Capítulo 66 - Em Direção aos Inimigos
O grupo designado para a missão de última hora avançava pela floresta. As árvores ao redor não eram tão imponentes, e a região, localizada próxima ao território do reino Grão-Vermelho, era conhecida por ser uma área de caça. A presença de monstros poderosos era rara, e ataques de mercenários eram improváveis. Mas improvável não significa impossível.
Cada membro do grupo caminhava em alerta. O perigo podia estar à espreita, mesmo que as chances fossem pequenas. Não havia espaço para distrações.
A formação seguia dividida em pequenas unidades. Na vanguarda, a equipe de combate corpo-a-corpo avançava firme. Espadas, machados e lanças reluziam, prontas para o que estivesse por vir. Atrás deles, no centro, estava o núcleo principal: um grupo misto de humanos e homens-lagartos que protegia os dois líderes da missão. Berco, o comandante, e Bruce, o vice-comandante.
Na retaguarda, os arqueiros fechavam a formação. Suas mãos firmes nos arcos, os olhos atentos, prontos para reagir a qualquer movimento inesperado.
Berco havia decidido posicionar-se no centro. Era o local ideal para garantir que suas ordens chegassem rapidamente tanto à vanguarda quanto à retaguarda. Bruce não contestou. Na verdade, ele concordou de imediato, embora sua concordância fosse mais pela falta de experiência estratégica do que por qualquer outro motivo.
Bruce, no entanto, não era um tolo. Ele sabia de suas limitações e aproveitava a oportunidade para observar e aprender com Berco, absorvendo o máximo possível sobre táticas e logística de batalha.
À frente do grupo principal, dois batedores a cavalo cavalgavam em silêncio. Eram a linha de frente da operação, encarregados de explorar o terreno, buscar informações e, se necessário, atrair os inimigos para longe. Não era intenção que fossem sacrificados, mas Berco sabia que, no pior cenário, suas mortes serviriam como um aviso claro de que uma emboscada ou armadilha os aguardava.
Ainda assim, Berco não acreditava que o inimigo tivesse conhecimento da perseguição. Baseava-se nas informações obtidas até o momento. Mas ele sabia, melhor do que ninguém, que informações podiam mudar.
Se os inimigos haviam deixado espiões para trás, se alguém ainda os observava das sombras, então a Ponto Escuro já teria sido descoberta.
Nada estava certo. Tudo era possível. A única coisa que Berco podia fazer era planejar. E para cada possibilidade, ele tinha uma contra-medida em mente.
A vanguarda avistou duas sombras se aproximando pela trilha. Com um gesto rápido, os soldados pararam, alertas. Quando as figuras emergiram da penumbra, reconheceram os batedores enviados anteriormente. Seus rostos estavam tensos, claramente carregados de informações importantes.
Sem demora, os batedores seguiram até o centro da formação, onde Berco e Bruce os aguardavam.
— Encontramos os inimigos. Estão a algumas horas de distância. Se acelerarmos o passo, podemos alcançá-los — relatou o primeiro batedor, ainda ofegante.
— Estão muito lentos… não estavam montados? — perguntou Berco, a sobrancelha arqueada em desconfiança.
— Não vimos nenhum cavalo com eles, senhor. Pareciam estar completamente a pé — respondeu o segundo batedor, sua expressão séria.
Bruce, curioso, questionou:
— Isso é estranho?
Berco assentiu, cruzando os braços enquanto refletia.
— Grupos mercenários geralmente utilizam cavalos, especialmente fora das muralhas do reino. Andar a pé… isso é raro. A menos que…
Ele interrompeu a própria fala, sua mente conectando peças do quebra-cabeça. Havia uma possibilidade que fazia sentido, mas ainda faltavam provas para confirmar.
— Talvez eles tenham sido contratados para uma tarefa que exige sigilo absoluto — comentou Berco, quebrando o silêncio.
— Faz sentido — murmurou um dos batedores, inclinando-se levemente à frente.
Outro batedor completou:
— Sim. Movimentar-se a cavalo deixa muitas marcas, rastros e pegadas. Além disso, manter cavalos exige mais mantimentos. Um grupo grande, ainda mais montado, chamaria muita atenção.
Berco ponderou, conectando os eventos até então. Sua teoria era clara: os mercenários estavam em uma missão discreta quando foram surpreendidos pela neblina repentina e decidiram se esconder no vilarejo, tomando-o como refúgio temporário.
Era uma ideia plausível, mas ainda precisava de mais confirmações. Apesar disso, o fato de os inimigos estarem a pé lhes dava uma vantagem clara. A Ponto Escuro possuía cavalos suficientes para enviar uma tropa avançada e interceptá-los rapidamente.
— Quantos cavalos temos disponíveis? — Berco perguntou a um dos soldados.
O soldado fez a contagem rapidamente e trouxe a resposta:
— Temos 90 cavalos ao todo, senhor. Dez ficaram com Douglas e seus homens no vilarejo destruído.
Berco fez as contas. Era o suficiente para enviar uma comitiva de 90 homens, mas isso significaria dividir as forças. Havia mais soldados do que cavalos disponíveis, o que tornava impossível que todos avançassem montados.
Ele respirou fundo, avaliando as opções. Uma decisão precisava ser tomada, e ela definiria os próximos passos da missão.
— Diga-me, há como alcançá-los apenas apertando o passo? Sem precisar enviar uma comitiva a cavalo? — perguntou Berco, fixando o olhar no batedor.
O homem pensou por um momento antes de responder:
— Talvez… Esta região tem outros vilarejos, mas duvido que eles sejam idiotas o suficiente para atacar outro logo em seguida. Seria contraproducente.
— Pode ser que estejam indo para o esconderijo deles? — sugeriu um dos soldados ao lado.
Berco considerou a ideia. Era um movimento típico de mercenários. Grupos maiores geralmente construíam bases escondidas fora das muralhas do reino, especialmente os mais famosos, que não podiam circular livremente sem arriscar captura ou execução. Já os grupos menores improvisavam: cavernas, casas isoladas, ou até vilarejos remotos onde se passavam por aldeões. Ainda assim, essa última prática era rara nos dias atuais.
Depois de um instante de reflexão, Berco falou:
— Vamos continuar marchando. Se eles realmente estiverem nos levando à base deles, isso será uma vantagem. Poderemos acabar com eles de uma só vez. Vai demorar mais, mas valerá a pena eliminar um grupo perigoso como esse de forma definitiva.
Os soldados assentiram, atentos.
— Durante o combate, façam o possível para prender quem conseguirem, mas não hesitem em matar se necessário. Precisamos de informações: outros esconderijos, outros grupos de mercenários, ou, com sorte, o nome do contratante.
A ordem foi clara, e todos pareciam compreender a gravidade da situação. Mercenários eram armas nas mãos de quem tinha ouro suficiente para usá-las. No caso, Berco já tinha suas suspeitas de quem teria os meios para contratar um grupo desses: os nobres do reino Grão-Vermelho.
No passado, os nobres quase tomaram o controle do reino, cada casa sustentando exércitos pessoais que rivalizavam com o do rei. Mas os tempos haviam mudado. O monarca, com astúcia, expandiu as forças do reino sem depender das tropas dos senhores feudais, enfraquecendo sua influência militar. Ainda assim, os nobres não desistiram de suas ambições. Em vez de desafiar o trono diretamente, voltaram-se uns contra os outros, disputando terras, recursos e prestígio.
Berco sabia o padrão: sabotagem sutil, ataques indiretos. Um vilarejo destruído ou saqueado enfraquecia o senhor local. Se um nobre não podia proteger suas terras, como poderia ser digno de sua posição?
“Espere… e se o ataque ao vilarejo tivesse sido premeditado?”, Berco pensou de repente. A ideia parecia fazer sentido, mas ele hesitou. “Não… isso não bate com o que sabemos. A névoa é um fenômeno natural. Eles foram forçados a se esconder no vilarejo por acaso.”
Ele balançou a cabeça, afastando a ideia. Agora não era hora para devaneios.
— Continuem a marcha. Apertem o passo. Não vamos deixar esses cães escaparem. — Sua voz era firme, e os soldados responderam prontamente, avançando com determinação renovada.
⧫⧫⧫
Douglas saiu lentamente de uma das casas em ruínas, caminhando pelo vilarejo. Por mais que já estivesse calejado por guerras e batalhas, ele nunca conseguiu se acostumar com a visão de um massacre como aquele. Era sempre a mesma sensação amarga, um lembrete cruel das coisas que ele mesmo havia feito no passado. Ele suspirou profundamente, os rostos das vítimas que causou surgindo em sua mente.
Houve um tempo em que ele e seus homens atacavam aldeias, saqueando e matando para sobreviver. Mas isso mudou. O rei os acolheu, deu-lhes um propósito. Douglas trocou o ciclo de destruição por uma luta para proteger algo maior: o reino que agora chamava de lar.
Ele sabia que muitos ainda o viam como um monstro. E, honestamente, isso não o incomodava. Perdoar não era o mesmo que esquecer. As pessoas não precisavam perdoá-lo, mas ele faria o que pudesse para ajudá-las a seguir em frente.
Parou diante de uma cova recém-fechada, uma das várias que ele e seus homens cavaram. Os mercenários que atacaram o vilarejo sequer se deram ao trabalho de enterrar os mortos. Mas Douglas não julgava. Ele sabia que, anos atrás, teria feito o mesmo.
Enquanto observava o local, viu duas figuras se movendo ao longe, indo em direção à saída do vilarejo. Ele caminhou na direção delas.
— Já vão embora? — perguntou ele, sua voz calma.
— Sim. — Markus respondeu sem muito entusiasmo, mas parou para encarar Douglas. — Espero que vocês consigam resolver as coisas por aqui.
— O mesmo para vocês dois. — Douglas respondeu, olhando primeiro para Markus e depois para a garota ao seu lado. — Pretendem seguir para o reino?
— Não desta vez. Vou para Icca. Tenho um velho amigo lá, talvez ele nos abrigue por alguns dias. Quero pensar no que fazer com esta garota. — Markus lançou um olhar para a neta, Sira, que desviou os olhos.
— Ah, qual é… já pedi desculpas! — Sira murmurou, aborrecida.
— Nem comece. Ontem foi o seu terceiro strike.
Douglas franziu a testa. — Strike?
Markus sorriu, mas sem humor, e explicou. Ele tinha um conjunto de regras — 150, para ser exato — que havia criado ao longo de anos vagando como um nômade. Depois que ficou responsável por Sira, quando os pais dela morreram, decidiu que precisaria impor ordem se quisessem sobreviver.
As regras eram simples, mas rígidas. Se Sira quebrasse uma, ganhava um strike. Três strikes em um mês, e Markus se separaria dela. Era uma linha dura, mas, para ele, necessária.
— Regra número 60: quando eu der uma ordem, obedeça. — Markus lançou um olhar sério para Sira. — Ela desobedeceu ontem à noite, e isso foi o terceiro strike.
Douglas inclinou a cabeça, surpreso.
Markus explicou o que aconteceu. Após a reunião com a Ponto Escuro, ele decidiu que era mais seguro passar a noite no vilarejo e pegar as armas pela manhã. Mas Sira, teimosa como era, tentou sair escondida no meio da noite para recuperar sua katana.
— É um sistema… interessante, eu diria. — Douglas comentou, impressionado, mas sem intenção de adotar algo tão rígido entre seus próprios homens.
— É o que precisa ser. — Markus deu de ombros. Ele então fez uma reverência curta. — Bem, estamos partindo. Obrigado por tudo.
— Não precisa se desculpar. — Douglas retribuiu a reverência. — Se alguém atrasou vocês, fui eu.
Markus apenas assentiu. Ele e Sira seguiram seu caminho, deixando Douglas parado diante das covas. Ele os observou até desaparecerem no horizonte.
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