Índice de Capítulo

    Thom estava erguendo um grande Escudo de Fogo à sua frente, enquanto o Ciclope batia furiosamente com o braço esquerdo. 

    A cena por si só já era surpreendente, levando em conta que mesmo Fernando ou os outros membros com armaduras pesadas não se atreviam a tomar golpes diretos da criatura. Mas o que mais deixou todos chocados foi o fato do gigante estar com apenas um dos braços.

    O braço direito do Ciclope estava caído no chão, não muito longe. Na parte do antebraço, uma marca de queimadura chamuscada evidenciava que o mesmo havia sido decepado em um corte limpo, por algo com uma alta temperatura.

    “Vamos ajudá-lo!” Noah falou, preparando-se para avançar, porém, uma voz soou a partir do alto.

    “Não interfiram.”

    O grupo ficou perplexo ao ouvir aquela voz, então quando olharam para cima, viram Fernando confortavelmente sentado em um galho, com suas costas escoradas no tronco da árvore. Uma de suas pernas estava arqueada, apoiando-se na base, enquanto a outra balançava lentamente de um lado ao outro. Seus olhos calmos observavam a luta que ocorria.

    Pelas frestas entre as árvores, alguns raios de sol atravessavam, o iluminando levemente, transparecendo sua aparência bizarra. Seu rosto estava cheio de sangue e a esclera dos olhos vermelhas, isso acabou assustando alguns.

    Karol, que até então estava cheia de preocupação, deu um suspiro de alívio ao ver que ele estava bem. No entanto, ficou pálida ao notar todo aquele sangue nele.

    “T-tenente, você está bem?” Um dos Cabos perguntou.

    Em resposta, o jovem assentiu.

    “Sim, não é meu sangue.” respondeu, de forma calma. Apesar de ainda ser estranho seu estado, isso tranquilizou a maioria deles.

    Trayan, por outro lado, franziu a testa.

    “Precisamos ajudá-lo! Qual o objetivo de vê-lo lutando contra essa coisa sozinho? Além disso, ainda há os Subtenentes Ilgner e Theodora, não sabemos o que aconteceu com eles.” falou.

    O jovem Tenente nem sequer virou seu rosto, mantendo-se concentrado na batalha, como alguém assistindo a um filme em seu clímax.

    “Essa situação é um bom treino para o Sargento Thomas. Quanto aos Subtenentes, eu passei por lá antes de chegar aqui. Ilgner já cuidou do oponente dele e foi apoiar Theodora, mas ela por si só já estava perto de finalizá-lo.”

    Todos ficaram sem palavras com a afirmação do rapaz. Isso não significava que cada um dos Subtenentes eram capazes de eliminar sem muitos problemas um Ciclope por si só? Além disso, o próprio Tenente já estava ali, então seu inimigo também já havia sido derrotado!

    Apesar de chocado, o homem de cavanhaque, ex-Vice-Líder da Guilda Valorosos, não parecia satisfeito.

    “Tenente, isso é loucura, deixar o Sargento lutar sozinho… Mesmo em grupo nós tivemos baixas!”

    Quando o homem falou isso, pela primeira vez, a expressão de Fernando mudou. Então olhou na direção deles, franzindo as sobrancelhas, os observando.

    “O Cabo Pietro?” falou, ao sentir a falta de apenas uma pessoa.

    Lenny e os outros tinham expressões apáticas e, ao mesmo tempo, surpresas por Fernando lembrar-se do homem com tanta facilidade.

    “Tenente, seu plano maluco já nos rendeu uma vítima, isso é suficiente!” Trayan voltou a falar, com uma voz descontente.

    “Trayan, não diga isso, foi um acidente.” Lenny disse, com alguma hesitação.

    Quando Fernando ouviu isso, sua expressão ficou impassível. Então moveu sua perna, deixando-se cair do galho e pousando na terra macia. Depois disso, começou a caminhar em direção ao Oficial que tinha um cavanhaque, parando a poucos passos dele.

    “Me diga, sob qual Pelotão o Cabo Pietro servia?”

    O sujeito franziu a testa com a pergunta.

    “Tenent-”

    “Responda.” Fernando insistiu, olhando-o nos olhos.

    Apesar de um aparente incômodo, o homem respondeu:

    “Segundo Pelotão.”

    “E quem é o Oficial responsável pelo Segundo Pelotão?”

    Ouvindo isso, as mãos do sujeito tremeram e seus olhos desviaram para baixo. Com alguma hesitação, falou:

    “Eu, Oficial Trayan Pahlavi, senhor.”

    Fernando ficou em silêncio por alguns segundos, observando-o.

    “Se ele morreu, você, como seu superior direto, é o responsável.”

    “Tenente, isso…” Lenny, que estava ao lado, reuniu alguma coragem e estava prestes a dizer algo em defesa de seu amigo, mas Fernando o ignorou.

    “Mas você não está completamente errado.” disse, desviando o olhar do homem e voltando-se para a luta de Thom com o Ciclope. “Os que estão acima sempre são os responsáveis… Independente se o resultado for bom ou ruim, aqueles cujas vidas foram perdidas não voltarão. Você era o superior direto de Pietro, mas todos vocês são meus subordinados, logo o maior culpado sou eu.”

    Todos os Oficiais e Cabos que se juntaram ao Batalhão Zero em Belai ficaram surpresos com as palavras do Tenente. A maioria das pessoas em altos cargos costumavam assumir toda a glória das conquistas, mas esquivavam-se de quaisquer responsabilidades negativas. Então ver alguém em uma alta patente assumir a culpa por algo era raro de se ver.

    Apenas os membros mais antigos não pareciam surpresos com suas palavras, pois já conheciam o modo de pensar do Fernando. Mesmo que aparentasse não se importar com a maioria das coisas, suas ações diziam o contrário. 

    “Isso vale para mim, para Trayan e para todos aqui. Vocês compõem a cadeia de comando do Batalhão Zero e exercem funções de liderança. As baixas daqueles sob vocês, é sua responsabilidade, assim como caso qualquer um de vocês e abaixo caiam em batalha, eu assumirei a responsabilidade por isso. Essa é uma culpa que nenhum de nós podemos fugir ou se esconder, tenham isso em mente!” disse, com uma voz firme.

    Todos ficaram em silêncio ao ouvirem as palavras de Fernando. Muitos entenderam o significado oculto em sua fala. Era, em suma, um aviso, um alerta, para que não esquecessem que mesmo que estejam em altos cargos no futuro, não deveriam desprezar a vida daqueles abaixo deles. Pelo contrário, deveriam arcar com o fardo das perdas.

    “Mas saibam de uma coisa, independente do que acontecer, enquanto eu, Fernando, estiver vivo, serei o alicerce de vocês e não irei deixá-los desamparados, seja na vida ou na morte…” disse, com um rosto inexpressivo, enquanto observava a luta.

    “Oficial Trayan.”

    “Senhor.” O homem de cavanhaque falou, com uma expressão muito mais amena que antes.

    Inicialmente, ele estava com raiva de Fernando por perder um companheiro próximo em um plano tão absurdo. Mas ao parar para pensar, depois das palavras do jovem, percebeu que só estava tentando achar alguém a quem culpar.

    Em termos de eficiência, a estratégia do rapaz, por mais louca que soasse, havia sido efetiva. Eles haviam neutralizado a ameaça com apenas uma baixa. Se eles tivessem trazido mais pessoas, tudo teria se tornado uma confusão e a quantidade de mortes poderia ser maior. Além de que, a presença de muitos talvez atraísse outros monstros nas redondezas.

    “O Cabo Pietro tem algum familiar?”

    O homem parou por um momento, então após pensar em algo, respondeu:

    “Sim, ele tem uma esposa em Belai, mas sem filhos.”

    Ouvindo isso, Fernando assentiu.

    “Providencie a indenização à esposa.”

    “Entendido, senhor!”

    Todos os novos membros da cadeia de comando, que não conheciam bem o rapaz por não terem tanto contato, o olharam sob uma nova perspectiva. Ao contrário do que se esperava de alguém de sua idade, que seria inconsequente e irresponsável, o mesmo demonstrava meticulosidade em cada uma de suas ações e uma certa sensibilidade emocional para com eles.

    “E quanto ao Sargento Thomas, já está na hora…” falou, com uma voz calma. Após isso, encheu os pulmões de ar. “Acabe com isso de uma vez!”

    A voz de Fernando ecoou pela mata. Só então Thom, que estava totalmente focado no Ciclope, percebeu o grupo o observando sob a sombra das árvores.

    Ao enxergar o Tenente com um rosto calmo, e vê-lo assentindo, imediatamente entendeu o que ele quis dizer.

    A expressão de rapaz mudou, então com um movimento, dispersou o Escudo de Fogo, afastando-se do Ciclope.

    A criatura, ao ver o obstáculo desaparecer, rapidamente avançou, esticando o único braço que lhe restara. Sua boca estava cheia de baba, enquanto olhava para aquele pequeno homem, que o machucou tanto e o fez gastar tanta energia. Para o Ciclope, sua frustração só acabaria após devorá-lo!

    “Você perguntou porque eu não o ajudei, Oficial Trayan, e a resposta é bem simples. Apenas em termos de domínio e poder com Magias de Fogo, o Sargento Thomas de Luca, o Assassino das Chamas, é muito superior a mim.” disse, sorrindo levemente.

    Muitos ficaram surpresos com as palavras do Tenente. Eles já haviam visto suas Magias de Fogo uma ou outra vez e não sentiram que Thom era melhor que ele. Mesmo que o sujeito tivesse adquirido alguma fama durante a batalha de Belai, alguns imaginaram que era apenas uma conquista conseguida com sorte.

    Mas o mais surpreendente era ver um comandante admitir tão abertamente que alguém sob ele era melhor que o próprio em algum aspecto, isso era quase que um tabu no meio militar das Legiões. Não só a maioria dos líderes não admitiria isso, como até tentariam suprimir a fama de alguém talentoso. Mas Fernando não só não o fez, como até mesmo fazia questão de elogiá-lo na frente de todos.

    Após as palavras de seu líder, Thom não mais fugiu ou se defendeu, pelo contrário, manteve-se numa distância constante de sete metros do Ciclope, sem permitir que a criatura se afastasse ou chegasse mais perto.

    Mesmo não sendo alguém adepto do combate corpo-a-corpo, seus passos ágeis e precisos mostravam que ele também não era alguém simples.

    Em sua mão direita, uma pequena chama começou a brilhar. Era tão pequena e fraca que mal era visível.

    “Ele vai atacar com aquilo? Isso nem vai arranhar o Ciclope!” Um dos Cabos disse, incrédulo.

    Apesar de não dizerem nada, os outros concordaram, inclusive Trayan. Mas vendo a tranquilidade de Fernando, o sujeito não pôde evitar voltar sua atenção para a luta, tentando entender o motivo de sua confiança.

    De repente, Thom fechou, mas não completamente, a mão direita, ‘esmagando’ a chama em sua palma. Bem no centro, entre seus dedos, a chama se esticou, formando uma linha fina.

    Kii!

    Como se fosse o canto de um pássaro, a estranha chama, na palma do Sargento, tiniu, então sua cor mudou de um laranja comum, para um vermelho intenso e rubro. Mesmo a distância, seu brilho era notável.

    Antes que alguém pudesse dizer algo, Thom levantou a mão e se virou, arremessando a fina agulha rubro de fogo em direção a cabeça do Ciclope.

    A criatura, mesmo não sendo inteligente, sentiu-se ameaçada, então levantou o único braço que lhe restava, protegendo seu rosto, e parou seus passos. No entanto, o que aconteceu a seguir fez com que as pessoas no local prendessem a respiração.

    Kii! Swish!

    Todos observaram o Ciclope parado no lugar, com a mão levantada, porém não havia qualquer sinal do ataque que havia sido arremessado.

    “Falhou?” Um dos Cabos perguntou.

    “Não, ele acertou em cheio.” Kelly, que não estava muito atrás, disse, com uma expressão surpresa.

    BOOM! Crack! Bang!

    De repente, o grande Ciclope desabou no chão, seu corpo estava completamente sem vida. E do outro lado, no alto das árvores, um rastro de fogo acendeu-se, com uma enorme árvore caindo em chamas.

    “O-o que foi isso?” Lenny falou, estupefato.

    Thom, que viu a criatura cair na frente de seus pés, deu um leve suspiro. Todo seu corpo estava suando e sua mão direita tremendo, enquanto seu rosto estava pálido.

    Então, o rapaz virou-se, caminhando em direção ao grupo, parando na frente de Fernando e ajoelhando-se, com uma saudação militar.

    “Missão cumprida, Tenente.” disse, erguendo seu rosto.

    Naquele momento, naquela hora, todos entenderam o porquê desse jovem, que não parecia ter nada de especial, ter sido nomeado Sargento mesmo tendo vários outros ‘monstros’ no Batalhão. E mais importante que isso, compreenderam porque ele era chamado de Thomas De Luca, o Assassino das Chamas.

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