Capítulo 7 – Negócio Feito
Ele recostou na cadeira, os dedos tamborilando distraidamente na mesa, como se colocar as palavras em ordem fosse um esforço quase tão cansativo quanto os problemas que enfrentava.
— Infra é uma cidade abandonada, esquecida pelo mundo. Para o reino dos elfos, é como se nem existisse. — Ele riu, mas sem humor. — Sabe o que isso significa? Que mesmo se esse buraco desaparecesse amanhã, o impacto seria… zero.
Salazar fez uma pausa, observando Jake como se esperasse ver uma reação que não veio. O elfo permaneceu imóvel, seus olhos fixos, impassíveis.
— Os impostos daqui — continuou Salazar —, mesmo quando pagos, não chegam nem perto do que as outras cidades enviam. Para eles, Infra não vale o esforço. Nem pra consertar, nem pra controlar.
Ele inclinou o corpo para frente, os olhos cansados mas ainda carregados de intensidade.
— E é por isso que fazem vista grossa pra tudo. Assassinatos, roubos, coisas que você acharia que nem poderiam ser toleradas. Aqui, tudo passa batido.
Salazar esfregou as têmporas, a frustração claramente acumulada, como uma ferida que nunca cicatrizava.
— E mesmo assim, sou o homem mais bem-sucedido desse lugar. — Ele soltou uma risada amarga, seus ombros tensos, como se carregassem um peso invisível. — E sabe o que isso me dá? Nada além de problemas. Cada dia é uma nova merda pra lidar.
Ele fez um gesto vago com a mão, indicando o escritório desorganizado ao seu redor, o reflexo perfeito de sua mente desgastada.
— É isso que significa ser o “rei” de Infra. Sentar no trono de um lugar que nem vale o esforço de existir.
— Depois de tudo isso, Jake… me diga de uma vez. O que você realmente quer? — Salazar perguntou, os olhos semicerrados, avaliando cada expressão do elfo à sua frente.
Jake não hesitou. Sua voz saiu firme, carregada com uma calma calculada.
— Quero a sua ajuda para encontrar um homem. Em troca, vou ajudá-lo a se estabelecer em uma das cidades principais do reino dos elfos. Além disso, é claro, pagarei uma quantia generosa pelo seu trabalho.
O cenho de Salazar se franziu, mas ele manteve o silêncio, esperando por mais. E Jake, com a precisão de alguém que sabia exatamente como conduzir uma negociação, continuou:
— Não existe motivo algum para eu querer proteger ou torcer pela prosperidade daquele reino de merda. Pra ser sincero? Por mim, todo aquele lugar pode pegar fogo.
Salazar viu algo no olhar do elfo. Uma raiva crua, quase palpável. Mas não era uma raiva descontrolada. Era algo mais afiado, direcionado — para o reino dos elfos? Para alguém específico? Talvez para ambos.
Jake aproveitou o silêncio para pressionar ainda mais:
— Posso ajudá-lo a expandir seus negócios para além dessa cidade esquecida. Sou herdeiro de uma família nobre no reino dos elfos. — A última palavra foi dita com um desprezo velado, mas sua oferta permanecia tentadora. — Tenho o poder e os recursos para ocultar qualquer vestígio de crime, para garantir que seus negócios se estabeleçam onde quiser. Posso até mesmo facilitar a divulgação de… digamos, atividades menos lícitas.
Por dentro, Salazar estava chocado, mas não deixou transparecer. Seu rosto continuava impassível, embora seus pensamentos fervilhavam. “Esse garoto não está jogando. Ele fez a lição de casa”, pensou. Jake não só entendia o jogo, como também sabia exatamente quais peças mover para colocar Salazar em xeque.
— Um discurso bem ensaiado, garoto — disse Salazar finalmente, sua voz carregada de desdém, mas também de curiosidade.
Jake sorriu levemente, não como alguém tentando convencer, mas como quem já sabia o resultado da conversa.
— Não há impedimentos do meu lado, Salazar. O que você quiser, pode ser discutido. Mas, para isso, preciso que me ajude a encontrar essa pessoa.
Salazar apertou os lábios, seus olhos cravados nos de Jake, buscando qualquer sinal de hesitação. Não encontrou. O garoto estava jogando duro e, pior, estava disposto a colocar tudo na mesa.
— Muito bem, elfo. — Ele se inclinou para frente, seus olhos estreitando com uma pitada de desafio. — Mas me diga… por que eu confiaria em alguém que parece tão ansioso para trair o próprio reino?
Jake sustentou o olhar, impassível, seu sorriso se tornando uma lâmina afiada.
— Porque minha lealdade nunca pertenceu a eles. — A resposta veio como um golpe, direta, desprovida de hesitação. — E porque, Salazar, no momento, nossos interesses se alinham perfeitamente.
Salazar não respondeu de imediato. Ele estava testando Jake, sim, mas algo lhe dizia que o verdadeiro teste ainda estava por vir.
— E como, exatamente, você pretende impedir que as informações vazem? — Salazar questionou, cruzando os braços enquanto analisava Jake com um olhar cético. — Não é como se fosse fácil esconder jogos de azar em uma cidade principal do reino dos elfos. Mais cedo ou mais tarde, algo iria escapar.
Jake ergueu uma sobrancelha, o mesmo sorriso afiado de antes aparecendo em seus lábios.
— Nobres manchados serão os clientes.
— Nobres manchados? — Salazar repetiu, confuso, inclinando-se levemente à frente.
— Nobres que acumulam uma longa lista de crimes escondidos. — A explicação de Jake veio com um tom quase casual, como se estivesse apenas descrevendo o clima. — Assassinatos, traições, pecados que deixariam até você surpreso, Salazar. Eles ocultam suas sujeiras com ajuda de outros nobres, tecendo uma rede de segredos e favores que mantém tudo bem enterrado.
Salazar piscou lentamente, tentando processar aquilo.
— E ninguém descobre?
— Não, porque isso é parte do jogo. Existe uma divisão territorial que os nobres criaram entre si, uma espécie de pacto não verbalizado, mas amplamente compreendido. — Jake continuou, a voz firme e clara. — Somente a família real e os nobres que participam desse conluio sabem de tudo. Eles se protegem mutuamente porque, no fim das contas, uma queda pode arrastar todos os outros juntos.
— Mas que porra… — Salazar murmurou, surpreso.
A revelação sacudiu suas crenças sobre as cidades principais do reino. Por mais que já tivesse imaginado que crime existia em qualquer lugar, a profundidade daquela corrupção era chocante. Salazar sabia que mesmo em lugares considerados “perfeitos”, desejos sombrios encontravam formas de prosperar.
Mas ele nunca pensara que a podridão estivesse tão profundamente entranhada nos alicerces do poder.
— Então você vai usar os próprios pecados dos nobres para manter tudo em segredo.
— Exatamente. — Jake sorriu, o olhar carregado de confiança. — O que um criminoso teme mais do que a justiça? Que seus aliados descubram suas fraquezas.
Salazar riu baixo, balançando a cabeça. Era uma lógica perversa, mas funcionava. E Jake, ele percebeu, sabia muito bem o jogo que estava jogando.
— Então, se sabe de tudo isso, significa que faz parte desse conluio? Ou seus pais faziam parte? — Salazar questionou, franzindo o cenho enquanto tentava montar o quebra-cabeça.
Jake balançou a cabeça lentamente, o semblante sério.
— Não. Meus pais nunca fizeram parte desse grupo. — Sua voz era firme, mas carregava um peso evidente. — Eles eram pessoas boas. Nobres que se recusavam a sujar as mãos com esse tipo de podridão. Mas, depois que foram assassinados, eu precisei me afundar nessas águas turvas.
Havia uma raiva controlada em sua fala, um fervor perigoso que Salazar reconhecia de imediato. Jake continuou:
— Eu queria encontrar quem tirou a vida deles. E, para isso, mergulhei de cabeça no lado mais sujo do reino. Um lugar onde malícia e crimes se entrelaçam, uma rede invisível que se estende por toda parte. Com a ajuda de alguns amigos nobres dos meus pais, consegui descobrir segredos. Fiz o resto sozinho.
Ele se inclinou um pouco para a frente, com um brilho predatório nos olhos.
— Tenho uma lista. Mais de vinte nomes. Nobres com os dedos cheios de sangue e a consciência enterrada em ouro. Eles serão nossos clientes. Vou usar os crimes deles como garantia de silêncio. Tenho provas o suficiente para derrubá-los, se for necessário.
Salazar ficou em silêncio, analisando cada palavra. Era um plano meticuloso, cruelmente eficaz. Se algum desses nobres resolvesse abrir a boca, Jake os arrastaria com ele para o fundo.
Mas enquanto pensava mais profundamente, Salazar percebeu o verdadeiro alcance daquele esquema. Isso era mais do que apenas chantagem. Era um golpe direto no coração do reino. Ele estreitou os olhos.
— Se você fizer isso, vai estar atacando o próprio sistema. — murmurou, mais para si mesmo do que para Jake.
Jake deu de ombros, o olhar afiado como lâmina.
— O sistema já está podre.
Salazar sabia que ele estava certo. Ainda assim, havia algo muito maior em jogo. Não era difícil imaginar que a família real estivesse ciente dos crimes cometidos pelos nobres. Intervir significaria desestabilizar a base de poder que mantinha o reino em pé. Cada dedo apontado para um nobre culpado puxaria outro, e mais outro, até que toda a estrutura ruísse.
E se isso chegasse ao povo? Se eles descobrissem o quão fundo a corrupção estava entranhada em suas cidades ditas perfeitas?
Uma guerra civil parecia inevitável.
Puta que pariu…
Salazar esfregou a testa, sentindo um leve calafrio.
O garoto estava disposto a jogar o reino inteiro no caos por causa de uma única coisa: vingança.
Por um instante, só um instante, Salazar enxergou algo familiar em Jake. Não o garoto nobre que falava com arrogância e autoconfiança. Mas alguém como ele.
Duas raças diferentes.
Mas duas pessoas que fariam qualquer coisa para alcançar seus objetivos.
⧫⧫⧫
Jack saiu da sala sem dizer mais nada, deixando Salazar sozinho, imerso em pensamentos. Por mais alguns minutos, ele permaneceu ali, refletindo sobre os planos discutidos.
Tudo havia sido acordado: Jake iria começar a plantar as sementes de seus negócios na cidade natal e, em troca, Salazar ajudaria a encontrar a pessoa que o garoto buscava. A troca parecia simples, mas o peso da situação estava longe de ser leve.
Quando Jack revelou o nome de quem procurava, Salazar quase não acreditou. Tiko. Um elfo negro. O assassino dos pais de Jack e, surpreendentemente, seu irmão adotivo.
Salazar ficou em silêncio por um momento, tentando absorver a história. O relato do garoto era insano, até um pouco surreal. Mas, ao mesmo tempo, ele sabia que Jack não parecia o tipo de pessoa que contaria algo tão extraordinário sem ser verdade.
A história era tão chocante que deixou Salazar boquiaberto, mesmo que ele se forçasse a manter a compostura.
Tiko, o elfo negro, não era um simples criminoso. Ele era uma sombra do passado de Jack, uma parte fundamental de sua tragédia.
Os pais de Jack haviam encontrado Tiko, um bebê abandonado à beira de um rio durante uma viagem. O que parecia ser um ato de compaixão virou o começo de algo monstruoso. Eles o adotaram, o criaram como se fosse seu, e Tiko cresceu junto a Jack, mas algo naquele garoto estava quebrado, corrompido de dentro para fora.
Salazar pensava sobre isso enquanto se lembrava do que Jack lhe disse. Os dois, Jack e Tiko, cresceram juntos, mas nunca se tornaram exatamente amigos. No fim, a relação deles culminou em um ato de horror. Tiko assassinou seus pais adotivos.
Jack chegou em casa e encontrou a cena macabra: o sangue espalhado pelo chão, os corpos de seus pais caídos, e Tiko em pé, coberto pelo sangue, olhando o irmão.
Naquele momento, Tiko escapou. E, desde então, ele havia se tornado um fugitivo procurado em todo o reino dos elfos. Mesmo com todos os recursos de Jack, sua busca por Tiko nunca teve sucesso. O irmão adotivo parecia ter desaparecido da face do reino.
Foi então que Jack teve a ideia: a cidade dos elfos negros. Um lugar perfeito para um criminoso se esconder, longe das leis e das perseguições.
Salazar ficou refletindo sobre isso, imerso em pensamentos sombrios. A cidade dos elfos, um local onde a lei era mais uma formalidade do que uma realidade, parecia o refúgio ideal para um homem como Tiko.
E se ele tivesse a sorte de se esconder ali… Isso era o tipo de desperdício de potencial que Salazar não conseguia compreender.
Que porra… Salazar pensou, sentindo um peso no peito.
Para um elfo negro, nascer em Infra já era quase uma sentença. Com as regras impostas pelos humanos, que restringem os elfos a viverem dentro do território do reino dos elfos, os elfos negros estavam limitados a um único espaço.
E, embora não fosse proibido para eles viver nas cidades dos elfos, o custo da vida era tão alto que era praticamente impossível para qualquer um sobreviver ali.
Era um destino cruel. E ainda mais cruel para Tiko, um elfo negro que jogaria tudo fora por causa de sua própria loucura.
Como alguém que nasceu na lama poderia sequer sonhar em viver nos lugares onde apenas os ricos e poderosos habitavam? Para um elfo negro, alcançar esses altos níveis de vida era impossível.
Não bastava ser forte ou inteligente, era preciso ter dinheiro, e isso era algo que eles, condenados ao seu destino em Infra, não tinham.
E o preconceito, ah, esse estava sempre presente. Eles, considerados uma raça inferior pelos outros elfos, eram forçados a viver nas favelas que chamavam de cidade.
Isso fazia Salazar se irritar profundamente. A história de Jack, de Tiko, o elfo negro que matara sua família adotiva, só reforçava sua raiva. Ele tinha tudo: uma oportunidade, uma vida boa pela frente, mas ao jogar tudo para o alto, ele se perdeu em sua própria escuridão.
Tanta sorte desperdiçada… Salazar pensava, irritado. Que porra…
Ele resmungou baixinho, tentando se acalmar. Estava sozinho em sua sala e tinha tempo para refletir, mas a situação ainda o incomodava. Sua mente não parava de voltar àquela história.
Como alguém como Tiko poderia ter se arriscado tanto, jogando fora uma vida tão valiosa? A raiva se misturava à tristeza, mas ele se forçou a afastar esses pensamentos.
Foi então que a porta se abriu, interrompendo seus devaneios.
— Chien, como foi o trabalho? — Salazar perguntou de forma casual, tentando voltar ao foco das coisas mais urgentes.
Chien, o elfo negro que entrou e fechou a porta atrás de si, exalava uma mistura de sangue e suor. Era evidente que o trabalho havia sido bem-feito. Chien era o braço direito de Salazar, o homem a quem ele recorria para resolver os assuntos mais sujos, os negócios que precisavam ser feitos em Infra.
— Nada muito gratificante — respondeu Chien com a calma de quem estava acostumado com a situação. — Depois que espanquei a mulher do cara na frente dele e arranquei alguns dentes da boca dela, ele começou a se desculpar como um bebê. Não acho que ele vai repetir a falta do pagamento no próximo mês, Salazar.
— Certo, ainda bem — respondeu Salazar, já voltando à questão que o consumia. — Vou precisar de você para um novo trabalho… na verdade, dois. Quero que contrate uma pessoa para mim.
— Contratar? Aconteceu alguma coisa? — Chien perguntou, demonstrando uma leve curiosidade.
— Bem… senta que lá vem história. — Salazar acenou, convidando-o a se sentar.
Chien se acomodou, e Salazar, sem se alongar demais, fez um resumo de tudo o que acontecera mais cedo. Não entrou em muitos detalhes, mas deixou claro o suficiente para que Chien entendesse a situação.
— Pelo que você disse, quer que eu encontre esse cara chamado Tiko? — Chien perguntou, alinhando a informação.
— Mais ou menos, — Salazar corrigiu, balançando a cabeça. — Quero que investigue a cidade. Procure por qualquer cara novo que tenha aparecido do nada em algum canto. Se ele é procurado, obviamente não vai usar o próprio nome por aqui. Tenho uma ideia de como ele se parece, então vou te passar algumas características. Você vai procurar do seu jeito.
Chien assentiu, entendendo o que era preciso fazer. Salazar, por sua vez, se recostou na cadeira, já imaginando as possibilidades e o caminho a seguir. Sabia que se Tiko estivesse ali, ele não duraria muito tempo. E ele faria questão de que não durasse.
— Certo, certo. Vou passar a mensagem para alguns dos meus homens e também para alguns contatos que tenho por aqui. Seja quem for esse cara, se ele estiver por aqui, vamos encontrá-lo.
Salazar assentiu, mas não era só isso que queria pedir a Chien.
— Também preciso de algo mais. Além de vasculharmos a cidade, vamos fazer uma vistoria nas cidades dos elfos, do lado de fora.
— O quê? Sério? — Chien levantou uma sobrancelha, surpreso.
— Sim, temos que fazer isso. O lance é que eu não quero que nenhum dos meus homens fique perambulando por aí, então vamos contratar o Denzel.
Denzel, o assassino das sombras. Um elfo negro, mestre em assassinatos, furtividade e coleta de informações. Era dito que ele aparecia nos piores momentos para eliminar alguém, um dos únicos elfos negros com acesso aos elfos de fora, porque ele matava tanto elfos negros quanto elfos por uma boa quantia.
— Vamos contratar um assassino para rastrear o cara? — Chien questionou, um pouco cético.
— Jack me disse que usou todos os meios para encontrar Tiko, mas duvido muito que realmente tenha feito isso. Ao contrário de nós, que já estamos imersos nesse mundo sujo, Jack entrou agora, ele ainda vê as coisas de uma maneira diferente, por mais inteligente que seja.
Isso fazia sentido. Desde que Jack entrou nesse mundo, ele era como um novato, mal começando a entender as regras.
— Denzel vai com Jack até a cidade dos elfos e vai procurar o alvo por lá. Assim, podemos procurar em duas frentes ao mesmo tempo. Além disso…
Salazar fez uma pausa, e Chien completou:
— Vamos contratar o Denzel para ficar de olho no elfo chamado Jack, certo?
— Exatamente. Por mais que eu tenha gostado do garoto, não é como se eu confiasse totalmente nele. É bom ter alguém vigiando o Jack, só por precaução.
— Faz sentido. Tudo bem, vou atrás de Denzel ainda hoje.
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