Capítulo 025 — Tudo pronto para a ausência de Marco
A sala do hospital estava silenciosa, exceto pelo som do vento batendo contra as janelas e o leve estalar das velas queimando em suportes de ferro, o cheiro de ervas medicinais impregnava o ar.
Lou-reen entrou com passos firmes, sua silhueta recortada pela luz do corredor. Sobre a cama, Elucydor estava completamente enfaixado, com apenas a boca visível. Apesar da cegueira, sua voz fraca e carregada de dor soou precisa ao pronunciar seu nome:
— General Lou-reen.
Ela parou ao lado da cama, estreitando os olhos.
— Como sabe que sou eu?
Elucydor soltou uma risada rouca, que logo se transformou em um gemido de dor.
— Eu passei a vida transformando essência em luz, fazer o inverso… é tranquilo para mim, não preciso dos meus olhos para enxergar.
Lou-reen cruzou os braços.
— Vai me dizer quem te contratou?
Ele sorriu, mesmo com o rosto contorcido pelo sofrimento, e depois retomou a expressão fria e indiferente.
Lou-reen observou a figura abatida diante dela. Antes, Elucydor fora um dos soldados mais promissores do exército imperial, um combatente implacável, um estrategista temido, agora, era só um vulto enfaixado.
— Você era tenente, por que largar tudo pra virar mercenário?
Elucydor respirou fundo.
— Queria dizer que foi pelo dinheiro, mas foi pela liberdade. Sob o uniforme, eu só podia ir até onde a lei deixava. Como mercenário, fui até onde consegui.
Lou-reen assentiu, seca.
— Nós soubemos o que você andou fazendo em Eryndor.
Elucydor deixou escapar um leve sorriso, quase imperceptível sob as bandagens. Havia orgulho ali.
— Mas nenhuma das suas ações lá afetava o Império — ela continuou. — Então por que voltar?
Ele hesitou por um momento.
— O pagamento era alto e o trabalho… parecia simples.
— Não sabia que ia ter que passar por mim?
— Eu sabia. Por isso o plano deles era te pegar ocupada, não esperavam resistência, muito menos que ele… ainda tivesse um jeito de te chamar sem o colar.
Lou-reen estreitou os olhos.
— Como você sabia do colar? Essa informação era confidencial.
Elucydor virou levemente a cabeça na direção dela, a voz mais baixa:
— Meu contratante sabia de muita coisa.
Lou-reen permaneceu em silêncio por alguns segundos. O som do vento nas janelas preenchia o espaço como um lembrete de que o mundo lá fora continuava girando, apesar de tudo.
— Você sabe o que aconteceu em Aertha? — ela disse, a voz firme como lâmina. — Um milhão e meio de mortos por causa do cetro, por causa de um lunático que achou que podia controlar o mundo.
Elucydor manteve-se calado.
— Era isso que seu contratante queria repetir? — ela insistiu. — Porque é esse o caminho. Você pode fingir que não sabia, mas sabia o bastante pra não fazer perguntas.
Nada.
Ela se aproximou mais da cama. O rosto dela agora estava a menos de um palmo do dele.
— Você não tem ninguém no Império? Nenhum parente? Nenhum amigo? Nenhum velho colega que ainda carrega seu nome na ficha como exemplo?
A respiração dele se alterou levemente.
— Não sente nada? Nem respeito por quem te treinou, te formou, te deu o título que você usou pra impressionar esse maldito contratante?
A bandagem na testa de Elucydor tremeu. Por um instante, pareceu que ele ia gritar, ou rir, mas o que veio foi um sussurro cansado:
— Você acha que tudo isso foi fácil pra mim?
Lou-reen não respondeu.
— Não foi um contrato comum, eu não fui atrás, eles me encontraram. Disseram que acompanhavam meu trabalho e que respeitavam minha trajetória, que tinham uma proposta… ousada.
Ele virou a cabeça lentamente, como se buscasse um ponto fixo no escuro.
— Um estrangeiro com um cetro, protegido por uma general do Império. O pagamento seria alto, o plano, eficiente. Eles cuidariam da logística, e eu só precisava fazer o que sempre fiz.
Lou-reen fechou as mãos em punhos.
— Quem são eles?
Elucydor hesitou por um momento e depois murmurou:
— Não me deram nomes, só disseram… que falavam em nome de um grupo. Um que tinha ideias “além do horizonte”, gente que acredita que o Império perdeu o rumo, que estamos engessados, presos a dogmas antigos.
Ele respirou fundo, como se soubesse que o que viria a seguir selaria algo.
— O nome deles… Divisores.
Lou-reen empalideceu.
Então, uma batida na porta.
— General Lou-reen — chamou Venia. — Há uma reunião urgente na Base.
Lou-reen não tirou os olhos dele. O nome ainda reverberava em sua cabeça. Ela saiu sem olhar para trás, deixando Venia parada na porta, empalidecendo ao ver o estado do ex-tenente.
***
Na sala silenciosa do observatório, os mapas estavam organizados, os pergaminhos empilhados, e os instrumentos limpos e alinhados. Tudo pronto para a ausência de Marco.
Ele ajustava um pequeno estojo de madeira quando estendeu para Maera dois objetos: uma estaca marcada com anotações minuciosas e uma pequena esfera de selenita polida, quase translúcida.
— Quando o sol estiver no zênite, finque essa estaca e meça o ângulo da sombra. Ao mesmo tempo, farei o mesmo em Ayas-Kin.
Maera pegou os objetos com firmeza, analisando a estaca.
— A distância entre as cidades é suficiente?
— Suficiente pra gerar uma diferença mensurável no ângulo. Com os dois dados e um pouco de trigonometria, o planeta se revela.
Ela assentiu, quase imperceptível.
— Acha que vai dar certo?
— Com sua ajuda, tenho certeza.
Ele guardou o estojo, fechando com um estalo discreto. Depois de alguns segundos de silêncio, Marco ajeitou a correia da bolsa no ombro.
— Ah, quase esqueci. Lou-reen conseguiu um destacamento pra te ajudar enquanto eu estiver fora.
Ele deu alguns passos para o lado, conferindo o pergaminho dobrado sobre a mesa.
Maera respondeu sem levantar os olhos:
— Claro, a Lou-reen resolve tudo.
— Eles vão cuidar das medições secundárias, ângulos, horários, essas coisas. Você só precisa coordenar os registros e garantir a continuidade das observações. Nada além do que já faz.
Ela apenas assentiu de novo.
Marco sorriu sozinho, satisfeito com o plano.
— Vai ser bom. Se Ayas-Kin for mesmo como dizem, com bons ferreiros e engenheiros, talvez eu consiga montar algo mais potente, o bastante pra ver muito mais do que vemos daqui.
Ela não respondeu.
— Certo… então é isso. Preciso arrumar a mala.
Ele fez um gesto breve com a mão, mais instintivo do que pensado, e saiu quase no mesmo ritmo em que chegou. Os passos ecoaram pelo corredor de pedra até desaparecerem.
Maera ficou parada, segurando a esfera de selenita.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.