Capítulo 73 - A Escolha
O som das botas batendo contra o chão ecoou pelo apartamento quando Evelyn abriu a porta e entrou, tirando o casaco e o jogando de qualquer jeito no cabideiro.
Brigitte veio logo atrás, os olhos estavam arregalados de empolgação enquanto ela observava o interior da casa — ou melhor, da base improvisada do grupo. Ela girava o pescoço de um lado para o outro, absorvendo cada detalhe como se acabasse de pisar em um mundo novo.
— Uau! Então é aqui que vocês moram? — disse ela, dando uma volta completa sobre si mesma. — É bem diferente das casas em Luminara.
— Bem-vinda ao nosso humilde lar. — disse Evelyn, fazendo um gesto dramático com as mãos, uma reverência exagerada.
— Eu adorei! — Brigitte correu direto para a pequena sacada e se inclinou, espiando a cidade. — Vocês têm uma vista incrível!
Niko entrou por último, fechando a porta atrás de si. Encostou-se à parede com os braços cruzados, observando Brigitte explorar o lugar.
— Não toque nas minhas coisas. — alertou Evelyn.
— Tá bom, tá bom. Só quero conhecer o lugar…
Brigitte foi até a estante, passou os dedos pelos livros, depois deu uma espiada nos armários da cozinha. Foi então que viu algo peludo deitado no sofá.
— Oh! Um gatinho!
Sem hesitar, jogou-se ao lado do felino e pegou-o no colo antes que ele pudesse fugir.
— Awnnn, você é uma coisinha tão fofa! — disse ela, apertando o rosto contra o pelo laranja, abraçando o animal como se fosse um travesseiro.
O gato ficou rígido por um segundo, depois se debateu, claramente incomodado com o carinho exagerado.
— Acho que ele gostou de mim! — disse Brigitte, segurando-o como um bebê.
— Eu duvido. — Evelyn respondeu, rindo.
— Que nada! Você não entende nada de gatos, chefe!
O gato, já sem paciência, miou alto, afundou as garras no braço de Brigitte e se libertou da garota, correndo para debaixo do sofá.
— Ai! Treituor… — Brigitte fez beicinho e massageou o local arranhado.
Evelyn se sentou em uma poltrona, rindo da situação.
— Você deve ser a primeira pessoa que ele rejeita tão rápido.
— Ah, eu ainda vou conquistar esse bichano. É só uma questão de tempo.
Enquanto ela tentava fazer contato com o gato debaixo do sofá, Niko foi até a cozinha, encheu um copo d’água e sentou-se à mesa. Evelyn o observou por alguns segundos, notando sua expressão tensa. Caminhou até ele e sentou-se em frente.
— Você tá muito calado. — comentou ela.
Niko tomou um gole, depois encarou a elfa.
— Me diz uma coisa, Evelyn… — ele baixou a voz. — Foi mesmo uma boa ideia trazer ela pra cá?
A elfa suspirou, já esperando por aquele tipo de pergunta.
— Ah, lá vamos nós…
— Você sabe que estamos sendo caçados. Você mesma disse que alguém está eliminando as pistas. Se ela for uma infiltrada, acabamos de convidá-la pra dentro da nossa casa.
— E por que ela seria uma espiã?
— Porque estamos sendo caçados, não podemos confiar em ninguém.
Evelyn cruzou os braços, pensando no melhor argumento que poderia mudar o pensamento de Niko.
— Tá, vamos pensar logicamente. — disse ela. — A gente não colocou nossos nomes no anúncio, nem informações que ligassem à gente. Se ela fosse uma espiã, teria inventado uma história mais plausível, algo mais discreto. E com certeza agiria de forma menos… chamativa.
Niko ficou em silêncio, considerando os argumentos apresentados, mas não totalmente.
— Além disso… — Evelyn continuou. — Você viu do que ela é capaz. Se quisesse nos matar, já teria feito isso.
— E se o plano não for matar?
Evelyn inclinou a cabeça para o lado, ainda tentando entender o que se passava na mente do amigo.
— Como assim?
— E se o objetivo dela não for nos matar, pelo menos, não agora?
Evelyn bufou, mas deixou que ele continuasse.
— Se alguém está eliminando qualquer pista sobre o meu passado, pode ser que tenham mudado a estratégia. — ele explicou. — Em vez de simplesmente mandar outra assassina como a Clementine, ou uma negociante como a Hyandra, eles podem ter decidido nos vigiar de perto.
Brigitte, que ainda estava tentando conquistar o gato sob o sofá, não percebeu que era o tema da conversa.
— Você acha que ela pode ser uma informante?
— Ou alguém que vai nos levar pra uma armadilha. — estreitou os olhos. — Já pensou nisso? Ela se junta a nós, ganha nossa confiança, tudo isso para nos trair no final…
Evelyn revirou os olhos, não acreditando nem um pouco na teoria de Niko.
— Você tá lendo ficção demais.
— Só quero garantir que não estamos cometendo um erro.
Ela suspirou, pensativa. Por mais paranóico que fosse, Niko tinha razão em ser cauteloso. Mas ele estava sendo muito mais do que o necessário. Sentia que Brigitte não era uma ameaça, que aquela suspeita era desnecessária.
— Olha… eu entendo sua preocupação. Mas eu simplesmente não consigo ver isso nela.
— É exatamente isso que uma boa espiã faria.
Evelyn riu pelo nariz.
— Tá bom. Então vamos colocar isso à prova.
— Como?
— Simples. — apontou para as cartas na mesa. — A gente aceita uma missão e vê como ela se sai. Não só em combate, mas também em como ela vai reagir em certas situações. Se fizer algo suspeito, eu te dou razão. A gente trouxe ela aqui pra isso mesmo, lembra?
Niko tamborilou os dedos na mesa, ainda não estando completamente convencido da ideia.
— E se for tarde demais?
— Se for, pelo menos teremos uma luta justa. — disse com um sorriso de canto.
Niko soltou um suspiro cansado.
— Você realmente gosta de se arriscar, né?
— Eu gosto de confiar nas pessoas.
Ele ficou em silêncio por um momento. Ainda estava pensando no que deveria fazer. No fim, apenas desviou o olhar e deu de ombros, aceitando a proposta de Evelyn.
— Tá bom. Vamos ver no que isso vai dar.
Nesse momento, Brigitte se levantou do chão com uma feição triste. Deu breves palmas, limpando a sujeira do chão das mãos.
— O gato me ignorou. Mas tudo bem. Eu sou paciente… e determinada! — então percebeu os olhares dos dois. — Ei, o que vocês estavam cochichando aí?
Evelyn sorriu.
— Ah, nada de mais. A gente só tava decidindo qual vai ser nossa primeira missão juntos.
Os olhos de Brigitte brilharam como faróis.
— Missão?! Eu tô dentro!
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