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    Ao longe, Bruce avistou Shayax se aproximando. Ele não estava sozinho. Uma fêmea o acompanhava, uma presença desconhecida para Bruce. Sua curiosidade despertou no mesmo instante.

    — Bruce, Virmirka.  

    — Shayax, finalmente você apareceu. Faz dias que não te vejo. — disse Bruce, com um misto de alívio e surpresa na voz.  

    — Shayax…  

    Virmirka começou a falar, mas ao perceber que ao lado de seu macho estava uma fêmea desconhecida, seus instintos se aguçaram. Um sutil rosnado quase escapou de sua garganta, e seu olhar ficou afiado como lâminas.  

    — Ahhhh… — Bruce murmurou, desconfortável com a tensão crescente. — Quem é essa? Apresente-a para a gente…  

    — Ah, sim, essa aqui é…  

    Shayax mal teve tempo de terminar a frase. Foi abruptamente interrompido pela voz cortante da fêmea ao seu lado.  

    — Eu posso me apresentar sozinha, seu idiota.  

    — Ah… foi… mal…  

    A fêmea então virou-se para Bruce e Virmirka, ignorando o olhar fulminante que esta última lhe lançava.  

    — Me chamo Sssira, da família Skaara.  

    — Como? Skaara? Esse não é o nome da sua família, Shayax? — perguntou Bruce, franzindo a testa.  

    — Ah, sim, essa aqui é minha mãe.  

    — O quê…?  

    Bruce piscou repetidamente, confuso. A fêmea à sua frente não aparentava idade suficiente para ser mãe de alguém como Shayax. Na verdade, parecia tão jovem que a revelação o deixou momentaneamente sem palavras.  

    — O que sua mãe está fazendo aqui? — perguntou Virmirka, com um tom de desconfiança evidente.  

    — Ela estava ajudando nas buscas. Meu pai também está envolvido.  

    Sssira, que até então mantinha uma postura altiva, finalmente respondeu ao olhar de Virmirka. E o fez com um olhar igualmente penetrante, como se desafiando-a sem precisar de palavras.  

    — Me encarando com essa cara feia… por acaso tem algo muito interessante no meu rosto? — provocou Sssira.  

    — Não sei. Talvez essa sua cara feia.  

    — Se não me engano, é a fêmea que foi dispensada pelo meu filho, não? Realmente acha que tem propriedade para falar de beleza comigo?  

    — Que isso… — murmurou Shayax, claramente desconcertado.  

    — Que porra é essa… — murmurou Bruce, tentando entender o rumo que a conversa tomava.  

    Os dois amigos se encararam, ambos atônitos com a súbita hostilidade entre Virmirka e Sssira. Parecia que as duas estavam prestes a entrar em combate a qualquer momento, sem sequer precisar de mais provocações.

    — Shayax, então, você já tomou sua decisão? — perguntou Bruce, numa tentativa mal disfarçada de dissipar a tensão crescente.

    — Sim… decidi ficar. — respondeu Shayax, hesitante.

    — Entendo… — Bruce murmurou, forçando um sorriso que não alcançou os olhos.

    A revelação pesou mais do que Bruce gostaria de admitir. Deixar para trás tudo o que conhecia já era difícil o bastante, mas havia encontrado algum conforto na ideia de ter um amigo próximo ao seu lado. Mesmo assim, ele compreendia e respeitava os motivos do amigo.

    — Não, você vai. — A voz cortante de Sssira quebrou o silêncio.

    — O quê? — Shayax virou-se, confuso.

    — E quem você pensa que é para decidir isso por ele? — Virmirka interveio, seu tom gélido como lâminas afiadas.

    — Sou a mãe dele, esqueceu? Ou além de feia e frustrada, você também é burra? — rebateu Sssira, sem hesitação.

    E, mais uma vez, as duas fêmeas mergulharam em uma disputa verbal, ignorando completamente a tentativa de Bruce de redirecionar a conversa. Ele suspirou, frustrado.

    — Mãe, o que está fazendo? — perguntou Shayax, confuso e visivelmente abalado.

    — Você já havia decidido partir antes do desaparecimento do seu instrutor. — O tom dela era inflexível.

    — Mas eu preciso saber se ele está bem! — insistiu Shayax, a voz oscilando entre desespero e teimosia.

    — Isso está fora do nosso controle, Shayax. Nem você, nem eu, nem ninguém pode mudar isso. E se ele estiver morto? Vai ficar parado para sempre, esperando por algo que pode nunca acontecer?

    — Eu… — Shayax abaixou a cabeça, incapaz de encontrar uma resposta.

    Foi doloroso para Bruce assistir àquele embate. Por mais que compartilhasse das preocupações de Sssira, achou sua abordagem brusca e cruel. Não havia traço algum de calor materno em suas palavras, apenas determinação fria.

    — Se ele deseja ficar, então que fique. Ninguém tem o direito de escolher por ele. — Virmirka declarou, sua postura ereta e seus olhos faiscando.

    — E quem é você para se intrometer no futuro do meu filho? — Sssira retrucou, sua voz reverberando como um trovão.

    — Sou a esposa dele. — Virmirka avançou um passo, ficando frente a frente com a fêmea mais alta. Ela estufou o peito, desafiadora. — Tenho plena autoridade para decidir ao lado dele.

    — Esposa? Não me lembro de ter ouvido falar de um casamento com uma fêmea insignificante como você. — Sssira estreitou os olhos.

    — Nossas noites juntos deveriam ser prova suficiente. — Virmirka cravou as palavras como lâminas.

    — Dormir com alguém? Qualquer imbecil pode fazer isso, especialmente quando sente pena de uma fêmea desesperada por atenção. Meu filho sempre foi caridoso. — Sssira sorriu, venenosa.

    Enquanto as palavras afiadas cortavam o ar entre as duas, Bruce desviou o olhar. Sentiu-se exausto apenas de testemunhar aquele duelo verbal. Foi então que algo mais chamou sua atenção. 

    Um dos humanos se aproximava, cumprimentando os anciãos. Suas armaduras reluziam sob a luz, mas Bruce percebeu algo ainda mais imponente — a seriedade gravada no rosto de Pendragon. A postura rígida e o tom reservado sugeriam que o assunto em questão era de suma importância. 

    Sem perder tempo, Pendragon e dois humanos foram conduzidos para dentro da sala de reuniões. Bruce sentiu um calafrio. Alguma coisa estava para acontecer.

    — Eu não sei se consigo partir e me concentrar nas minhas responsabilidades sem ter a resposta sobre se meu instrutor está vivo, mãe. — murmurou Shayax, suas palavras bastando para dissipar, ao menos momentaneamente, a tensão feroz entre Virmirka e Sssira, que estavam a um passo de trocarem farpas mais cortantes.

    — Você…

    — Espere um pouco, querida.

    A voz grave e firme de um macho interrompeu Sssira. Ele se aproximou, pousando uma mão grande e calejada sobre o ombro dela. Bruce, ao observá-lo, presumiu imediatamente que se tratava do pai de Shayax — a semelhança entre ambos era inegável. Mesmo na postura confiante e nos traços marcantes, havia ecos claros de uma linhagem compartilhada.

    — O que você quer? — disparou Sssira, sem disfarçar a irritação. — Não deveria estar envolvido nas buscas neste momento?

    Havia algo de cortante no modo como ela falava com ele. Sssira não suavizava as palavras, cuspia-as como lâminas, afiadas e sem hesitação. Bruce notou como a postura dela contrastava com a do macho, que parecia abordar tudo com uma calma quase desconcertante.

    — Meu grupo acabou de retornar. — respondeu ele, sorrindo ligeiramente. — E confesso que senti falta da minha fêmea. Então vim até aqui agraciá-la com minha presença.

    — Ora, seu…

    Antes que pudesse terminar a frase, ele a envolveu em um abraço firme por trás, prendendo-a com os braços musculosos. Sssira fez uma careta que misturava irritação e surpresa, mas, para espanto de Bruce, não se desvencilhou. Mesmo enquanto olhava para o esposo com um brilho afiado nos olhos, como se estivesse prestes a golpeá-lo, permaneceu imóvel.

    — Filho, eu entendo os seus motivos para querer ficar. — começou o macho, mantendo o tom sereno mesmo enquanto segurava Sssira. — Na verdade, não acho que sejam motivos ruins. Você quer saber o que aconteceu com seu instrutor. Isso é compreensível, mas… você precisa ter em mente que cada um de nós tem a própria vida e o próprio caminho.

    Bruce piscou, surpreso com aquelas palavras. Os homens-lagartos eram conhecidos por sua cultura voltada ao coletivo. A ideia de individualidade raramente era mencionada, especialmente por alguém mais velho e, possivelmente, veterano de guerra. O que ele acabara de ouvir soava quase revolucionário.

    — O seu instrutor tem o caminho dele, assim como você tem o seu. Agora, me responda, como você se sentiu quando sua mãe disse que tinha que partir? — continuou o macho.

    — Hm… me senti obrigado a obedecer… — respondeu Shayax, hesitante.

    — Bem diferente de quando decidiu, por conta própria, ir para o reino humano, não é?

    — Sim… — Shayax baixou o olhar, claramente abalado.

    — Então me diga — prosseguiu o macho, a voz firme, mas gentil — qual é a diferença entre uma ordem imposta e aquilo que você está fazendo consigo mesmo agora?

    — Como assim…?

    Enquanto a conversa prosseguia, Bruce não conseguia tirar os olhos do macho. Sua presença era tão marcante quanto suas palavras. Ele falava com uma calma que transparecia experiência e confiança, e isso o fazia destoar drasticamente dos outros homens-lagartos que Bruce conhecia.

    — Você quer ir para o reino dos humanos. Quer deixar esse espaço restrito e conhecer o mundo, não quer, meu filho? — continuou ele.

    — S-sim… eu quero… — respondeu Shayax, ainda titubeante.

    — Mas, assim como uma ordem pode nos obrigar a seguir um caminho que não escolhemos, seu desejo de encontrar seu instrutor está obscurecendo seu julgamento. Está fazendo com que se esqueça de quem você é e do que realmente deseja. Filho, eu não vou forçá-lo a partir.

    Bruce percebeu o olhar cortante de Sssira ao marido. Ela claramente discordava, mas ele não hesitou.

    — A decisão precisa ser sua. Pense com calma sobre o que quer para si mesmo. Seja qual for a escolha, eu estarei aqui para apoiá-lo. — concluiu ele, exibindo um sorriso largo e confiante.

    Bruce continuou a observá-lo, ainda intrigado. Algo naquele macho parecia diferente — um tipo de força e sabedoria que fugia do padrão esperado. E, ao encarar Shayax, notou que o amigo também parecia afetado, como se aquelas palavras estivessem plantando sementes de dúvida e determinação ao mesmo tempo.

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