Capítulo 541 – Eu sou Fernando (1)
Flip! Flap! Flip!
Um par de mão ágeis estava continuamente manuseado folhas de papel de uma pilha de documentos e colocando-as sobre uma impressora, enquanto habilmente as retirava após o flash de luz, com uma cópia do documento sendo ejetada na parte inferior. A pessoa em questão era um rapaz pálido, com olheiras profundas e um terno que era claramente de segunda mão.
“Ainda não acabou de tirar as cópias que pedi, novato?” Um homem calvo e gordo de meia-idade, com uma camisa branca e colarinho bem-arrumado, indagou, segurando um copo de café. “Por que ainda contratam gente tão incompetente hoje em dia? Isso é tão irritante. Mais rápido, preciso disso em dez minutos!” exigiu, escorando seu enorme corpo roliço em uma cadeira reclinável.
O jovem pálido ouviu tudo em silêncio, sem se atrever a retrucar o sujeito, tentando fazer aquilo o mais rápido que conseguia.
Ao redor, vários homens e mulheres, trabalhando em seus computadores, pararam por um instante, então voltaram seus olharem em direção à impressora no canto da sala, observando a cena com um sorriso de zombaria.
“Lá vai o Tony Gordo incomodando o novato novamente.” Um dos observadores comentou, achando a cena engraçada.
“Aposto que ele tá fazendo o moleque fazer o trabalho que o chefe passou para ele.” Outro disse, com desdém.
“Heh, ele realmente faz isso?”
“Claro, já vi acontecer várias vezes. Ele sempre perturba os Aprendizes até que eles se demitam. Até que esse aí tá aguentando bastante.”
“Heh, talvez eu tente também. Ter um idiota para fazer seu trabalho, que conveniente! Hahahah!”
Mesmo estando longe, o rapaz pálido podia ouvir os comentários e conversas. Sua mão tremeu levemente de raiva, mas ele engoliu todo aquele sentimento amargo.
“Onde está o novo funcionário, qual o nome dele mesmo… Fernando?!” Um homem velho e com uma barba por fazer perguntou, ao entrar no escritório.
“O-o Chefe!” Alguns comentaram, apressadamente, voltando aos seus trabalhos.
O sujeito, chamado Tony, colocou rapidamente o café sobre a mesa, enquanto sua expressão arrogante sumiu, tornando-se muito mais amistosa.
“S-senhor Dominic. O novato está aqui, ele estava vadiando por aí, então o coloquei para fazer alguma coisa.” declarou com seriedade.
Vadiando? Você me tirou da minha função para fazer isso! O jovem, chamado Fernando, pensou, enquanto olhava para as costas do homem gordo com um olhar aparentemente calmo, mas suas mãos apertaram os papeis firmemente, quase os amassando.
“Mas que porcaria. Eu pedi para você abastecer o material do segundo e terceiro andar. Qual o seu problema, rapaz? Não tem espaço para gente que não quer trabalhar nesse lugar.” O velho Dominic exclamou.
“Não se preocupe, chefe. Eu vou ensinar esse garoto a trabalhar direito. Pode deixar comigo.” O sujeito gordo garantiu, aproximando-se do rapaz e colocando sua mão em torno de seu ombro. “Estou certo, Aprendiz Fernando?” O homem falou, com um sorriso, próximo ao ouvido dele. Mesmo que suas palavras soassem amigáveis, eram claramente uma tentativa de intimidação.
Ouvindo aquilo, o jovem pálido olhou para baixo, engolindo em seco.
Desde que foi expulso da faculdade, sua vida havia se transformado em um verdadeiro inferno e todos os planos que tinha feito de forma meticulosa, haviam se tornado nada mais que cinzas ao vento.
Fernando planejava continuar trabalhando em empregos de meio-período até poder fazer estágio na área de seu curso, que pagava extremamente bem, mas agora após sua expulsão, tudo que poderia fazer, era trabalhar para se sustentar e mandar algum dinheiro que sobrava para sua família no interior. Ele sequer havia reunido coragem de contar a verdade a seus pais sobre ter sido expulso e perdido a bolsa de estudos, eles sempre pareciam contentes do outro lado da linha telefônica, orgulhosos que seu filho seria um Engenheiro Mecânico.
No fim, o rapaz acabou pulando de emprego em emprego, decidido a juntar dinheiro para pagar por seus estudos, mesmo que fosse em uma universidade particular. Ele simplesmente não estava disposto a desistir!
Se não fossem aqueles malditos riquinhos, brincando com a vida dos outros como se fosse apenas um jogo… pensou, furioso.
Antes de ser convocado pela reitoria da universidade, ele decidiu que mudaria sua vida e a si mesmo. Então, quando chegou na reunião disciplinar, ouviu diversas atrocidades e acusações por parte do reitor, que parecia ser um sócio em um negócio particular dos pais de Carla, a garota que havia o acusado injustamente. No fim, Fernando, ao perceber que seria injustiçado novamente, não conseguiu se conter, insultando a todos no local, uma atitude que acabaria por pregar o último prego em seu caixão.
No fim, ele percebeu que agir como queria, poderia trazer consequências ainda piores do que ser apenas um covarde.
O que eu deveria fazer, apenas viver assim até o fim dos meus dias? refletiu, sentindo-se frustrado.
“Eu perguntei se estou certo, Aprendiz Fernando?!” O homem gordo e calvo, insistiu, com a voz mais alta, apertando seu ombro com força.
Os vários funcionários ao redor olharam para aquilo discretamente, sem querer se envolver, mesmo sabendo a situação real do rapaz.
“S-sim, senhor.” No fim, Fernando respondeu, com uma expressão vazia em seu rosto.
Vendo toda aquela cena, o Chefe do escritório ficou levemente desconfiado. Mas ao olhar para Tony e sua expressão bajuladora, fingiu não perceber.
“Tanto faz, apresse-se e faça o que pedi! Se não terminar tudo até o fim do expediente, não precisa voltar amanhã” Ao dizer isso, o velho homem se encaminhou para a sala no fundo, que era a maior e mais espaçosa do andar.
Porém, assim que a porta se fechou, a expressão do homem corpulento mudou.
“Seu pedaço de merda inútil, por que demorou tanto para responder?” O sujeito perguntou, acertando um tapa na parte de trás da cabeça do rapaz pálido. “Sério, qual o seu problema. É tão difícil fazer o que eu tô mandando?”
Fernando parecia não ter ouvido e sequer reagiu quando foi acertado na nuca novamente.
“Ei, aquele balofo não tá exagerando um pouco?” Uma mulher perguntou, ao ver a situação.
“É melhor não se envolver, aquele desgraçado é sobrinho de um dos sócios. Mesmo causando problemas, o Gerente Dominic nunca o demite.” Um homem próximo cochichou.
Ouvindo aquilo, a mulher ficou assustada, rapidamente fingindo que não tinha visto nada.
Após lançar mais alguns insultos, o homem gordo finalmente foi embora quando todos os documentos copiados foram entregues. Depois disso, Fernando teve que correr contra o tempo para terminar suas demais tarefas antes do fim do expediente.
Saindo do escritório, seu rosto, que já era naturalmente pálido, estava ainda mais branco que o normal.
Eu tenho que aguentar! falou para si mesmo.
Ele havia conseguido esse trabalho depois de muitas entrevistas. Mesmo que fosse um simples emprego de Aprendiz, ganhando extremamente pouco, havia chances de efetivação e promoção após o período de experiência e isso era tudo que ele precisava! Ainda que tivesse que aguentar ser humilhado, ou desprezado, ele precisava se manter firme!
Por ter saído do trabalho bem na hora do rush, a estação de metrô estava completamente lotada de pessoas. Se espremendo na plataforma, o rapaz mal conseguiu se enfiar em um dos vagões antes que a porta fechasse.
Ao entorno, muitas pessoas usavam máscaras em seus rostos, como se estivessem tentando se precaver de pegar uma gripe ou algo do tipo.
“Foram relatadas mais de 32.000 novas mortes suspeitas hoje pela manhã em mais de 12 países. A OMS declarou que está analisando o caso, mas que acredita que todas são mortes naturais e afirmou que não há necessidade de pânico.” Uma voz de um telejornal soou a partir de um dos monitores do trem.
Muitas pessoas ouviram aquilo com temor, mesmo que já tivesse se tornado algo habitual, o aumento da frequência de mortes repentinas ainda assustava a todos.
Havia rumores sobre uma nova doença global se espalhando, ela matava de forma silenciosa e não havia qualquer sintoma prévio. A maioria das pessoas apenas morria de causas aparentemente ‘naturais’ sem qualquer vestígio clinico ou sintoma aparente. Algumas em pleno emprego, outras em suas casas enquanto dormiam.
Muitas instituições e governos apenas declararam esse fenômeno como mortes naturais resultantes do estresse dos dias modernos e devido às mudanças climáticas extremas que vinham ocorrendo nos últimos anos, fazendo com que algumas pessoas propensas acabassem tendo uma espécie de mau súbito.
Alguns dos afligidos sofriam infartos repentinos, enquanto outros tinham AVC e alguns simplesmente caiam mortos no chão, sem qualquer batimento cardíaco ou circulação sanguínea. Isso foi visto por muitas entidades e por grande parte da mídia como apenas uma coincidência infeliz.
Porém, é claro, os céticos não conseguiam acreditar nas palavras do governo ou da imprensa, acreditando firmemente que algo estranho estava ocorrendo nos últimos anos. Afinal não havia um padrão específico, mesmo pessoas jovens, em torno dos vinte anos, aparentemente saudáveis, acabavam sendo vítimas.
Alguns acreditavam firmemente que era uma doença desconhecida, enquanto outros supunham que era algum tipo de arma biológica silenciosa de algum país e alguns dos mais conspiracionistas tinham certeza de que alguns super-ricos estavam tentando reduzir secretamente a população mundial e que isso não passava de testes de agentes patogênicos e que algo muito mais terrível seria usado no futuro.
Independente das suposições de cada um, era certo que havia uma grande insegurança generalizada em todo mundo e isso era, pouco a pouco, refletido no dia-a-dia das pessoas.
“Não há motivo para pânico uma ova!” Um homem idoso resmungou para o monitor, apertando sua máscara com força e cobrindo-a com a mão. Muitos outros ao redor fizeram o mesmo, alguns até pareciam tentar respirar mais devagar, pois diversos rumores alegavam que se fosse realmente uma doença, havia grandes chances do contágio ser por via respiratória.
Vendo aquela cena, Fernando achou aquilo tudo ridículo. Eles estavam em um transporte público lotado, qual sentido havia em usar mascaras quando todos estavam respirando uns em cima dos outros?
Embora também estivesse preocupado com a tal doença, ou seja lá o que fosse, o rapaz tinha suas dúvidas se era algo que realmente existia, ou apenas uma espécie de pânico coletivo.
Ele até pensou em desistir de tudo e retornar para a casa de seus pais no interior, por preocupação com seus país e seu irmão, mas como era uma área pacata e com poucas oportunidades de emprego, se fizesse isso, seria difícil até mesmo ajudar sua família a se manter, muito menos continuar seus estudos.
Depois de cerca de uma hora de transporte, finalmente chegou em sua casa, ainda morando no mesmo pequeno apartamento cúbico e cheio de mofo.
Tirando o terno de segunda mão, que havia comprado após economizar tanto, o rapaz delicadamente o colocou na pia do banheiro, começando a enxaguá-lo. Como não tinha dinheiro para comprar outra peça de roupa, sempre o lavava no fim de cada dia, pois era uma vestimenta obrigatória nesse tipo de trabalho de escritório.
Após terminar de lavá-lo, saiu de seu pequeno apartamento, colocando-o para secar num estreito corredor do lado de fora de sua habilitação, que passava pelo fundo outras casas, já que não havia onde fazê-lo dentro do apartamento minúsculo. Como era um local praticamente inacessível, não estava preocupado de que alguém pudesse levá-lo.
Tendo feito isso, finalmente tomou um banho e esquentou um pouco de água com ovos num mini fogão a gás que havia conseguido comprar recentemente, cozinhando-os, então aproveitou a água quente para fazer um pouco de miojo, pois assim poderia economizar algum gás.
Sentando-se em uma cadeira na cozinha apertada, despejou os ovos cozidos no miojo. Mesmo que fosse uma refeição horrível, ele sabia que havia nutrientes e proteínas suficientes para que pudesse abastecer suas energias.
Após terminar a refeição, lavou o pouco de louça que havia, enquanto pensava no dia de trabalho. Lembrando-se do sujeito gordo chamado Tony, sua expressão ficou escura, quando sentiu uma fúria vindo do fundo de seu coração. Era uma sensação indescritível, que ele não tinha certeza de onde vinha. Era como se aquele sentimento não lhe pertencesse, mas, ao mesmo tempo, tinha certeza que fazia parte dele.
“Acalme-se, amanhã tudo vai dar certo…” disse para si mesmo.
Balançando a cabeça, suspirou, então deitou-se na cama, pronto para dormir.
Amanhã tenho que fazer tudo aquilo de novo? perguntou-se. Mesmo que seu corpo estivesse dolorido e cansado, isso não era nada para ele, já estando acostumado em tarefas braçais. Contudo, seu esgotamento mental era um assunto totalmente diferente.
Ainda que estivesse cheio de pensamentos pessimistas, seus olhos lentamente fecharam-se, quando sua mente se esvaiu.
Inesperadamente, Fernando se viu num local totalmente diferente, a sua frente, havia centenas de pessoas!
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