Capítulo 55 - Retornar Vivo
— E então, Shayax. — começou Bruce, inclinando a cabeça levemente. — Como você está?
— Desesperado… eu acho?
Bruce arqueou uma sobrancelha. A serenidade na voz de Shayax contradizia totalmente a gravidade de suas palavras. Ele parecia calmo demais para alguém que dizia estar desesperado.
— Você não parece tão desesperado assim.
— Acho que é porque já tive tempo para refletir. Além disso, tudo parece irreal… como se fosse algo distante demais para ser verdade. — respondeu Shayax, deixando-se cair pesadamente no chão e encostando-se à árvore mais próxima. — É uma loucura…
Bruce reconheceu imediatamente aquela expressão vazia e o tom desconexo. Já tinha visto guerreiros exibirem o mesmo olhar perdido ao receberem notícias devastadoras — mortes de familiares, doenças incuráveis ou desastres inevitáveis. O desaparecimento do instrutor de Shayax, sem deixar qualquer vestígio, havia deixado o amigo completamente atônito. Ele estava paralisado, não por indiferença, mas pela simples incapacidade de processar o que tinha acontecido. Era como se sua mente estivesse envolta em uma névoa, incapaz de decidir entre o luto e a esperança.
— Você vai ficar bem? — perguntou Bruce, a preocupação transparecendo em sua voz.
Ele conhecia Shayax bem demais para ignorar o estado atípico em que o amigo se encontrava. Era raro vê-lo tão introspectivo, ainda mais considerando seu temperamento geralmente vibrante e expressivo.
— Acho que sim. — Shayax suspirou, forçando um tom mais confiante. — O que me mantém em pé, por enquanto, é o fato de que nenhum corpo foi encontrado. Não temos qualquer evidência concreta de que ele esteja morto. Pode muito bem ter se afastado enquanto fugia do Grigaktakos. Pelo menos, nada foi encontrado dentro da criatura.
Após derrotarem o Grigaktakos, os guerreiros da tribo haviam aberto a barriga da fera, vasculhando suas entranhas em busca de vestígios do instrutor desaparecido. No entanto, não havia qualquer indício de um corpo de homem-lagarto, o que afastava, ao menos por ora, o pior cenário possível.
— Vão continuar procurando? — Bruce perguntou, tentando encontrar algum fio de esperança na situação.
— Sim. Mais equipes serão enviadas amanhã. Mas, honestamente, já vasculharam boa parte da floresta. Se ele não for encontrado até lá, só posso presumir que tenha saído do território. — Shayax desviou o olhar, a incerteza o corroendo por dentro.
— Você acha que ele faria algo assim? — Bruce ergueu uma sobrancelha.
— Não sei. Talvez. Suponho que a situação tenha ficado crítica o suficiente para que ele o fizesse. — Shayax encarou o chão, perdido em pensamentos.
Embora não houvesse qualquer lei explícita proibindo os homens-lagartos de deixarem a floresta, era algo que evitavam a todo custo. Eles conheciam bem os humanos, que dominavam o continente. Para muitos, os humanos não passavam de criaturas cruéis, capazes de matar por mero capricho. Era uma visão amplamente compartilhada na tribo—todos, exceto um.
— Se ele tiver ido parar do lado de fora, talvez consiga encontrar ajuda e voltar. — Bruce tentou consolar o amigo, ainda que suas palavras soassem mais como esperança vaga do que uma certeza.
— Eu também espero… — murmurou Shayax, embora a hesitação fosse evidente.
Sentindo a tensão crescer, Bruce decidiu mudar de assunto. Ele se lembrou da data marcada—o dia em que deixaria a floresta e também sua tribo.
— E sobre ir para o reino humano? — perguntou Bruce.
— Ah… bem… — Shayax soltou um suspiro pesado. — Agora? Não faço ideia. Não quero sair antes de saber o que aconteceu com meu instrutor. Mas também não tenho muito tempo para decidir, não é?
— Eles chegam depois de amanhã. — Bruce lembrou.
A data marcada para o retorno dos humanos estava próxima. Os homens-lagartos tinham apenas dois dias para tomar uma decisão. Se Vorsashi não fosse encontrado até lá, Shayax teria de enfrentar um dilema difícil.
— Isso só torna as coisas mais complicadas… — Shayax resmungou, afundando ainda mais nos próprios pensamentos.
— Droga… — murmurou Bruce, percebendo que sua tentativa de mudar de assunto havia falhado miseravelmente.
De repente, um chamado arrastado ecoou.
— Shayaxxxx…
Vimirka, visivelmente embriagada, tropeçou ao se levantar do colo de Bruce e foi de encontro ao aflito Shayax.
— Vimirka…? — Shayax ergueu o olhar, surpreso.
— Shayax… você… você me ama, não ama? — murmurou ela, segurando os ombros dele com firmeza.
— Eu… claro… amo… sim! — respondeu Shayax, hesitante.
Vimirka sorriu como se tivesse acabado de ouvir a confirmação de algo precioso. Suas mãos deslizaram até o rosto dele, o toque possessivo e carinhoso ao mesmo tempo. Naquele momento, Shayax era dela—única e exclusivamente dela.
— Então por que você… então por que… então… então… você… vai… me deixar…? — A voz dela vacilou até que, incapaz de continuar, desmaiou nos braços dele.
— Ah… quanto você deixou ela beber? — Shayax perguntou, lançando um olhar acusador para Bruce.
— Ei, calma aí! — Bruce ergueu as mãos, em defesa. — Você queria que eu impedisse ela? Tentar fazer isso enquanto ela estava decidida a beber tudo? Eu gosto da minha vida, tá bom?
— Hm… — Shayax suspirou, sem vontade de argumentar.
Ele permaneceu parado, segurando Vimirka e observando seu rosto adormecido. Seus olhos brilhavam, cheios de amor e confusão, enquanto encarava a mulher que, apesar de tudo, ele não conseguia deixar de adorar.
⧫⧫⧫
Os dias escorreram como areia entre os dedos, e antes que Bruce pudesse concluir sua conversa com Shayax, o grupo armado de humanos já havia alcançado o centro da Grande Tribo. Shayax, tomado pela busca incansável de seu instrutor desaparecido, passou os últimos dias mergulhado em patrulhas e rastreamentos. Isso resultou em desencontros frequentes entre os dois amigos, mesmo quando Bruce saía para caçar.
Agora, os humanos estavam reunidos no centro da tribo, suas armaduras de ferro reluzentes cintilando sob o sol. Eles conversavam entre si em tons baixos, mas havia aqueles que apenas observavam os homens-lagartos com olhares carregados de desconfiança. Era evidente que aquele tipo de expressão não combinava com a de um aliado.
— São mais brilhantes do que eu imaginei. — comentou Virmirka, postando-se ao lado de Bruce.
— As armaduras? — questionou ele.
— Sim. Nós nunca usamos algo assim. Esses trajes de metal comprometem a mobilidade. Nossos movimentos precisam ser rápidos e fluidos. — Ela cruzou os braços, franzindo o cenho.
Movimentos velozes e ataques sequenciais definiam a essência da técnica de combate dos homens-lagartos. Era o que tornava suas batalhas letais e imprevisíveis.
— Mas um pouco mais de defesa nunca fez mal a ninguém. — ponderou Bruce, deixando escapar um sorriso de canto.
— Pode ser… — Virmirka estreitou os olhos e fitou Bruce com uma intensidade cortante.
— O que foi? — perguntou ele, desconfiado.
— Se você realmente vai mesmo partir, precisa me prometer que vai voltar vivo. — Ela desviou o olhar, ruborizada.
Bruce arqueou uma sobrancelha, segurando uma risada.
— Depois do espetáculo que você deu na frente de todo mundo, agora está com vergonha de mostrar que se importa?
Um impacto repentino explodiu contra sua perna, uma bica precisa de Virmirka que arrancou dele um gemido de dor.
— Ai! — Bruce saltou para trás, massageando a canela.
— Se continuar com essa gracinha, vai levar outro. — advertiu ela.
— Ok, ok…
— Promete? — insistiu.
Bruce hesitou.
— Promete?! — Virmirka repetiu, o tom mais afiado dessa vez.
Ele suspirou profundamente.
— Eu não posso simplesmente prometer algo assim… Nem sei o que nos espera do lado de fora ou que tipo de perigos vamos encontrar. Como posso prometer que voltarei vivo se nem sei para onde estou indo?
Ir para um reino humano era muito mais do que sair para explorar uma parte distante da floresta. Aquela jornada significava deixar para trás tudo o que conhecia, enfrentando o desconhecido em uma terra que poderia ser hostil. Retornar tão cedo parecia inviável. Além disso, Bruce sabia que estava indo para lutar, não para visitar.
Apesar disso, Virmirka não recuou. Seus olhos continuavam fixos nele, carregados com um desafio silencioso. Ela não precisava repetir as palavras. O olhar já gritava o que sua boca havia dito antes: “Promete?!”
Bruce cedeu, derrotado pela pressão silenciosa da irmã.
— Certo… Eu prometo. Prometo que farei tudo o que estiver ao meu alcance — e até o impossível — para voltar vivo. — Ele levantou as mãos em rendição.
Virmirka abriu um sorriso largo, satisfeito, e voltou sua atenção para os humanos, ainda brilhantes como lâminas polidas.
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