Índice de Capítulo

    Bruce despertou ao cair da tarde, envolto por uma atmosfera carregada de tensão e triunfo. A notícia que ecoava pelos corredores era quase inacreditável—Grigaktakos, o terror das florestas, havia sido abatido pelo exército dos homens-lagartos. A campanha para subjugá-lo estendeu-se por dois longos e extenuantes dias. Segundo o relatório detalhado trazido pela linha de frente, a criatura possuía uma resistência assombrosa, sustentando a luta contra centenas de guerreiros por horas intermináveis.

    Não fosse a estratégia engenhosa proposta por um dos guerreiros—dividir as forças e adotar um sistema de rodízio para manter o ímpeto de ataque—, o combate teria terminado em derrota devastadora. No entanto, Grigaktakos tombou. O que realmente deixou Bruce perplexo foi o anúncio surpreendente de quem desferira o golpe final.

    — Hahaha! Vocês deviam ter visto! Ele estava nas minhas mãos! Nas minhas mãos! — A voz exaltada de uma fêmea irrompia no salão.

    Ela estava de pé sobre uma mesa, absorvendo os olhares admirados dos guerreiros que a cercavam. Enquanto narrava a proeza com gestos amplos e dramáticos, o brilho nos olhos daqueles que a escutavam refletia a emoção compartilhada. Ela era a heroína que vencera a fera mais temida das florestas dos homens-lagartos.

    — C-Como você o derrotou?! — perguntou um guerreiro, incapaz de conter a curiosidade.

    — Hahaha! Obviamente com um golpe magnífico que só eu poderia realizar! Hahaha! — respondeu ela, triunfante.

    Conforme sua narrativa se desenrolava, a multidão tornava-se mais agitada. Para eles, ouvir sobre batalhas gloriosas e vitórias lendárias era tão embriagante quanto participar delas. E ali estava ela, prestes a se tornar uma lenda, alguém cujas façanhas seriam contadas por gerações futuras. A sensação era ao mesmo tempo eletrizante e invejável.

    — Sua irmã não sabe o significado da palavra “moderação”? — perguntou um guerreiro ao lado de Bruce.

    — Ela nunca soube — respondeu Bruce, com um suspiro resignado. — Nem quando era criança.

    Desde a infância, sua irmã demonstrara uma determinação inabalável. Para tudo o que almejava, avançava sem hesitação ou limites. Foi assim que desenvolveu suas habilidades de combate, conquistou respeito como uma das guerreiras mais formidáveis da tribo e, até mesmo, garantiu seu relacionamento com Shayax—em grande parte devido à sua persistência implacável.

    — Shayax… — Bruce murmurou o nome do amigo.

    O salão estava repleto de celebrações, mas uma sombra pairava sobre Bruce. Apesar da vitória sobre a criatura, o paradeiro do instrutor de Shayax permanecia um mistério. Nem vivo, nem morto—ele simplesmente desaparecera, sem deixar vestígios. Mesmo após o envio de equipes de busca, nenhuma pista fora encontrada.

    Bruce sabia que seu amigo deveria estar devastado, mas ainda não tivera a chance de falar com ele. Essa ausência apenas alimentava a inquietação crescente que se instalava em seu peito.

    Após beber um pouco, Bruce saiu para o lado de fora do salão, caminhando até uma árvore onde se acomodou com as costas apoiadas no tronco. Embora ainda estivesse nos primeiros momentos de seu despertar, ouvir sobre a batalha travada pelos homens-lagartos, e sobre sua irmã enfrentando o temido Grigaktakos, fez seu sangue ferver, ainda que de forma suave. Criado como guerreiro, o campo de batalha já fazia parte do que ele considerava sua essência, como se fosse parte da alma. Não lamentava por não ter participado; afinal, sua própria luta estava prestes a começar.

    — Bruce, Bruce, Bruce! — Sua irmã corria em direção a ele, e seu comportamento não passava despercebido, pois algo não estava certo, pelo menos pela forma como falava e se movia. Ao aproximar-se, ela se atirou no colo do irmão. — Irmãozinhooooo…

    — Ah… o que foi…? Quanto… quanto você bebeu? 

    — Eu venci, irmãzinho… sua irmã incrível venceu a luta… eu venci… venci…

    — Ei… Virmirka…?

    Como se estivesse em uma confortável cama, ela adormeceu no colo de seu querido irmão, sem que sequer parecesse cansada antes. O peso leve de seu corpo contrastava com a agitação em sua mente.

    — Caramba… o que eu faço com você, hein? — Bruce murmurou suavemente, um sorriso de ternura surgindo ao olhar o rosto sereno de sua irmã, agora desprovido de toda a inquietação.

    — Ela bebeu até demais. Mas acho que ela merecia isso. — A voz que interrompeu o momento foi imponente, imbuída de sabedoria e serenidade.

    — Senhor Pendragon?! — Bruce se virou, surpreso, ao reconhecer o homem diante dele, um guerreiro de renome.

    — Xii… — O homem silenciou Bruce com um gesto calmo e indicou a irmã adormecida. — Que tal deixarmos nossa melhor guerreira da batalha descansar um pouco?

    — Ah… eh… mas ela não parecia cansada há alguns minutos atrás…

    Pendragon, com sua postura tranquila, se aproximou e se acomodou encostado em outra árvore. Bruce não o conhecia profundamente, mas havia algo nele que transmitia uma sensação de leveza, como se estivesse em paz consigo mesmo, ou ao menos fosse isso que seu sorriso impassível transmitia.

    — Os relatórios da campanha me disseram que sua irmã foi impressionante, mesmo antes de desferir o golpe final contra o Grigaktakos. — Pendragon comentou, observando a jovem dormindo.

    — Ela não é do tipo que recua. Não sei se isso é uma dádiva ou uma maldição. — Bruce respondeu, com um olhar distante, refletindo sobre a personalidade impetuosa da irmã.

    — Talvez ambos. — Pendragon respondeu com um sorriso enigmático, como se já tivesse pensado sobre isso antes.

    — Pode ser. — Bruce assentiu, rindo junto com Pendragon, compartilhando um entendimento silencioso.

    — O senhor também deve estar muito orgulhoso. Foi o filho do senhor, Pendragon, quem sugeriu a ideia de combater o Grigaktakos em turnos. Se não fosse por ele, minha irmã hoje poderia não estar mais entre nós… — Bruce fez uma rápida reverência ao homem à sua frente, um gesto de gratidão genuína. — Peço que o agradeça em meu nome depois.

    Pendragon esboçou um sorriso satisfeito, mas havia algo peculiar em sua expressão, algo que Bruce interpretou como um “sorriso bobo”, como se o ancião estivesse prestes a compartilhar uma história ou uma revelação íntima.

    — Meu filho é um guerreiro… peculiar. — Pendragon disse, como se refletisse sobre aquilo com um certo carinho e, ao mesmo tempo, com uma pitada de exasperação.

    — Peculiar? — Bruce perguntou, curioso.

    — Apesar de ser meu filho de sangue, ele não herdou minhas capacidades regenerativas aceleradas. No máximo, possui uma regeneração um pouco acima da média. Mas ele herdou os olhos da mãe… veja só, uma coisa dessas! — Pendragon riu suavemente, e o tom de sua voz se suavizou, quase como se falasse com saudade.

    Bruce o observou, surpreso. O homem à sua frente, aquele guerreiro temido, parecia um pai com um toque de ciúmes e uma aura de afeto ao mesmo tempo, algo que contradizia a imagem de severidade que Bruce sempre imaginara.

    — Deve ser um tanto invejável, não? — Bruce comentou, com um sorriso travesso.

    — Não?! Meu próprio filho de sangue quase não se parece comigo! Sorte a dele que, quando nasceu, me apaixonei à primeira vista. — Pendragon respondeu com um tom que era uma mistura de resignação e diversão.

    Bruce, por um momento, ficou pensativo. Aquele homem imponente estava, de alguma forma, compartilhando uma fragilidade, e isso fazia a conexão entre eles parecer mais profunda.

    — O senhor não pensa em ter outros filhos? — Bruce perguntou, sem pensar muito, tocando em um assunto que, por um instante, parecia até íntimo.

    Pendragon soltou uma risada baixa, mas seu sorriso suavizou ainda mais.

    — Não foi por falta de tentativas, garoto… — Ele respondeu com um olhar divertido, mas também nostálgico.

    — Oh… — Bruce disse, compreendendo finalmente o que estava implícito nas palavras do velho guerreiro. 

    Uma leve vergonha se apoderou dele, mas também uma empatia.

    — Mas, no fim das contas, parece que temos algumas coisas em comum… — murmurou Pendragon, cruzando os braços e inclinando a cabeça de leve.

    — Oh, sério? E o que seria? — Bruce arqueou uma sobrancelha, intrigado.

    — Também tenho preferência por fêmeas… peculiares. — Pendragon sorriu de canto, como se saboreasse a própria revelação.

    Bruce piscou, surpreso com a confissão inesperada. Então, recuperando-se rapidamente, perguntou:

    — Seu filho é casado?

    — Ainda não. Mas, na verdade, ele acabou de pedir uma fêmea em casamento há poucas horas.

    — Oh, caramba! Devo parabenizá-lo pelo noivado?

    — Não sei — respondeu Pendragon, soltando um suspiro. — Quando sua irmã der uma resposta, talvez.

    — Hm…? — Bruce estreitou os olhos, analisando o macho à sua frente.

    A princípio, a insinuação parecia absurda, mas então as peças começaram a se encaixar. De repente, a “cara de bobo” que Pendragon exibira mais cedo fazia todo o sentido.

    — A Vimirka?! Seu filho é masoquista? — exclamou Bruce, incrédulo.

    Pendragon soltou uma risada curta e respondeu:

    — Você tem um jeito… peculiar de se referir à sua irmã. — Sua expressão era ao mesmo tempo curiosa e divertida.

    — Não é maldade, nem nada do tipo — defendeu-se Bruce, levantando as mãos. — Mas eu sou provavelmente a pessoa que mais conhece aquela maluca… tirando um amigo meu.

    — Oh? E esse amigo é apenas um amigo mesmo? — Pendragon inclinou-se ligeiramente para frente, a curiosidade evidente em sua voz.

    — Mais ou menos. Eles meio que namoraram e depois terminaram. Mas, até onde sei, minha irmã ainda quer ele.

    — Então ela ainda tem sentimentos por ele? — Pendragon coçou o queixo, parecendo subitamente pensativo. Talvez estivesse refletindo sobre o filho e as poucas chances que ele teria diante daquela situação.

    Bruce hesitou por um instante antes de responder. “Gostar” parecia uma palavra inadequada para descrever a relação caótica que sua irmã tinha com Shayax. Durante os treinos, Vimirka não mostrava nenhuma piedade. Ela o derrubava, socava, chutava e deixava o pobre coitado ensanguentado e ofegante no chão. E, quando decidia dormir com ele, simplesmente o atacava no meio da noite — sem sequer lhe dar a chance de recusar. Na verdade, Shayax geralmente já estava exausto, coberto de hematomas e completamente incapaz de resistir a qualquer coisa.

    — Gostar é um termo… generoso demais. — Bruce suspirou. — Minha irmã chamava aquilo de recompensa pós-treino. Eu ainda tenho pesadelos com as lembranças do estado em que ele ficava nas manhãs seguintes.

    Pendragon franziu a testa.

    — Recompensa?

    — Sim. — Bruce fez uma careta. — O barulho que vinha daquele quarto… seguido pelos novos hematomas que apareciam no corpo dele… Só de lembrar já fico com pena do pobre Shayax.

    Pendragon soltou um longo suspiro, cruzando os braços.

    — Parece que meu filho tem um desafio à frente… — murmurou, como se já estivesse repensando o plano do casamento.

    — Minha irmã é um pouco… selvagem… em muitos sentidos…

    — Uma fêmea que sabe o que quer é uma das melhores dádivas que um macho poderia desejar, não acha? — ponderou Pendragon com um leve sorriso no rosto.

    — S-sim… eu suponho…

    Bruce, no entanto, sabia, no íntimo, que jamais desejaria uma companheira com o mesmo temperamento explosivo e impetuoso de sua irmã. Se possível, o mais distante dessa descrição. Alguém gentil, talvez até tímida — uma fêmea doce e delicada, o oposto perfeito para equilibrar os traumas que ele nutria após crescer ao lado de alguém como Vimirka.

    — Opa, Bruce…? — Shayax surgiu de repente, saudando o amigo antes de desviar os olhos para o ancião ao lado dele. — Ah! Senhor Pendragon! …Estou interrompendo alguma coisa…?

    — Vocês jovens precisam aprender a ter um pouco mais de paciência. — comentou Pendragon, massageando a têmpora como quem estava habituado à impetuosidade daquela geração.

    — Dê um desconto para nós, senhor. Normalmente só vemos o senhor em tempos de crise e durante reuniões emergenciais. Nunca tivemos a oportunidade de conversar assim tão casualmente. — respondeu Bruce, tentando aliviar o clima.

    Pendragon era um homem meticuloso e ocupado. Além de ocupar o venerável cargo de ancião, ele também tinha a responsabilidade de supervisionar os treinamentos dos guerreiros mais jovens — aqueles que ainda não possuíam a autodisciplina para treinar sozinhos, como Bruce e sua irmã, ou que não tinham professores particulares, como Shayax. 

    — Pode conversar com seu amigo, garoto. Já estava de saída. — disse Pendragon, levantando-se com elegância.

    — Tem certeza, senhor…?

    — Sim, sim. Afinal, vocês dois parecem ansiosos para colocar os assuntos em dia, não?

    Shayax observou as costas do ancião enquanto ele se afastava com passos cadenciados. Antes que Pendragon desaparecesse por completo, Shayax inclinou-se ligeiramente, em um gesto respeitoso, antes de se virar para Bruce.

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