Capítulo 17: O Vazio de um Caçador.
Com o Wendigo guiando pela densa e enigmática Floresta Perdida, a trilha que Renier e Aura seguiam se tornou mais eficiente, mas não menos perigosa. Chegar ao local onde o primeiro pilar dessa floresta reside ainda seria uma jornada árdua.
A criatura caminhava à frente, imponente em sua forma grotesca: um corpo alto e esquelético, com a pele tão esticada que parecia rasgar em alguns pontos. O enorme crânio de cervo, adornado por chifres retorcidos, conferia-lhe uma aura quase sobrenatural, perfeita para se fundir à vegetação sombria que os cercava.
Aura mantinha-se vigilante. Não estava nem um pouco confortável com um monstro os guiando, sua katana firme nas mãos, pronta para qualquer movimento suspeito. Seus olhos seguiam cada passo do Wendigo, desconfiados e hostis.
Renier, por outro lado, parecia tranquilo. Havia algo na situação que atiçava sua curiosidade, fazendo-o acelerar os passos até ficar lado a lado com a criatura.
Com um sorriso despreocupado, Renier fitou o Wendigo, ainda que seus olhos não pudessem atravessar as profundas e vazias fendas do crânio.
— Ei, pode me contar um pouco sobre você? — perguntou ele, com genuíno interesse.
A criatura permaneceu em silêncio por um momento, intrigada com a calma quase desafiadora daquele garoto.
— Você já ouviu antes… — começou o Wendigo, com sua voz rouca e arrastada. — Nós somos assassinos. O gosto da carne e o desejo insaciável nos guiam. Uma fome eterna, um vazio que nunca se preenche.
Renier ouviu atentamente, seus olhos brilhando com uma curiosidade quase infantil. Ele desviou o olhar para a trilha à frente, refletindo sobre as palavras.
— Um vazio… — murmurou, como se provasse a palavra em seus próprios pensamentos. Essa ideia, esse sentimento, parecia persegui-lo de diferentes formas, vindo de tantos seres distintos.
Sem pressa, ele abaixou levemente a foice que carregava.
— E você? — indagou, sua voz suave e inquisitiva. — Como tenta preencher esse vazio?
A pergunta pairou no ar, inesperada. O Wendigo hesitou. Era algo que nunca havia considerado.
— Nós… comemos. Tentamos nos satisfazer. — A voz da criatura parecia vacilar, como se a resposta, antes tão óbvia, de repente lhe escapasse. — Mas o gosto do sangue… não é prazeroso.
Renier continuou observando-a, sem pressa de responder, permitindo que suas palavras ressoassem na mente do Wendigo. Algo no tom dele a desconcertava, como se, pela primeira vez, ela própria fosse forçada a encarar sua existência.
— Aos meu ver, você procura se libertar de algo que tanto tenta preencher… — disse Renier, com uma certa calma. — Você não come para viver, você come para se soltar, uma liberdade que você tanto deseja ao consumir a carne, o calor que os outros seres tem, estou certo?
Isso pegou a criatura desprevenida, Renier havia acertado profundamente em algo que nem mesmo ela se dava conta. — Eu procuro me libertar desse ciclo… — murmurou o Wendigo pensando a respeito.
Aura observando isso pelas costas dos dois, ficou pensativa a respeito de Renier. “Parece que Renier, já tem seus próprios meios de resolver as coisas, espero que ele não esteja errado”, disse ela, não negando a curiosidade em saber qual era o objetivo de Renier em tentar ser amigável com uma criatura como aquela.
Renier parou abruptamente, seus passos cessando de forma tão repentina que o Wendigo o imitou, inclinando levemente a cabeça em curiosidade. Aura, distraída e caminhando logo atrás, não conseguiu frear a tempo e acabou batendo nas costas de Renier.
— O que… O que foi? — perguntou ela. — Mas que… Por que parou assim? — reclamou ela, esfregando o nariz com uma careta de dor.
Renier não respondeu de imediato. Seus olhos se estreitaram enquanto erguia a foice, segurando-a em uma postura de ataque. Sua voz saiu baixa, mas carregada de urgência.
— Não estamos sozinhos… — sussurrou ele.
As palavras gelaram o ar ao redor. O Wendigo enrijeceu suas garras flexionando enquanto seu corpo se inclinava levemente para frente, atento. Aura reagiu rapidamente, girando para cobrir as costas de Renier. Encostou-se de leve nele, sua katana erguida em posição defensiva, os olhos varrendo os arredores.
— Estou de olho em tudo. — murmurou Aura, sua voz calculada e firme.
O Wendigo, assumindo sua postura de predador, farejou o ar profundamente, seus sentidos apurados tentando captar qualquer ameaça. Após alguns segundos, ele falou com frustração.
— Nada… Não há presença alguma.
Aura, sem encontrar sinais de perigo, relaxou os ombros por um breve instante e lançou um olhar impaciente a Renier.
— Você tem certeza? Não está imaginando coisas?
Renier permaneceu em silêncio, os olhos fixos em algo invisível na vegetação escura. Seus dedos apertaram o cabo da foice. De repente, sua voz ecoou como um trovão, baixa, mas carregada de urgência.
— Para o lado! Vocês duas agora! — gritou Renier.
Sem hesitar, todos pularam em direções opostas, dispersando-se pelo terreno. No mesmo instante, um som aterrorizante rasgou o silêncio, como madeira quebrando e folhas se partindo. Um monstro colossal caiu das copas das árvores, sacudindo o solo com seu impacto.
A criatura era imensa, sua silhueta deformada lembrando o tronco de uma árvore antiga e retorcida. Seu corpo era coberto por folhas mortas, secas e apodrecidas que caíam com cada movimento. Seu rosto, se é que podia ser chamado assim, era uma máscara de escuridão. No vazio absoluto, quatro olhos vermelhos brilhavam de forma sinistra, como chamas vivas.
— O que é isso? — murmurou Aura, estreitando os olhos enquanto se ajustava à nova ameaça.
O Wendigo rosnou baixo, como um animal acuado. Sua voz saiu grave e séria:
— Um Pesadelo. Eles são impossíveis de matar. Nem mesmo esta forma que vemos é real.
Renier arqueou uma sobrancelha, seu olhar fixo nos olhos ardentes da criatura. Um sorriso provocador surgiu em seu rosto.
— Então ele se diverte brincando com o medo das suas presas? — Sua voz tinha um tom quase divertido. — Essa aparência é só um teatro barato pra assustar.
Aura riu de canto, seus olhos avaliando o monstro de cima a baixo.
— Bom, se é pra assustar, ele está fazendo um péssimo trabalho. Não sinto nada olhando pra essa coisa patética.
Renier, entretanto, manteve o foco. Algo estava fora do lugar. Seus olhos captaram a hesitação sutil no Wendigo, algo que não era comum.
— Ele não está tentando nos assustar, Aura. — Renier disse, sua voz se tornando fria e analítica. — Ele está mirando no Wendigo. Para ele, nós não somos uma ameaça. O predador aqui… é ela.
O Pesadelo avançou lentamente, cada movimento exalando malícia e intenção calculada, enquanto Renier ajustava sua postura, pronto para a batalha. Renier entendeu que o Wendigo aqui era o predador, então alguém seria o predador dela, e muito provavelmente era esse monstro, sua preocupação não nós os notaria até derrubar o Wendigo.
Continua…
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