Capítulo 71 - Introdução a Manipulação de Gama
O sol ainda mal despontava no horizonte quando o grupo se colocou em marcha. O brilho dourado da manhã parecia promissor, e a calmaria do céu claro trazia um otimismo que poucos ousavam verbalizar. Eles estavam descansados, prontos para enfrentar os desafios do caminho, mas o silêncio da jornada, interrompido apenas pelo rangido ocasional das rodas da carroça que levava os prisioneiros, era carregado de uma tensão sutil.
Bruce caminhava na linha de frente, o semblante sereno, mas alerta. Ele sempre preferiu estar à frente, observando o horizonte. Não que esperasse um ataque repentino – o trajeto até o reino de Grão-Vermelho parecia seguro –, mas anos de sobrevivência nas florestas ensinaram que confiar demais na paz aparente era um erro fatal.
Alguns dias haviam passado desde a partida, e a paisagem ao redor começava a mudar. Bruce, imerso em seus pensamentos, quase não percebeu a aproximação de um dos homens-lagartos.
— Bruce. — A voz era cautelosa, quase hesitante.
Bruce virou-se lentamente, mantendo a expressão tranquila. Não queria intimidar o jovem guerreiro que agora o acompanhava, embora a timidez no tom já indicasse que ele estava nervoso.
— Você é…? — perguntou Bruce, arqueando uma sobrancelha inquisitiva.
— Kinkinruam. É um prazer conhecê-lo. — Ele fez uma reverência desajeitada, tropeçando levemente em suas palavras enquanto caminhava ao lado de Bruce.
Bruce assentiu, estudando o jovem. Kinkinruam não era um rosto familiar para ele, o que não era exatamente uma surpresa. A tribo dos homens-lagartos não era grande, mas ainda assim, era impossível conhecer todos pessoalmente.
— Precisa de algo, Kinkinruam? — Bruce perguntou, voltando os olhos para a estrada à frente.
— Na verdade, sim. — Kinkinruam hesitou por um momento, como se ponderasse se deveria prosseguir. — Eu gostaria de saber… o que posso fazer para me destacar?
A pergunta pegou Bruce desprevenido, e ele ergueu uma sobrancelha, intrigado.
— Destacar-se?
Kinkinruam apressou-se a explicar:
— Tenho observado você e Shayax desde que partimos. Durante aquela busca na floresta, quando procurávamos pelos humanos que poderiam ter escapado, eu estava no grupo de Shayax. Ele mudou completamente quando soube que você estava enfrentando aqueles mercenários. Assumiu o comando, organizou uma emboscada… foi impressionante.
Bruce lembrou-se da ocasião. Soubera mais tarde que Shayax liderara o grupo na floresta, guiando os outros homens-lagartos com precisão e eficiência, mesmo sem habilidades de combate excepcionais. A verdade é que Shayax tinha um dom natural para liderança sob pressão, algo que Bruce admirava profundamente. Ele próprio era mais direto, instintivo. Planejar com antecedência ou tomar decisões rápidas fora de combate não era exatamente seu forte.
Kinkinruam continuou, a voz carregada de uma mistura de admiração e insegurança:
— Vocês dois são diferentes dos outros. Ambos se destacaram entre os homens-lagartos. Eu quero ser como vocês. Quero poder voltar para casa com orgulho, contar aos meus pais e irmãos sobre meus feitos. Mas… eu não sou tão forte.
Havia uma vulnerabilidade crua nas palavras de Kinkinruam. Bruce percebeu o brilho ansioso em seus olhos, o peso do medo que ele tentava esconder. Entre os homens-lagartos, Kinkinruam era considerado um guerreiro mediano.
— Entendo. Por isso veio até mim. — Bruce fez uma pausa, procurando as palavras certas. — Mas eu não sei se posso te dar o que procura. Não sou alguém que planeja muito. Apenas sigo o que sei fazer. Shayax é quem tem o talento para liderar em momentos de crise.
Kinkinruam assentiu, desapontado, mas não surpreso.
— Faz sentido… deve ser difícil pensar em algo assim de imediato.
Bruce ponderou por um momento antes de responder:
— Vou pensar nisso. Se eu tiver alguma ideia nos próximos dias, falarei com você. Pode ser?
Os olhos de Kikiruam se iluminaram.
— Sério? Muito obrigado, Bruce!
Bruce esboçou um sorriso discreto.
— Não se preocupe. Estamos todos buscando o mesmo objetivo: a prosperidade da nossa tribo. Se não pudermos nos ajudar, não seremos nada.
Essas palavras, simples mas poderosas, carregavam o espírito coletivo que permitira à tribo dos homens-lagartos sobreviver até agora. Em um mundo cheio de criaturas mágicas, poderosas e hostis, eles haviam resistido porque nunca abandonavam uns aos outros. Bruce sabia que esse senso de unidade era a chave para o futuro da tribo.
Enquanto caminhavam, ele se perguntou que tipo de conselho poderia realmente oferecer a Kinkinruam. O jovem merecia uma resposta – e talvez, com o tempo, Bruce a encontrasse.
Depois da breve troca de palavras com Kinkinruam, Bruce se aproximou lentamente de seu amigo Shayax, que andava perto de Ibri e Afrem.
— Shayax, podemos conversar? — perguntou Bruce.
— Ah, claro. — ele respondeu prontamente e se virou para os outros dois que o acompanhavam. — Depois nos falamos.
Se despediram e então Bruce levou Shayax para outro canto enquanto continuavam caminhando.
— Durante esses dias que estamos viajando, Douglas me deu isso aqui. — Bruce disse, e puxou um livro marrom.
— Oh… sobre o que é esse livro?
— Ele é um livro introdutorio sobre manipulação de Gama e seus conceitos basicos.
— Gama? — perguntou Shayax não entendendo o que era aquela palavra.
Bruce levou alguns minutos para explicar o que era Gama pelo seu ponto de vista e o que ele viu até agora o que essa energia poderia fazer. Quando terminou a explicação, pode ver um sorriso e um olhar de expectativa no rosto de Shayax.
— Ohhhh! Isso é muito incrível!
— Sim. E ele pretende ensinar para todos, mas só quando chegarmos no reino Grão-Vermelho. Mas como insisti que me contasse ao menos sobre, ele me emprestou esse livro e me disse para ler, eu não esperava que fosse um livro que contava sobre como funciona a base sobre a manipulação dessa energia misteriosa.
Depois de pegar o livro emprestado, Bruce começou a ler ele rapidamente quase como se estivesse o devorando. Mas por não ter muito conhecimento sobre algumas palavras, tinha coisas que mesmo que quisesse muito, ele não entenderia o significado.
— O que aprendeu até agora? — perguntou Shayax.
— Bom…
Bruce abriu o livro e começou a pontuar algumas partes dele que achou importante.
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O Núcleo de Gama é o coração da capacidade mágica de um indivíduo. Localizado no centro do ser, ele é responsável por armazenar, processar e liberar a energia que permite a manipulação dos elementos e o uso de técnicas.
Classificação por Cores e Estágios:
O Núcleo de Gama é classificado em seis cores, cada uma representando um estágio de evolução. Essas cores são:
1. Preto: O estágio inicial, onde a Gama é bruta e pouco refinada.
2. Vermelho: Um estágio intermediário, onde a Gama começa a se estabilizar.
3. Laranja: Um estágio avançado, com maior controle e eficiência.
4. Amarelo: Um estágio superior, onde a Gama é altamente refinada.
5. Prata: Um estágio próximo ao ápice, com poder e precisão excepcionais.
6. Branco: O estágio final, onde a Gama atinge sua forma mais pura e poderosa.
Cada cor é subdividida em três estágios distintos: escuro, sólido e claro. O estágio escuro representa o início da evolução dentro de uma cor, o sólido indica domínio intermediário, e o claro simboliza o ápice daquela cor antes da transição para o próximo nível. A exceção é o Núcleo Branco, que não possui estágios e representa a perfeição absoluta.
Evolução do Núcleo:
A evolução do Núcleo de Gama depende de treinamento constante e do uso diário da energia. Indivíduos talentosos podem evoluir mais rapidamente, enquanto alguns já nascem com núcleos em estágios mais elevados. À medida que o núcleo evolui, todas as técnicas e feitiços baseados na Gama são aprimorados consideravelmente.
Afinidade Elemental:
A afinidade elemental é um dom natural que permite a certos indivíduos manipular os elementos da natureza. Entre os elfos, cerca de 90% nascem com essa capacidade e 70% para elfos negros, sendo os elementos mais comuns o ar, a água, a terra e o fogo. Humanos seria entre 50%, sendo os mais comuns, ar, fogo, eletricidade, gelo, gravidade e terra. Essa conexão é determinada por fatores genéticos, e sua expressão varia amplamente de acordo com o talento e o treinamento de cada indivíduo.
A afinidade elemental se manifesta como uma habilidade inata de controlar e moldar um elemento específico. Por exemplo, um elfo com afinidade pelo ar pode criar rajadas de vento ou suavizar sua queda ao saltar de grandes alturas. A utilidade da afinidade depende da criatividade e do domínio do usuário. Alguns elfos usam suas habilidades para fins práticos, como construir estruturas de terra ou purificar água, enquanto outros as empregam em combate, criando técnicas devastadoras. Nem todos são igualmente talentosos.
Feitiços e Técnicas:
A manipulação da Gama se divide em duas categorias principais: técnicas e feitiços. Ambas são poderosas, mas diferem em sua natureza e aplicação.
Feitiços são habilidades que combinam a manipulação da Gama com uma afinidade elemental. Eles permitem ao usuário controlar e moldar os elementos da natureza, como fogo, água, terra e ar. Feitiços podem ser conjurados rapidamente, dependendo do estágio do Núcleo de Gama, que aumenta o poder, precisão e velocidade à medida que o núcleo evolui.
Técnicas são habilidades que combinam a manipulação da Gama com o conhecimento do próprio corpo e melhorias genéticas. Elas alteram a fisiologia do usuário de maneira sobrenatural, amplificando habilidades como força, velocidade entre outros. Não dependem de afinidades elementais. Exigem um profundo entendimento do próprio corpo e da Gama. Podem ser usadas para fins curativos, ofensivos ou defensivos.
As técnicas de Gama são classificadas em quatro níveis de dificuldade, cada um exigindo um maior domínio da energia:
1. Comum: Técnicas básicas, como o Fluxo inicial.
2. Avançado: Técnicas que exigem maior controle e precisão.
3. Superior: Técnicas complexas que combinam múltiplas habilidades, como a Aceleração Curativa.
4. Divino: Técnicas lendárias, acessíveis apenas para aqueles com Núcleos de Gama no estágio Prata ou superior, por causa do grande custo de Gama e dificuldade de realizar.
Fluxo
O Fluxo é uma técnica comum que permite ao usuário amplificar sua força, velocidade e resistência através da manipulação da Gama. Diferente das afinidades elementais, que são restritas a certos indivíduos, o Fluxo pode ser aprendido por qualquer um que domine o controle da energia.
Ao ativar o Fluxo, o usuário canaliza a Gama para aumentar suas capacidades físicas. Isso resulta em um aumento significativo de velocidade, força e reflexos, tornando-o uma ameaça formidável em combate. O uso do Fluxo consome uma grande quantidade de Gama, e o excesso pode levar à exaustão.
Além disso, há um limite para o número de vezes que a técnica pode ser ativada em um curto período, variando de acordo com a resistência e o treinamento do usuário. Em batalha, o Fluxo é uma arma poderosa, mas seu uso deve ser calculado.
Usuários experientes, devem saber quando e como ativá-lo para maximizar seu impacto sem comprometer sua energia. À medida que o Núcleo de Gama evolui, os efeitos do Fluxo se tornam ainda mais poderosos. Um usuário com um Núcleo Amarelo Claro, por exemplo, pode atingir velocidades e forças que parecem sobre-humanas, enquanto um usuário com um Núcleo Prata pode manter o Fluxo ativo por períodos prolongados sem se cansar.
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Bruce ajustou a postura, os braços cruzados, enquanto observava Shayax. O homem-lagarto mais jovem tinha uma expressão de intensa concentração, a cauda movendo-se levemente em reflexo ao seu estado pensativo.
— Então, agora tudo faz sentido — começou Shayax, os olhos semicerrados enquanto mastigava a ideia. — Aquela velocidade insana que o Douglas demonstrou no combate contra você… é graças ao tal fluxo, certo?
Bruce assentiu lentamente.
— Sim, isso mesmo. Na verdade, parece que a maioria dos humanos consegue usar o fluxo. É algo básico para eles, quase como respirar. Inclusive, aqueles dois mercenários que capturamos também sabiam utilizá-lo.
Shayax ergueu uma sobrancelha, as garras de sua mão esquerda tamborilando no cabo de sua espada.
— Como você enfrentou os dois ao mesmo tempo, então? Espera… acho que entendi. Pela explicação, esse tal núcleo é o que define o quão eficiente é o fluxo de uma pessoa, certo?
— Exato. — Bruce respondeu, os olhos fixos na estrada. — Mas não é só isso. Se o que entendi estiver correto, esse núcleo não apenas controla a qualidade do fluxo, mas é o alicerce de toda a manipulação de Gama.
Shayax franziu o cenho, intrigado.
— Isso faz sentido. Então, podemos assumir que o núcleo do Douglas é significativamente superior ao dos mercenários. Afinal, isso explicaria porque você conseguiu lidar com eles, mas não teve chance contra ele.
Bruce fez uma careta instintiva. Embora as palavras de Shayax fossem verdades indiscutíveis, ouvi-las em voz alta era como um golpe em sua honra. Ele respirou fundo, afastando o incômodo, e manteve o foco na conversa.
— Há algo que não consigo tirar da cabeça, Shayax.
— O que seria? — Shayax inclinou-se ligeiramente para frente, a curiosidade brilhando em seus olhos.
— Mesmo sem usar o fluxo, eu consegui igualar minha velocidade à deles. Isso significa que o poder do fluxo só aumenta o que a pessoa já tem como base.
— Claro. Humanos são naturalmente mais fracos e menos ágeis do que nós. O fluxo, para eles, é um meio de alcançar ou até superar nossa força física.
Bruce inclinou a cabeça, o olhar sério fixo em Shayax.
— Isso mesmo. Agora pense comigo: se sem usar fluxo eu já consegui lutar de igual para igual com aqueles mercenários, quão forte podemos nos tornar ao aprender a dominá-lo?
Por um momento, o silêncio pairou entre os dois.
Então, como se a ideia o atingisse como um raio, os olhos de Shayax se arregalaram, e sua cauda chicoteou o chão.
— Entendi onde você quer chegar! — exclamou ele, um sorriso desabrochando em seu rosto. — Agora tudo faz sentido! Os humanos querem que trabalhemos para eles porque veem em nós um potencial ilimitado.
— Exatamente. Eles estão dispostos a nos treinar, a nos transformar em armas poderosas para servirem ao seu reino. Mas nós precisamos pensar além disso, Shayax. Devemos encontrar uma maneira de usar esse conhecimento em benefício da nossa tribo.
Shayax acenou com a cabeça, mas sua expressão ficou séria novamente. Ele cruzou os braços, contemplativo.
— Essa é a questão, Bruce. Podemos aprender com eles, mas como garantir que não nos tornemos dependentes?
Bruce deixou escapar um sorriso de canto, uma mistura de orgulho e determinação em seu rosto.
— Esse é o verdadeiro desafio. Mas, como homens-lagartos, nossa força sempre esteve na sobrevivência coletiva. Se usarmos esse poder para reforçar nossos laços e proteger nossa tribo, poderemos superar qualquer obstáculo.
Os dois continuaram discutindo longamente, seus planos misturando pragmatismo e ambição. A conversa não era apenas uma troca de ideias, mas uma declaração silenciosa de compromisso.
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