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    Os dias que antecederam o festival em Icca foram para Sira uma batalha silenciosa contra a própria vergonha. Ela fez de tudo para ocultar da família de Ivoguin o fato de que sairia acompanhada naquele dia tão especial.

    Porém, seus esforços se mostraram inúteis assim que Pursena, com sua perspicácia irritante, descobriu a verdade. Como um rastilho de pólvora, a notícia se espalhou, e logo toda a família soube. O interrogatório veio em seguida: quem era a pessoa misteriosa? Quais suas intenções? Quando poderiam conhecê-lo? 

    O pior de tudo era a insistência na ideia absurda de que ele fosse seu pretendente. Sira, corando até a raiz dos cabelos, negava fervorosamente, mas de pouco adiantava—uma vez que a dúvida fora lançada, a família se deleitava em provocá-la a cada oportunidade.

    O festival chegou mais rápido do que Sira gostaria. Desde as primeiras horas da manhã, as ruas do vilarejo estavam tomadas por um fervor contagiante. Bandeiras coloridas tremulavam ao vento, enquanto barracas repletas de iguarias e jogos tradicionais se espalhavam por toda a praça central. 

    Crianças corriam entre os adultos, rindo e brincando, seus trajes festivos complementando a atmosfera vibrante da celebração. O aroma de especiarias e doces pairava no ar, misturando-se com a melodia animada das músicas que ecoavam pelas vielas.

    A família de Ivoguin não ficara para trás nos preparativos. Todos haviam se arrumado com esmero, prontos para aproveitar o dia juntos. Como Sira tinha outros compromissos, decidiram sair pela manhã, explorando o festival antes de retornarem ao entardecer. Para sua sorte, isso significava que ela não precisaria lidar com a presença animada e inquisitiva deles quando chegasse a hora de seu encontro.

    Ao retornar da casa de uma amiga, Sira já não era a mesma. A transformação fora quase mágica. Seus cabelos haviam sido arrumados com precisão e graça, em um penteado que misturava tranças e fios soltos que emolduravam seu rosto delicadamente. 

    Seu vestido era digno de uma dama da corte: veludo azul-escuro cobria seu corpo com elegância, o corpete adornado por um entrelaçado de fitas claras que desenhavam um padrão refinado sobre seu peito. As mangas, longas e volumosas, eram feitas de um tecido creme translúcido, caindo suavemente dos ombros em uma dança sutil a cada movimento. 

    Pequenos laços de fita enfeitavam as extremidades, conferindo-lhe um ar encantador. A saia, longa e dividida ao centro, revelava um forro dourado que brilhava suavemente sob a luz do sol poente, criando um efeito quase etéreo.

    Assim que entrou na casa, foi recebida por uma enxurrada de elogios. “Linda” e “perfeita” foram as palavras mais ouvidas, e por mais que tentasse agir indiferente, Sira sentia o calor subir-lhe às faces. Cada membro da família de Ivoguin fazia questão de expressar sua admiração. Mais do que nunca, ela se sentia como uma peça de destaque em um espetáculo cujo enredo escapava completamente de seu controle.

    E então, finalmente, chegara a hora. O momento que tanto temia e ansiava ao mesmo tempo. Tomando um fôlego profundo, Sira despediu-se da família, apenas para ser surpreendida por uma série de tapinhas nas costas e palavras de incentivo. 

    Seu nervosismo se intensificou—por mais que tentasse se convencer de que era apenas um passeio, a maneira como todos a olhavam e sorriam tornava impossível esquecer o peso da ocasião.

    Agora, restava apenas um passo: encontrar-se com o homem mascarado que a aguardava. Seu coração batia acelerado, e a cada passo que dava, sentia como se estivesse atravessando um limiar invisível, adentrando um momento que mudaria tudo. 

    O festival acontecia ao seu redor, vibrante e efervescente, mas dentro de si, Sira sabia que sua verdadeira jornada estava apenas começando.

    Quando Sira saiu à rua, o sol nascente tingia o vilarejo com tons dourados, fazendo brilhar as decorações festivas que se estendiam pelas casas e ruas. 

    Mesmo sendo cedo, as pessoas já caminhavam animadas, preparando-se para um dia de festividades. No entanto, não foram as bandeiras coloridas ou o aroma dos assados que atraíram os olhares dos transeuntes. Foi ela.

    Seu longo cabelo escuro, meticulosamente penteado e adornado com pequenos enfeites prateados, reluzia sob a luz da manhã, destacando-se contra o vestido azul-escuro de veludo. 

    O traje, digno de uma dama da corte, realçava sua silhueta com um corpete justo entrelaçado por fitas claras, enquanto mangas esvoaçantes caíam em ondas delicadas por seus braços. Cada detalhe parecia minuciosamente planejado para a ocasião, e ainda assim, Sira não conseguia evitar a sensação de estar… decorada demais.

    Ela seguiu seu caminho até a biblioteca, onde havia combinado de encontrar o homem mascarado. Quando chegou, ele já estava lá, imóvel diante da grande janela do prédio, parecendo observar algo no interior. O coração de Sira acelerou de leve. Antes mesmo que ela pudesse se aproximar completamente, ele virou-se para encará-la, como se tivesse sentido sua presença antes mesmo de ouvi-la.

    Ele tem ótimos sentidos… A conclusão veio instintivamente, e isso apenas aumentou a aura enigmática ao redor dele.

    — Bom dia… — disse ela, hesitante, sentindo-se deslocada dentro da própria vestimenta.

    — Bom dia. — respondeu o homem, a voz baixa e firme. Seus olhos, ocultos atrás da máscara, a analisavam com um interesse contido. — Chegou na hora exata. Nem um minuto a mais do que o combinado.

    — Ah… bom… isso é bom, né?

    — Sim, muito bom.

    O silêncio caiu sobre eles. Um silêncio estranho, carregado de hesitação. Quando um abriu a boca para falar, o outro fez o mesmo, apenas para ambos recuarem no mesmo instante. O impasse durou alguns segundos até que o homem tomou a iniciativa.

    — Seu nome.

    Sira piscou, confusa.

    — Hm?

    — Nós marcamos de nos encontrar e passar um tempo juntos… mas eu sequer sei o seu nome.

    Ela congelou por um momento. Desde que o conhecera na biblioteca, há meses, nunca havia perguntado seu nome. E, ainda assim, chamara-o para sair sem nem se dar conta disso.

    — Me chamo Sira… e você? — perguntou, ligeiramente sem jeito.

    — Nathaniel. — A resposta veio rápida, mas carregada de uma estranha relutância, como se fosse um nome que preferisse não dizer.

    — É um prazer…

    — O prazer é meu. — A voz dele era controlada, quase ensaiada. — Bom… o que deseja fazer?

    Sira piscou algumas vezes. Essa era uma boa pergunta. Ela o convidara para sair sem realmente planejar o que fariam. Até aquele momento, imaginara que ele recusaria, e agora se via sem qualquer plano. 

    Com um pouco de desespero, varreu o vilarejo com o olhar e avistou uma barraca de petiscos que já começava a servir os primeiros visitantes.

    — Quer comer algo? — perguntou rapidamente, apontando para o local.

    — Tudo bem.

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