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    “Fernando, temos um problema.” A voz de Ilgner soou na Pulseira de Armazenamento.

    O jovem pálido, que ainda estava atordoado após a discussão com Karol, levantou-se. Independente dos seus problemas pessoais, seu dever não poderia ser negligenciado.

    Chegando à área que Ilgner informou, o Tenente notou um grande grupo de soldados e membros da Unidade de Logística, todos em volta de um grande corpo de um Ciclope queimado. Mas o que mais o surpreendeu é que este era o mesmo que ele havia matado, liberando toda a sua frustração com uma sequência de Lanças de Fogo!

    “O que está havendo?” perguntou, de forma calma.

    O bárbaro loiro, que estava em meio a multidão, saiu.

    “Bem, é uma situação… complicada, é melhor ver por si só.” disse, com uma expressão cautelosa.

    Todos rapidamente abriram caminho para Fernando e Ilgner passarem. 

    Ao chegar no grande corpo, todas as suas dúvidas foram imediatamente esclarecidas, mesmo que ninguém dissesse nada.

    A barriga do grande Ciclope estava parcialmente aberta, mas essa não era a parte que havia causado alarde, e sim o que estava na terra úmida, ao lado do cadáver.

    Eram duas criaturas estranhas, pareciam crianças Humanas. Seu tamanho e aparência eram semelhantes aos Humanos em torno dos quatro anos de idade. Entretanto, apesar de serem parecidos, havia diferenças gritantes, e a maior delas, era o único e grande olho em suas cabeças.

    “São bebês Ciclopes. Aparentemente essa era uma fêmea e estava grávida.” Damon falou, aproximando-se, enquanto apontava para o corpo morto.

    Como se uma chave estalasse em sua mente, Fernando finalmente entendeu.

    Então é por isso que você se esforçou tanto para fugir. pensou, olhando para o cadáver da criatura, com um gosto amargo em sua boca.

    Desde o início, todos os Ciclopes agiram como o previsto, atacando e perseguindo o primeiro alvo que viram na frente, mas este em particular havia saído do padrão, evitando confronto e fugindo, como se estivesse com medo.

    Agora ele havia enfim entendido o comportamento bizarro da criatura. Ela estava desesperadamente tentando garantir que sua prole vivesse.

    Apesar do leve mal-estar, não se sentiu culpado, mesmo que tivesse explodido de raiva quando o Ciclope quase feriu Lance. Também não sentia algum ódio em particular pela criatura.

    A seu ver, essas coisas, assim como vários outros monstros, estavam apenas tentando sobreviver, logo ele não via motivos para sentir ódio.

    Entretanto, isso não significava que fosse simpatizar com eles. Ciclopes, assim como boa parte dos monstros em Avalon, tinham um extenso cardápio carnívoro e este incluía os Humanos.

    “O que vai fazer com eles? Geralmente fêmeas e filhotes são bem protegidos por grandes bandos, então é raro encontrar filhotes como esses ainda vivos. Eles devem valer muito dinheiro.” O velho Sargento falou.

    Todos olharam para o jovem Tenente, aguardando a sua decisão.

    Alguns pareciam dispostos a capturar as criaturas, enquanto outros, devido à aparência infantil e imatura, sentiram alguma pena.

    Observando o par de Ciclopes, que pareciam gêmeos, Fernando respirou fundo. Mesmo para ele não era fácil lidar com isso.

    De um ponto de vista prático, matar as coisas ou vendê-las vivas era a melhor opção, afinal, essas criaturas eram glutões que comeriam qualquer coisa viva que encontrassem. No entanto, não importa como ele visse a situação, ainda não parecia certo.

    Suspira!

    Após pensar um pouco, a expressão de Fernando ficou fria. Se ele deixasse essas coisas vivas, outras pessoas poderiam acabar sendo feridas por elas. Mesmo não sendo alguém altruísta, não queria que inocentes fossem prejudicados se ele pudesse evitar.

    Com passos lentos, o jovem Tenente aproximou-se das duas criaturas, então com um rosto frio, agarrou cada uma delas pela cabeça e ergueu-as.

    Todos viram aquilo com expressões estranhas, mas não impediram, pois entendiam quais eram os pensamentos de seu comandante.

    Os dois filhotes pareciam inconscientes do perigo. Os grandes olhos deles moveram-se de um lado para o outro, enquanto seus braços e pernas balançavam, como se quisessem andar. 

    Diferente de Humanos, que precisavam de proteção por anos após o nascimento, Ciclopes começavam a andar poucos dias após nascer, isso era algo natural da espécie, que vivia em Avalon, onde os fracos eram predados pelos fortes.

    Sem dizer nada, Fernando começou a caminhar em direção a uma parte da mata mais densa. Apesar de sua aparência calma, sua respiração estava instável.

    Como Tenente de um Batalhão, bastava uma única ordem sua e as duas crianças Ciclopes seriam mortas. Mas de seu ponto de vista, ele não tinha o direito de dar uma ordem tão cruel para alguém dali, então o faria por si.

    “Fernando, o que você está fazendo?” A voz de Karol soou, arfando.

    Quando soube, ela e Emily correram para o local, apenas para vê-lo carregando as criaturas.

    O jovem parou seus passos, mas não olhou para trás.

    “Apenas fazendo o necessário.” respondeu, de forma calma.

    A expressão de Karol mudou. Normalmente, quando em público, ela, como esposa do Tenente, jamais questionava ou colocava em dúvida qualquer decisão de Fernando. Isso era algo que ela própria havia decidido, sem que ele pedisse uma única vez, mas naquele momento, não conseguiu evitar quebrar seu próprio princípio.

    “Você realmente acredita que fazer isso é necessário?” disse, com uma voz fraca. “São apenas crianças.”

    As mãos do rapaz tremeram, mas ele não respondeu.

    “Fernando, mesmo que o mundo seja mau e cruel, não significa que você também precise ser. Você vai fazer a coisa certa.” Karol disse, com olhos marejados e cheios de expectativa.

    Ilgner, Emily e alguns dos outros em volta tinham expressões complicadas ao ver a situação. 

    Damon era um dos que não pareciam comovidos. Para ele, alguém que sobreviveu em Avalon até a velhice, qualquer coisa que não fosse Humana era um inimigo que precisava ser destruído. 

    A seu ver, a pequena Cabo Dama de Prata estava sendo ingênua, mas ele não a culpou, pois era natural pela sua idade e tempo nesse mundo. Pelo contrário, sentiu um profundo respeito pelo jovem Tenente, que mesmo com tenra idade, tinha coragem de tomar decisões que pareciam difíceis.

    Fernando, que havia parado por um momento, continuou andando. Em pouco tempo, desapareceu na mata densa.

    Karol, apesar de ter segurado suas lágrimas, sentiu suas pernas fracas.

    Você não é assim, Fernando, você não é. falou consigo mesma, como se esperasse que seus pensamentos chegassem até ele.

    Dentro da floresta, longe dos olhares dos outros, o jovem rapaz parou seus passos. Ele ainda segurava as duas crianças Ciclopes pela cabeça.

    Se eu colocar um pouco de força… apenas um pouco. pensou, sentindo a cabecinha das duas pequenas criaturas em suas mãos.

    Plof! Plof!

    De repente, suas mãos abriram, soltando os dois pequenos, que caíram de bunda no chão.

    Com um movimento de pulso, sua espada Formek surgiu em sua palma. Então ergueu-a para o alto, com a expressão fria e sua mente decidida.

    No entanto, todas suas meticulosas preparações mentais sumiram, quando diante dele, um dos bebês Ciclopes engatinhou até seus pés e abraçou sua perna com as duas mãos, como se estivesse brincando. Então olhou para cima, com seu grande olho.

    Naquele momento, Fernando finalmente percebeu que não conseguiria fazer aquilo.

    Mesmo sabendo que não eram humanos, ou sequer racionais, o fato de serem humanoides, com expressões tão genuínas, fazia com que tudo fosse mais difícil.

    Suspira!

    Sem dizer nada, moveu o pulso, guardando sua espada Formek.

    Então, olhou para as duas pequenas criaturas, pensando no que fazer com elas. Ele deveria apenas abandoná-las e deixá-las à própria sorte? 

    Mas rapidamente balançou a cabeça em negação, eles não sobreviveriam por mais que um dia.

    O que eu faço com vocês? pensou, encarando os dois.

    “Tem certeza disso?” Uma voz idosa soou.

    Mesmo sem olhar, Fernando já sabia quem era. Seus olhos voltaram-se para o alto das árvores, e lá, o grande Baiholder flutuava, com seu grande olho o observando.

    “O serviço está feito?” O rapaz perguntou, com uma voz calma.

    “Eu já falhei alguma vez, mestre?” A criatura retrucou, com uma voz levemente brincalhona.

    Fernando franziu a testa ao ver isso. Mesmo que não parecesse desrespeitoso, havia uma leve entonação de zombaria em suas palavras. Ele não precisava que Brakas dissesse algo, pois estava escrito em seus diversos olhos.

    Esse era o problema de demonstrar fraqueza diante daqueles abaixo dele, ainda mais para algo como um Beholder, que não era conhecido por sua benevolência.

    “Se quiser, eu faço para você, mestre. Para mim, matar essas coisinhas é tão natural quanto respirar.” disse, movendo dois de seus tentáculos em direção às crianças Ciclopes.

    Swish!

    Uma espada com o fio negro passou a centímetros dos tentáculos, que recuaram com rapidez.

    Para Brakas, que tinha se tornado um Beholder Ancião, dificilmente seria ferido por Fernando, a menos que ele próprio permitisse.

    “Quem disse que você podia se mover?” O rapaz pálido falou, com olhos frios.

    O Baiholder olhou para o jovem Humano com um olhar estranho.

    “Mestre, eu só queria ajudar.”

    “Eu perguntei, quem disse que você poderia se mover?” repetiu, devagar, com seu rosto se tornando ainda mais frio.

    Vendo aquele olhar, Brakas tremeu. Era um olhar que ele já tinha visto antes, quando tinha sua vida nas mãos de Fernando.

    Sem dizer nada, moveu os dois tentáculos para onde estavam anteriormente, próximos aos dois Ciclopes.

    O jovem rapaz viu aquilo com olhos calmos, então, sem hesitar, moveu rapidamente sua espada Formek.

    Ziii! Swish!

    “Ah!!” O Baiholder rugiu, quando ambos os tentáculos foram decepados, com suas pontas com olhos caindo no chão e contorcendo-se. “Mestre, me perdoe!”

    Fernando, desativando sua Habilidade de Vibração, fingiu não ouvir, quando pisou em um dos tentáculos com um olhar impassível, enquanto encarava o Beholder Ancião.

    “Eu não aceitarei qualquer tipo de desobediência. Se pensar em me trair, você morre. Se pensar em agir contra minhas palavras, você morre. Se pensar em prejudicar alguém próximo a mim, você morre. Brakas, você entende o que estou dizendo?”

    Dessa vez, o Baiholder não ousou olhar com altivez, então lentamente desceu do alto.

    “Sim, mestre, eu me excedi.”

    Vendo isso, a expressão de Fernando amenizou-se.

    A verdade é que esse tipo de ferimento não era nada para Brakas, apenas causaria dor, e o rapaz sabia disso. Seus membros perdidos seriam eventualmente regenerados.

    “Relatório da missão.” O jovem pálido falou, fingindo que nada daquilo havia ocorrido momentos antes.

    Brakas tinha um olhar estranho no rosto. Mesmo que não conseguisse sequer matar essas pequenas criaturas, ele não hesitava em puni-lo. As variações de emoções e métricas de decisão dele eram algo que o Baiholder não conseguia entender.

    Ele estava apenas testando Fernando para ver qual seria sua reação. Apesar disso, no fim, um pequeno sorriso surgiu em sua boca cheia de dentes afiados. Mesmo que o rapaz pálido fraquejasse em certos momentos, ele não hesitava em derramar sangue quando necessário.

    Para um Beholder, a crueldade era uma de suas maiores armas. Se seu mestre fosse alguém fraco, isso significava que não viveria por muito tempo, e por consequência, ele próprio também morreria, já que ambos estavam ligados pelo contrato de servidão. Então, ver que Fernando sabia quando usar da violência, o agradou.

    “Tudo seguiu como o planejado, mestre. Assim como você ordenou, eu abati todo o grupo de Ciclopes. Não encontrei nenhum muito forte e havia um total de cinquenta e três deles.” Brakas falou, com sua grande boca abrindo-se em um largo sorriso.

    Fernando assentiu com a cabeça. 

    A verdade, é que por mais que odiasse ser usado pelos Generais e pela Legião, sentiu que precisava cumprir com seu dever. Se ele permitisse que esse grupo de Ciclopes continuasse a existir, sem relatar, e por azar essas coisas fossem em direção à rota traçada do grande exército, haveria muitas baixas, principalmente de soldados e pessoas mais fracas.

    “Você fez o que pedi?” perguntou.

    Em resposta, Brakas ergueu um de seus tentáculos, enfiando-o dentro do próprio olho.

    Fernando viu aquilo com um rosto enojado. Por mais que já tivesse visto isso outras vezes, não deixava de ser repugnante.

    “Tudo que o senhor pediu.” disse, quando várias partes dos corpos dos Ciclopes caíram ao serem retirados, havia olhos grandes e pequenos. “Peguei tudo de valioso que havia em seus corpos. Não se preocupe, não deixei nada para trás, desde que me tornei um Ancião, o espaço interno dentro do meu olho ficou muito maior.”

    Por um momento, o rapaz não conseguiu deixar de pensar em si como um hipócrita, principalmente ao ver os pequenos olhos em meio aos despojos. Ele havia ordenado o massacre de todo um grupo, o que incluía crianças Ciclopes, mas ainda, sim, não conseguia cuidar de dois deles.

    “O que planeja fazer com eles, mestre?” O Baiholder perguntou, com seu grande olho mostrando alguma repulsa e raiva ao ver as pequenas coisas engatinhando em direção aos seus tentáculos cortados. Cada um deles pegou um e começou a mastigar, com rostos contentes, como se estivessem comendo a melhor coisa do mundo.

    Fernando olhou para o par de gêmeos Ciclopes com seu rosto contendo uma miríade de emoções.

    Meia hora depois, o jovem Tenente saiu da mata fechada. Nesse ponto, a Unidade de Logística já havia terminado seus preparativos.

    “O que você fez com eles?” Karol perguntou, com uma voz apreensiva.

    Fernando não disse nada, ele apenas moveu o pulso enquanto caminhava, então dois pequenos olhos apareceram, cada um na palma de uma de suas mãos. Após fazer isso, os guardou e continuou andando para longe.

    Karol tinha olhos apáticos, cheios de incredulidade. No fim, todos no local ficaram em meio a um estranho silêncio.

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