Capítulo 28: O Peso do Tempo
Acordei com a luz do sol invadindo meu quarto pelas frestas da cortina. Pisquei, tentando me situar. O som abafado de risadas e conversas fluía da sala de estar. Por um segundo, pensei que ainda estava sonhando, mas logo me lembrei que hoje era sábado. Fim de semana.
Levantei-me, ainda sonolento, e ao descer as escadas, me deparei com a cena, de certa forma familiar, mas ao mesmo tempo, inesperada.
Kaori estava sentada no sofá, brincando com Hana, que ria alto. Aquela cena já parecia parte da minha rotina, como se a presença de Kaori aqui fosse a coisa mais normal do mundo.
— Kaori? — perguntei, esfregando os olhos. — O que você está fazendo aqui?
Ela virou-se para mim, um sorriso travesso nos lábios. Como sempre, parecia confortável, despreocupada.
— Ué, você me deixou voltar, não foi? — disse ela, passando a mão pelos cabelos de Hana, que continuava rindo. — Falei que ia brincar com a Hana de novo.
Balancei a cabeça, tentando lembrar. Sim, eu havia permitido, mas será que era só por isso? Havia algo a mais em sua expressão, algo que me deixava desconfiado.
— Você veio aqui só por isso? — perguntei, arqueando uma sobrancelha.
Ela me olhou como se eu tivesse acabado de dizer a coisa mais óbvia do mundo.
— Claro que não! Eu disse que ia te ajudar com sua história, lembra? — Ela se levantou, cruzando os braços. — Temos que derrotar aquele Rui Adagi!
— Ryuuji Akagi.
A memória voltou com força. Ela realmente tinha dito isso na nossa última caminhada até a escola.
Suspirei, sabendo que não tinha como fugir.
— Tá tá, vem pro meu quarto logo. — Respondi, me virando e indicando que ela me seguisse até o quarto.
Enquanto caminhávamos, eu percebi o quanto aquele gesto, de deixá-la entrar no meu espaço pessoal, era íntimo de alguma forma. Não só porque era meu quarto, mas porque abrir aquele espaço para alguém, deixar que vissem quem você é, me deixava um pouco desconfortável.
Kaori olhou ao redor assim que entrou e seus olhos se arregalaram, como se estivesse descobrindo um novo mundo.
— Uau… então é assim que o quarto de um garoto é? — Ela riu, observando cada detalhe, desde os pôsteres nas paredes até os cadernos amontoados em um canto.
Fiquei um pouco envergonhado, tentando não dar muita importância ao comentário.
— Vamos logo ao trabalho — murmurei, tentando desviar o foco.
Ela, no entanto, parecia tranquila, sem pressa.
— Calma, Shin. Ainda temos tempo. Não precisa ser tão ansioso. — Ela riu, mas havia um tom suave na sua voz, como se quisesse me tranquilizar.
Olhei para ela, sentindo um nó de frustração no peito.
— Na verdade, eu não tenho tempo. — As palavras saíram antes que eu pudesse pensar, carregadas de uma urgência que eu mesmo não esperava.
Kaori me encarou, surpresa pela minha seriedade.
— Hm? O que você quer dizer com isso? — ela perguntou, sua voz agora mais suave, mais curiosa.
Respirei fundo, tentando explicar.
— Enquanto eu estiver relaxando, Ryuuji vai ficar ainda melhor. Se eu não me esforçar agora, nunca vou alcançá-lo. — Minhas palavras saíram rápidas, mas honestas. Eu estava realmente preocupado com isso.
Ela piscou, surpresa, antes de dar uma risadinha.
— Nossa, Shin… você leva isso mais a sério do que eu imaginava. — Ela me olhou com um novo brilho nos olhos, como se estivesse redescobrindo uma parte de mim.
— Eu só… preciso melhorar — respondi, sem conseguir esconder a intensidade do que sentia.
Kaori sorriu, mas seu olhar estava diferente. Talvez ela tivesse entendido, de verdade, o que aquilo significava para mim.
— Tudo bem. Vamos começar, então! — Ela puxou uma cadeira e se sentou ao meu lado.
Passamos um tempo revisando o texto e discutindo algumas ideias. Parecia que estávamos fazendo progresso, mas logo encontramos um ponto problemático. Kaori franziu a testa, passando os olhos pela mesma frase várias vezes.
— Isso aqui… não está funcionando. Tá faltando alguma coisa. — Ela mordeu o lábio, pensativa.
Eu também não tinha ideia de como resolver. Estávamos empacados, e a frustração começou a se acumular.
— E agora? — perguntei, sentindo a pressão aumentar.
Kaori pegou o celular, discou rapidamente e, alguns minutos depois, virou-se para mim com um sorriso.
— Chamei reforços. Taro, Mai e Rintarou estão vindo para ajudar! Ah, mas Takumi não vem, ele disse que estava ocupado.
Fiquei surpreso. Amigos sempre são bem-vindos, mas eu… estava realmente precisando de ajuda? Minha mente tentou resistir à ideia. Eu deveria ser capaz de resolver isso sozinho, não deveria?
— Sério? — perguntei, meio chocado.
Ela assentiu, sorrindo. Eu poderia ter recusado, insistido que resolveria sozinho, mas naquele momento, senti um certo alívio. Talvez eu realmente precisasse de ajuda. Talvez, com eles por perto, tudo ficasse mais fácil.
Não demorou muito para que eles chegassem. O som de passos rápidos ecoou pelo corredor, seguidos de uma risada alta. A porta se abriu e Mai foi a primeira a entrar, seus cabelos escuros balançando enquanto ela se abaixava para cumprimentar Hana.
— Ah, meu Deus, você é tão fofa! — disse ela, seu olhar iluminado.
Logo atrás, Rintarou cumprimentava minha mãe com a formalidade de sempre, enquanto Taro, meio bocejando, mal conseguia manter os olhos abertos.
— Não dá vontade de apertar essas bochechas? — Kaori brincou, rindo ao lado de Mai.
Hana ficou vermelha, mas parecia gostar da atenção.
— Vamos para o quarto, então — disse eu, guiando o grupo.
— Shin, sua irmã é uma graça, sabia? Acho que ela é a coisa mais fofa que já vi na vida.
Kaori concordou animadamente.
— Verdade, ela é um amor!
Enquanto isso, Taro já tinha encontrado minha cama e, sem cerimônia, se jogou nela, começando a roncar quase instantaneamente. Todos o encararam com uma expressão de incredulidade.
— Fala sério… — murmurei.
Rintarou, sempre focado, não perdeu tempo e foi direto ao ponto.
— Então, qual é o problema?
Kaori me lançou um olhar, indicando que eu explicasse a situação. Mostrei a eles a parte da história em que estávamos presos, a passagem problemática que não fazia sentido. Todos começaram a ler em silêncio, cada um deles parecia perdido em seus próprios pensamentos.
Mai leu com cuidado, sua expressão concentrada. Ela parecia estar tentando encontrar uma solução, mas não parecia muito confiante.
— Hmm… e se a gente… — Ela começou a falar, mas logo hesitou. — Não, esquece, isso não faz sentido.
Rintarou, que normalmente parecia ter uma solução para tudo, também estava pensativo, e até ele parecia ter dificuldade com o problema.
— Talvez se mudarmos a dinâmica entre os personagens, isso resolva — sugeriu ele, mas sem muita confiança.
Cada frase que lia parecia pior que a anterior. Quanto mais eu tentava, mais parecia que tudo desmoronava. Era frustrante. Eu deveria ser capaz de escrever algo decente, mas toda vez que lia o texto, sentia que faltava algo. Algo que eu não sabia como encontrar.
— É complicado. Talvez se a gente ajustar o início do conflito, a resolução venha mais fácil — sugeriu Rintarou, ainda sem muita certeza.
Enquanto todos estavam mergulhados em pensamentos, Taro, ainda deitado na minha cama, murmurou:
— E se você… mudar a motivação do personagem secundário? Isso resolveria o conflito. — Ele virou de lado e voltou a dormir.
Houve uma pausa. Todos ficaram em silêncio, processando o que ele disse. E então, Kaori sorriu.
— Espera… ele está certo. Isso resolve tudo!
O choque tomou conta de nós. Quem diria que Taro, dormindo, teria a resposta?
— Como é que ele consegue pensar nisso enquanto dorme? — perguntei, ainda processando a sugestão.
Eu ri também, me sentindo um pouco mais leve. Talvez aquele momento de descontração fosse exatamente o que precisávamos. A pressão que eu estava sentindo diminuía aos poucos, substituída por uma sensação de companheirismo.
Foi então que a porta do meu quarto se abriu devagar, e Hana apareceu carregando uma bandeja cheia de sucos e lanches.
— Fiz para vocês! — disse ela, com um sorriso radiante. — Estão trabalhando duro, então achei que iam gostar de uma pausa.
Mai foi a primeira a reagir, seus olhos brilhando.
— Hana, você é um anjo! — disse, levantando-se para pegar um dos sucos. — Como pode ser tão fofa?
Kaori também se aproximou, pegando um copo e rindo.
— A Mai tem razão, Hana. Você é um amor! — Ela deu um pequeno gole no suco, fechando os olhos como se estivesse saboreando o melhor drink do mundo. — E seu suco é perfeito, sério!
Hana corou um pouco, claramente gostando da atenção, enquanto todos pegavam algo da bandeja. Até Rintarou, que raramente demonstrava entusiasmo, sorriu de canto ao pegar um biscoito.
— Obrigado — disse ele, com sua voz séria, mas gentil.
Eu observei a cena, sentindo uma onda de calma se espalhar pelo quarto. Era incrível como um simples gesto da minha irmã conseguiu transformar o clima. Mesmo que estivéssemos todos ali para trabalhar, aquele momento parecia um respiro necessário.
Um lembrete de que, às vezes, é preciso parar e aproveitar as pequenas coisas.
— Bom, agora que estamos recarregados… — comecei, terminando o suco e me levantando. — Vamos voltar ao trabalho.
Todos voltaram aos seus lugares, prontos para enfrentar os próximos desafios da história. O ar de descontração ainda pairava, mas logo foi substituído pela concentração. As ideias começaram a fluir novamente, e logo estávamos mergulhados na trama.
Conforme discutíamos e ajustávamos os detalhes, eu percebia como cada um contribuía de forma única. Mai sempre enxergava os sentimentos dos personagens de forma profunda, enquanto Kaori trazia um olhar criativo e fora da caixa. Rintarou, metódico como sempre, fazia análises precisas, enquanto Taro, entre um cochilo e outro, conseguia surpreender com soluções que ninguém mais havia pensado.
Mesmo com os problemas que surgiam, o clima era de colaboração. A competição com Ryuuji continuava a me pressionar, mas de uma maneira diferente agora. Eu não estava mais sozinho na minha jornada. Tinha pessoas ao meu lado, dispostas a ajudar. Isso não significava que a pressão desaparecesse — longe disso. Mas, de algum modo, ela parecia mais fácil de suportar.
Depois de mais algumas horas de trabalho intenso, o sol já começava a se pôr, lançando tons alaranjados pela janela do meu quarto. Todos estavam cansados, mas satisfeitos com o progresso.
— Acho que por hoje está bom — disse Kaori, se espreguiçando. — Fizemos muito.
Mai concordou, esfregando os olhos.
— Eu também estou esgotada. Mas foi produtivo!
Rintarou apenas assentiu, já recolhendo suas anotações, enquanto Taro… bem, ele continuava dormindo, como se todo aquele tempo de trabalho não tivesse passado para ele.
Olhei para todos, sentindo um misto de gratidão e alívio. Eles estavam ao meu lado, não apenas me ajudando com a história, mas também me dando suporte emocional, mesmo sem perceber.
— Obrigado, pessoal — disse, minha voz saindo mais baixa do que o normal. — Vocês realmente me ajudaram muito hoje.
Kaori sorriu para mim, aquele sorriso que sempre parecia saber mais do que eu.
— Você não está sozinho, Shin. Vamos enfrentar isso juntos, ok?
Eu assenti, sentindo uma nova onda de determinação crescer dentro de mim. Ryuuji ainda era um obstáculo, mas agora eu sabia que tinha o que precisava para enfrentá-lo. Com amigos como esses, talvez eu não precisasse carregar todo o peso sozinho.
A jornada para melhorar ainda era longa, mas, com eles ao meu lado, eu sentia que poderia ir mais longe do que jamais imaginei.