Capítulo 56 - A Dúvida de Shayax
Ao longe, Bruce avistou Shayax se aproximando. Ele não estava sozinho. Uma fêmea o acompanhava, uma presença desconhecida para Bruce. Sua curiosidade despertou no mesmo instante.
— Bruce, Virmirka.
— Shayax, finalmente você apareceu. Faz dias que não te vejo. — disse Bruce, com um misto de alívio e surpresa na voz.
— Shayax…
Virmirka começou a falar, mas ao perceber que ao lado de seu macho estava uma fêmea desconhecida, seus instintos se aguçaram. Um sutil rosnado quase escapou de sua garganta, e seu olhar ficou afiado como lâminas.
— Ahhhh… — Bruce murmurou, desconfortável com a tensão crescente. — Quem é essa? Apresente-a para a gente…
— Ah, sim, essa aqui é…
Shayax mal teve tempo de terminar a frase. Foi abruptamente interrompido pela voz cortante da fêmea ao seu lado.
— Eu posso me apresentar sozinha, seu idiota.
— Ah… foi… mal…
A fêmea então virou-se para Bruce e Virmirka, ignorando o olhar fulminante que esta última lhe lançava.
— Me chamo Sssira, da família Skaara.
— Como? Skaara? Esse não é o nome da sua família, Shayax? — perguntou Bruce, franzindo a testa.
— Ah, sim, essa aqui é minha mãe.
— O quê…?
Bruce piscou repetidamente, confuso. A fêmea à sua frente não aparentava idade suficiente para ser mãe de alguém como Shayax. Na verdade, parecia tão jovem que a revelação o deixou momentaneamente sem palavras.
— O que sua mãe está fazendo aqui? — perguntou Virmirka, com um tom de desconfiança evidente.
— Ela estava ajudando nas buscas. Meu pai também está envolvido.
Sssira, que até então mantinha uma postura altiva, finalmente respondeu ao olhar de Virmirka. E o fez com um olhar igualmente penetrante, como se desafiando-a sem precisar de palavras.
— Me encarando com essa cara feia… por acaso tem algo muito interessante no meu rosto? — provocou Sssira.
— Não sei. Talvez essa sua cara feia.
— Se não me engano, é a fêmea que foi dispensada pelo meu filho, não? Realmente acha que tem propriedade para falar de beleza comigo?
— Que isso… — murmurou Shayax, claramente desconcertado.
— Que porra é essa… — murmurou Bruce, tentando entender o rumo que a conversa tomava.
Os dois amigos se encararam, ambos atônitos com a súbita hostilidade entre Virmirka e Sssira. Parecia que as duas estavam prestes a entrar em combate a qualquer momento, sem sequer precisar de mais provocações.
— Shayax, então, você já tomou sua decisão? — perguntou Bruce, numa tentativa mal disfarçada de dissipar a tensão crescente.
— Sim… decidi ficar. — respondeu Shayax, hesitante.
— Entendo… — Bruce murmurou, forçando um sorriso que não alcançou os olhos.
A revelação pesou mais do que Bruce gostaria de admitir. Deixar para trás tudo o que conhecia já era difícil o bastante, mas havia encontrado algum conforto na ideia de ter um amigo próximo ao seu lado. Mesmo assim, ele compreendia e respeitava os motivos do amigo.
— Não, você vai. — A voz cortante de Sssira quebrou o silêncio.
— O quê? — Shayax virou-se, confuso.
— E quem você pensa que é para decidir isso por ele? — Virmirka interveio, seu tom gélido como lâminas afiadas.
— Sou a mãe dele, esqueceu? Ou além de feia e frustrada, você também é burra? — rebateu Sssira, sem hesitação.
E, mais uma vez, as duas fêmeas mergulharam em uma disputa verbal, ignorando completamente a tentativa de Bruce de redirecionar a conversa. Ele suspirou, frustrado.
— Mãe, o que está fazendo? — perguntou Shayax, confuso e visivelmente abalado.
— Você já havia decidido partir antes do desaparecimento do seu instrutor. — O tom dela era inflexível.
— Mas eu preciso saber se ele está bem! — insistiu Shayax, a voz oscilando entre desespero e teimosia.
— Isso está fora do nosso controle, Shayax. Nem você, nem eu, nem ninguém pode mudar isso. E se ele estiver morto? Vai ficar parado para sempre, esperando por algo que pode nunca acontecer?
— Eu… — Shayax abaixou a cabeça, incapaz de encontrar uma resposta.
Foi doloroso para Bruce assistir àquele embate. Por mais que compartilhasse das preocupações de Sssira, achou sua abordagem brusca e cruel. Não havia traço algum de calor materno em suas palavras, apenas determinação fria.
— Se ele deseja ficar, então que fique. Ninguém tem o direito de escolher por ele. — Virmirka declarou, sua postura ereta e seus olhos faiscando.
— E quem é você para se intrometer no futuro do meu filho? — Sssira retrucou, sua voz reverberando como um trovão.
— Sou a esposa dele. — Virmirka avançou um passo, ficando frente a frente com a fêmea mais alta. Ela estufou o peito, desafiadora. — Tenho plena autoridade para decidir ao lado dele.
— Esposa? Não me lembro de ter ouvido falar de um casamento com uma fêmea insignificante como você. — Sssira estreitou os olhos.
— Nossas noites juntos deveriam ser prova suficiente. — Virmirka cravou as palavras como lâminas.
— Dormir com alguém? Qualquer imbecil pode fazer isso, especialmente quando sente pena de uma fêmea desesperada por atenção. Meu filho sempre foi caridoso. — Sssira sorriu, venenosa.
Enquanto as palavras afiadas cortavam o ar entre as duas, Bruce desviou o olhar. Sentiu-se exausto apenas de testemunhar aquele duelo verbal. Foi então que algo mais chamou sua atenção.
Um dos humanos se aproximava, cumprimentando os anciãos. Suas armaduras reluziam sob a luz, mas Bruce percebeu algo ainda mais imponente — a seriedade gravada no rosto de Pendragon. A postura rígida e o tom reservado sugeriam que o assunto em questão era de suma importância.
Sem perder tempo, Pendragon e dois humanos foram conduzidos para dentro da sala de reuniões. Bruce sentiu um calafrio. Alguma coisa estava para acontecer.
— Eu não sei se consigo partir e me concentrar nas minhas responsabilidades sem ter a resposta sobre se meu instrutor está vivo, mãe. — murmurou Shayax, suas palavras bastando para dissipar, ao menos momentaneamente, a tensão feroz entre Virmirka e Sssira, que estavam a um passo de trocarem farpas mais cortantes.
— Você…
— Espere um pouco, querida.
A voz grave e firme de um macho interrompeu Sssira. Ele se aproximou, pousando uma mão grande e calejada sobre o ombro dela. Bruce, ao observá-lo, presumiu imediatamente que se tratava do pai de Shayax — a semelhança entre ambos era inegável. Mesmo na postura confiante e nos traços marcantes, havia ecos claros de uma linhagem compartilhada.
— O que você quer? — disparou Sssira, sem disfarçar a irritação. — Não deveria estar envolvido nas buscas neste momento?
Havia algo de cortante no modo como ela falava com ele. Sssira não suavizava as palavras, cuspia-as como lâminas, afiadas e sem hesitação. Bruce notou como a postura dela contrastava com a do macho, que parecia abordar tudo com uma calma quase desconcertante.
— Meu grupo acabou de retornar. — respondeu ele, sorrindo ligeiramente. — E confesso que senti falta da minha fêmea. Então vim até aqui agraciá-la com minha presença.
— Ora, seu…
Antes que pudesse terminar a frase, ele a envolveu em um abraço firme por trás, prendendo-a com os braços musculosos. Sssira fez uma careta que misturava irritação e surpresa, mas, para espanto de Bruce, não se desvencilhou. Mesmo enquanto olhava para o esposo com um brilho afiado nos olhos, como se estivesse prestes a golpeá-lo, permaneceu imóvel.
— Filho, eu entendo os seus motivos para querer ficar. — começou o macho, mantendo o tom sereno mesmo enquanto segurava Sssira. — Na verdade, não acho que sejam motivos ruins. Você quer saber o que aconteceu com seu instrutor. Isso é compreensível, mas… você precisa ter em mente que cada um de nós tem a própria vida e o próprio caminho.
Bruce piscou, surpreso com aquelas palavras. Os homens-lagartos eram conhecidos por sua cultura voltada ao coletivo. A ideia de individualidade raramente era mencionada, especialmente por alguém mais velho e, possivelmente, veterano de guerra. O que ele acabara de ouvir soava quase revolucionário.
— O seu instrutor tem o caminho dele, assim como você tem o seu. Agora, me responda, como você se sentiu quando sua mãe disse que tinha que partir? — continuou o macho.
— Hm… me senti obrigado a obedecer… — respondeu Shayax, hesitante.
— Bem diferente de quando decidiu, por conta própria, ir para o reino humano, não é?
— Sim… — Shayax baixou o olhar, claramente abalado.
— Então me diga — prosseguiu o macho, a voz firme, mas gentil — qual é a diferença entre uma ordem imposta e aquilo que você está fazendo consigo mesmo agora?
— Como assim…?
Enquanto a conversa prosseguia, Bruce não conseguia tirar os olhos do macho. Sua presença era tão marcante quanto suas palavras. Ele falava com uma calma que transparecia experiência e confiança, e isso o fazia destoar drasticamente dos outros homens-lagartos que Bruce conhecia.
— Você quer ir para o reino dos humanos. Quer deixar esse espaço restrito e conhecer o mundo, não quer, meu filho? — continuou ele.
— S-sim… eu quero… — respondeu Shayax, ainda titubeante.
— Mas, assim como uma ordem pode nos obrigar a seguir um caminho que não escolhemos, seu desejo de encontrar seu instrutor está obscurecendo seu julgamento. Está fazendo com que se esqueça de quem você é e do que realmente deseja. Filho, eu não vou forçá-lo a partir.
Bruce percebeu o olhar cortante de Sssira ao marido. Ela claramente discordava, mas ele não hesitou.
— A decisão precisa ser sua. Pense com calma sobre o que quer para si mesmo. Seja qual for a escolha, eu estarei aqui para apoiá-lo. — concluiu ele, exibindo um sorriso largo e confiante.
Bruce continuou a observá-lo, ainda intrigado. Algo naquele macho parecia diferente — um tipo de força e sabedoria que fugia do padrão esperado. E, ao encarar Shayax, notou que o amigo também parecia afetado, como se aquelas palavras estivessem plantando sementes de dúvida e determinação ao mesmo tempo.
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