Capítulo 77 - Uma Rápida Despedida
— Hm… — murmurou ela, franzindo a testa.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, o homem puxou o livro com firmeza, como se a presença dela fosse irrelevante. Sem proferir uma única palavra, ele virou-se e começou a se afastar com o livro em mãos.
Sira ficou boquiaberta. Ele havia simplesmente ignorado sua presença, levando o livro que claramente ela tentava alcançar primeiro.
— Mas que… — começou a murmurar, mas sua voz morreu em um misto de indignação e descrença.
Ela ficou parada por um momento, os punhos cerrados e a frustração fervendo. Aquilo não estava certo. Não era apenas pelo livro, mas pelo gesto rude e indiferente do homem mascarado.
Quem ele pensa que é?
Pensou, enquanto seus olhos o seguiam pelas fileiras da biblioteca.
Sira não conseguiu ignorar a afronta. Determinada, seguiu o homem enquanto ele caminhava calmamente, como se o mundo ao seu redor simplesmente não existisse. Ele se dirigiu até uma ampla mesa de madeira próxima a uma das janelas da biblioteca, onde a luz do sol pintava desenhos suaves sobre o mobiliário antigo. Lá, ele colocou os livros que carregava e, sem pressa, sentou-se.
Ela parou a uma distância prudente, observando-o organizar os volumes. Entre eles, Sira identificou rapidamente A Arte do Combate, enterrado sob uma pilha de outros títulos. Seus olhos estreitaram, a indignação queimando em seu peito.
O homem parecia alheio à sua presença. Com movimentos metódicos, abriu um dos livros e começou a ler. De onde estava, Sira conseguiu vislumbrar os títulos. História Antiga, Manipulação de Gama, Combate Corporal Avançado—um conjunto diversificado de obras, que sugeriam mais um erudito em busca de conhecimento amplo do que um guerreiro.
Aquilo só a irritou mais. Ele não queria o livro por necessidade; era apenas mais um dentre muitos.
Ela marchou em passos pesados até ele, parando de frente para a mesa. A madeira rangeu sob o peso de suas mãos quando ela se inclinou para encará-lo. Ainda assim, o homem sequer levantou o olhar.
— O que você quer? — perguntou ele, sem desviar a atenção do livro que lia. Sua voz era fria, impessoal, como se ela fosse pouco mais que um incômodo passageiro.
— Hã? Tá de sacanagem comigo? — Sira explodiu, apontando diretamente para o livro que estava debaixo dos outros. — Você sabe muito bem que eu peguei este aqui primeiro!
Finalmente, ele ergueu o olhar, fixando os olhos dela com uma tranquilidade irritante. Havia algo em seu semblante, meio escondido pela máscara, que exalava uma confiança inabalável.
— Da minha perspectiva, eu peguei primeiro — respondeu ele, sua voz soando quase casual.
— Como é que é? Isso por acaso existe? — rebateu Sira, incrédula, o tom de sua voz subindo ligeiramente.
— Claro que existe. — Ele fechou o livro que estava lendo e, por um breve instante, encarou-a diretamente. — Para mim, existe.
A audácia dele fez seu sangue ferver. Sira estalou os dentes, as mãos cerradas ao lado do corpo. A ideia de ser menosprezada—e dentro de um lugar onde trabalhava—era intolerável.
Mesmo sem o uniforme, o broche em sua roupa deixava claro que ela fazia parte da equipe da biblioteca. Será que ele está me tratando assim por achar que sou só uma simples funcionária?
Antes que pudesse formular outra resposta afiada, ele voltou a falar, desviando novamente os olhos para o livro em sua mão.
— Se você quer tanto ler, pode pegar — disse, casualmente, com um aceno de cabeça na direção da pilha de livros.
— Hm…
— Mas, quando terminar, deixe-o aqui comigo. Vou lê-lo mais tarde.
Sira ficou perplexa. Ele falava como se estivesse no controle da situação, como se ela devesse obedecê-lo. Parte dela queria gritar, dar um sermão naquele estranho insuportável, mas a outra parte, mais racional, sabia que brigar naquele momento só atrairia olhares indesejados.
Engolindo o orgulho, ela puxou a cadeira à sua frente, sentando-se diretamente de frente para ele. Sem desviar o olhar, deslizou a mão pela pilha de livros e retirou A Arte do Combate de debaixo dos outros. Quando finalmente abriu o livro, sua expressão ainda estava fechada, a carranca deixando claro o quanto aquele momento a incomodava.
Porém, enquanto seus olhos percorreram as primeiras palavras da obra, a irritação começou a dissipar-se, substituída por uma curiosidade sincera. Mesmo assim, ela não se permitiu relaxar completamente, lançando olhares furtivos para o homem à sua frente.
Ele parecia absorvido na leitura, alheio à presença dela, como se o mundo além das páginas não existisse.
Quem é esse cara?
Pensou Sira, as mãos apertando um pouco mais as bordas do livro. Alguma coisa nele lhe dizia que essa não seria a última vez que cruzariam caminhos.
⧫⧫⧫
O sol finalmente começava a se despedir do horizonte, tingindo o céu de um dourado profundo, que lentamente se misturava a tons de laranja e vermelho. Sira, após um longo e exaustivo primeiro dia de trabalho, caminhou até a porta da biblioteca. Lairia, despedira-se dela com um sorriso acolhedor, mas o cansaço havia tomado conta de sua mente e corpo. A biblioteca estava praticamente vazia, a quietude do local agora quebrada apenas pelo som dos próprios passos de Sira ressoando pelos corredores de pedra.
Ao virar uma esquina, avistou o homem mascarado novamente, de pé diante de uma estante, devolvendo mais um volume de seu vasto acervo. Ele não parecia se importar com sua presença e, mesmo sem olhar para ela, continuava sua tarefa de maneira meticulosa.
— Caramba, você realmente gosta de ler, hein? — disse Sira com uma expressão apática, tentando provocar uma reação.
— Não gosto — respondeu o homem de maneira seca, sua voz imperturbável. Ele se virou, com uma leveza incomum, e começou a andar sem pressa, como se sua mente estivesse completamente distante do mundo ao seu redor.
Sira levantou uma sobrancelha, claramente desconfiada. Ele havia lido pelo menos cinco livros naquela tarde, se dedicando intensamente ao conteúdo, sem mostrar um único sinal de aborrecimento. Como poderia afirmar que não gostava de ler? Era difícil acreditar em suas palavras.
— Se você não gosta, por que lê tanto? — perguntou, com um tom de curiosidade que ela não se permitia ter normalmente.
— Passar o tempo e aprender coisas novas — respondeu ele, como se sua justificativa fosse a mais simples das explicações.
— Hm… e o que aprendeu de novo até agora? — insistiu Sira, agora com um leve brilho de interesse nos olhos.
Ele a encarou por um instante, mas logo voltou a caminhar, sem sequer dar uma verdadeira resposta.
— Mais do que pensei que aprenderia. — O homem não parou, continuou sua marcha silenciosa, as palavras vazias e desconcertantes pendendo no ar entre eles.
Sira fez uma careta, irritada com a resposta evasiva. Toda vez que tentava iniciar uma conversa, ele a cortava com uma frieza que desestabilizava qualquer tentativa de aproximação.
Algo em seu comportamento parecia meticulosamente calculado, como se ele vivesse em um mundo à parte. Isso só fazia Sira sentir uma frustração crescente. Ao mesmo tempo, ela não podia deixar de se perguntar: seria isso o que as pessoas sentiam quando tentavam falar com ela?
Naquele momento, sentiu o peso da própria atitude. Ela, que sempre fora direta e reclusa, se via diante de um reflexo de si mesma. E isso a incomodava mais do que gostaria de admitir.
Quando finalmente saiu da biblioteca, o céu já começava a escurecer, e a noite se aproximava com sua quietude característica. O sol, agora quase desaparecendo, deixava no ar uma sensação de despedida, como se o mundo inteiro estivesse respirando de forma mais calma.
Sira, sem pressa, seguiu em direção à casa de Ivoguin. Ao olhar ao redor, notou que o homem mascarado a seguia de perto, mas sem pressa. Ela, então, virou-se para ele, sem esconder seu desconforto.
— Tá me seguindo? — perguntou, com um olhar desconfiado.
Ele a olhou de relance, desdenhoso.
— Mas é claro que não, porque eu iria seguir uma pirralha como você? — respondeu de forma ríspida.
Sira grunhiu, sentindo o sangue ferver, mas logo desconsiderou suas palavras, focando novamente em seu caminho. Não valia a pena se irritar com um estranho.
A rua estava repleta de vida, mesmo com a noite caindo. O vilarejo, com suas luzes tênues e sons abafados, ainda pulsava como um organismo vivo. Quando Sira chegou à sua rua, o homem mascarado virou uma esquina e se perdeu na multidão, desaparecendo como uma sombra no crepúsculo. A curiosidade de Sira, no entanto, não diminuiu. Algo nele a intrigava de uma forma que ela não conseguia explicar.
Ao chegar em frente à casa de Ivoguin, ela avistou Markus, parado na porta com sua mochila e equipamentos prontos. Algo na sua postura, a forma como ele parecia se preparar para partir, a deixou apreensiva. Ivoguin estava ao seu lado, com um sorriso no rosto, mas Sira pôde perceber a tensão no ar.
— Finalmente voltou, Sira. — Markus disse com um sorriso cansado, mas sincero.
— O que está acontecendo, Markus? — ela perguntou, desconfiada da urgência em sua partida.
— Hoje mais cedo, fui até uma das sedes da Guilda de Aventureiros Avos de Prata, não sabia que tinha uma dessas neste vilarejo, mas parece que eles expandiram os negócios além do reino das quatro torres. — Markus começou, o tom sério. — Encontrei uma missão peculiar e, ao pedir mais informações, percebi que ela poderia estar relacionada aos pecadores. Por isso, decidi pegá-la.
— Como? Me explique isso direito! — a urgência de Sira transpareceu em sua voz, mas Markus balançou a cabeça, interrompendo-a.
— Não. — Ele falou com firmeza. — De agora em diante, você não precisa saber nada sobre isso. Você vai ficar aqui, com Ivoguin e sua família. Isso é o melhor para você.
Sira franziu a testa, a frustração se misturando com uma sensação de impotência. Aquelas palavras machucaram mais do que ela gostaria de admitir. Ela havia confiado em Markus, sempre ao lado dele, e agora ele a afastava, sem sequer dar a chance de ajudá-lo.
Markus olhou para Ivoguin, que acenou com a cabeça, compreendendo o momento. O silêncio entre eles se arrastou por um longo segundo, antes de Sira finalmente falar, sua voz um pouco rouca.
— Boa viagem… — murmurou, sentindo um peso no peito.
Markus, surpreendentemente, a abraçou rapidamente. O gesto foi tão inesperado que Sira ficou paralisada por um instante, seus olhos arregalados de surpresa. Ele, que nunca demonstrara afeto daquela maneira, agora a envolvia em um abraço breve, mas significativo.
— Viva bem, ok? Estude, se esforce, e não dê trabalho para Ivoguin e sua família. — disse Markus com um sorriso suave, mas seus olhos estavam sérios, como se quisesse que ela entendesse a profundidade daquilo.
Sira, ainda atônita, finalmente cedeu, deixando-se envolver pelo abraço. Ela não disse nada, mas a tristeza tomou conta de seu coração, sem lágrimas, apenas uma dor silenciosa.
— Sim… eu vou. — sussurrou, a voz embargada.
Após o breve momento de despedida, Markus se afastou e, com um aceno de cabeça, seguiu seu caminho, desaparecendo na escuridão da noite. Sira ficou parada ali, observando-o partir, o vazio no peito crescendo a cada passo que ele dava.
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