provar algo amargo.

    — Eles não têm esse direito! Por que querem decidir como devo morrer?! Querem me impedir de lutar por algo que realmente importa para mim? 

    — Isso faz parte dos deveres deles. 

    — …Hein? Como assim?

    — O papel dos anciãos é garantir que a próxima geração da grande tribo sobreviva. Você faz parte dessa geração. Minha irmã faz parte. E eu também. Não terem escolhido ela, no início, para lutar contra o Grigaktakos foi pelo mesmo motivo que o seu.

    — O quê? Mas eu… eu não sou tão forte quanto ela. Não deveriam tentar me poupar desse jeito.

    — Você é alguém que um dos guerreiros mais fortes decidiu treinar pessoalmente. Eles devem ter levado isso em consideração.

    — Mas assim que eu pedi — por meio da sua irmã — para que ela participasse da campanha contra o Grigaktakos, eles não demoraram nem dez minutos para aprovar… 

    A diferença de habilidades entre Shayax e Virmirka era colossal. Mesmo treinando durante anos com dedicação incansável, Shayax nunca conseguiu sequer se aproximar do nível dela. Se fosse necessário definir suas posições em termos de qualidade como guerreiros… 

    Bruce e Virmirka fazem parte da elite da grande tribo — a lança e o escudo mais afiados do povo — enquanto Shayax não passava de um guerreiro comum, sem brilho, perdido na multidão.

    Shayax sabia muito bem o quão fraco era em comparação a seus amigos, mas isso nunca foi suficiente para desanimá-lo ou fazê-lo desistir de se esforçar. 

    Na verdade, Bruce sentia orgulho do amigo e o respeitava profundamente pelo empenho incansável que demonstrava dia após dia. Virmirka, por sua vez, havia se apaixonado por Shayax justamente por essa qualidade — uma determinação feroz que ela considerava máscula — de sempre buscar se superar, não importa o quão distante o objetivo pudesse parecer. 

    — Eu me decidi.

    — Hm?

    Ao captar um murmúrio mais grave no tom de Shayax, Bruce ergueu os olhos, intrigado com o súbito peso nas palavras do companheiro.

    — Vou para o reino dos humanos com você, Bruce.

    — O quê?… O quê?! Está falando sério? Isso foi… repentino.

    Shayax soltou uma gargalhada sonora, claramente saboreando a rara expressão de surpresa estampada no rosto de Bruce.

    — Hahaha! Você quase nunca demonstra esse tipo de reação! Foi impagável!

    Bruce desviou o olhar, as bochechas aquecidas por um rubor inesperado.

    — Você me paga por isso!

    — Não acredito… Está com vergonha? Mesmo? Ficou com vergonha?!

    — Para com isso!

    Bruce ergueu os braços em protesto, afastando o amigo que se aproximava de maneira provocadora. Shayax recuou com um sorriso travesso, mas logo voltou a erguer os olhos para o céu, perdido em devaneios.

    — O reino dos humanos, hein… como será? — A voz de Shayax carregava um tom sonhador, como o de uma criança imaginando terras distantes e maravilhas ainda desconhecidas.

    Bruce, porém, manteve o semblante sério e a voz firme.

    — Não importa como é. Se realmente vai comigo, Shayax, há algo que precisa manter em mente: o quanto podemos conquistar para a tribo com nossos esforços.

    — Você está absolutamente certo! — Shayax ergueu o polegar em um gesto de aprovação, os olhos brilhando com entusiasmo.

    Um som agudo rompeu a cacofonia de vozes ao redor, atraindo a atenção dos dois. Ambos voltaram o olhar para a origem do barulho, localizando um grupo de homens-lagartos reunidos em um círculo. Apesar de todos estarem engajados na conversa, apenas uma voz realmente se destacava. 

    Era o tom firme e desinibido de uma fêmea, claramente alheia ao desconforto que sua exibição provocava nos companheiros ao seu redor. Ela discursava com fervor sobre a importância de treinar, no mínimo, três vezes ao dia para manter a condição física impecável.

    — Sua irmã continua exatamente a mesma, Bruce. — Shayax arqueou uma sobrancelha, lutando para conter um sorriso.

    — Às vezes, fico me perguntando se realmente somos irmãos de sangue. — Bruce suspirou, o olhar perdido momentaneamente na multidão. — Tirando o fato de sermos guerreiros e órfãos de guerra, não temos absolutamente nada em comum.

    — Especialmente no quesito personalidade! Vocês não poderiam ser mais diferentes! — Shayax acrescentou com um tom jocoso.

    As expressões dos dois amigos relaxaram ainda mais, transformando-se em sorrisos cúmplices. Momentos depois, suas risadas ecoaram suavemente, misturando-se à agitação do centro.

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