Capítulo 25: A Penumbra em Uma Casa Agitada
A poeira das ruas da Cidade Fronteira subia levemente com o movimento das pessoas, enquanto Renier, Aura, Malo e Anastasia seguiam em direção à modesta casa da mulher. O céu começava a escurecer, anunciando o fim de mais um dia, e o ambiente parecia carregado com uma tensão que só aqueles atentos à iminência do Dia do Demônio poderiam perceber.
Renier andava ao lado de Anastasia, segurando sua mão com firmeza e delicadeza. Os passos dela eram cuidadosos, mas desajeitados, e a forma como ela confiava na condução de Renier mostrava o quanto a cegueira havia mudado sua vida. Ele observava os arredores com atenção, seus olhos carregados de experiência.
— Você é muito gentil, — disse Anastasia com um leve sorriso no rosto. — Nem todos teriam paciência para ajudar alguém como eu.
— Não é questão de paciência, — respondeu Renier, desviando de uma pedra no caminho para guiar Anastasia. — A gentileza deve ser o mínimo para qualquer um. Ainda mais em tempos como esses.
Aura, que caminhava logo atrás com Malo, observava a interação com uma mistura de curiosidade e satisfação. Embora fosse dura em sua postura, ela não podia negar que Renier possuía um talento natural para conquistar a confiança das pessoas.
— Vocês têm algum motivo especial para estarem aqui na Cidade Fronteira? — perguntou Anastasia de repente, sua voz serena, mas carregada de uma urgência que não combinava com sua expressão calma.
Aura trocou um olhar breve com Renier, que não respondeu de imediato. Ambos sabiam o que se aproximava: o Dia do Demônio e os horrores que ele traria consigo. O silêncio de Renier indicava que ele ponderava o que dizer, mas foi Aura quem tomou a dianteira.
— Estamos só de passagem, — disse ela com sua voz firme e direta. — Mas, por pedido do Renier, ajudaremos no que pudermos. Inclusive contra os monstros, se necessário.
Anastasia acenou com a cabeça, parecendo aliviada com a resposta, embora não dissesse mais nada por um momento.
Enquanto isso, Malo caminhava ao lado, com a cauda felpuda abanando suavemente. Ela olhou para Anastasia com seus olhos grandes e curiosos, e perguntou com entusiasmo infantil. — Você tinha dito que tem uma filha, não é? Como ela é?
Anastasia sorriu, dessa vez mais abertamente. — Tenho, sim. O nome dela é Anny. Ela tem 10 anos. — Sua voz tinha um toque de orgulho, mas também um cansaço que revelava as dificuldades que enfrentava. — Ela é enérgica, às vezes até demais. Tem uma língua afiada, mas é uma boa garota.
Aura não perdeu a chance de retrucar. — Conheço alguém com essas características… — Disse enquanto lançava um olhar provocativo a Renier.
Renier ergueu uma sobrancelha, mas não pôde evitar um sorriso discreto. — Não posso negar. Acho que sou igual em boa parte. — Ele riu baixinho, o som leve, mas genuíno.
A atmosfera do grupo se tornou um pouco mais leve com a interação. Mesmo com o peso do que estava por vir, aquela caminhada até a casa de Anastasia parecia um breve momento de normalidade em um mundo constantemente ameaçado pelas trevas.
Ao se aproximarem da casa, uma construção simples, mas acolhedora, Renier olhou para o céu mais uma vez. O crepúsculo trazia consigo um presságio sombrio, mas ele sabia que ainda havia tempo para garantir que, pelo menos ali, naquele canto do mundo, algo de bom pudesse surgir.
A casa de Anastasia surgiu diante deles como um pequeno refúgio em meio à cidade medieval. O pedregulho da base estava desgastado pelo tempo, mas ainda firme, enquanto a madeira clara de carvalho das paredes era detalhada com pequenos entalhes que davam um toque acolhedor à construção. A porta rústica, de madeira escura, parecia sólida e convidativa.
— Você tem uma casa adorável, — comentou Renier, admirando os detalhes enquanto ajudava Anastasia a se posicionar diante da porta.
Anastasia sorriu, apertando levemente a mão dele em um gesto de afeição. — Obrigada. Não consigo ver, mas todos dizem que é simples. Ouvir algo positivo sobre ela me anima.
Renier devolveu o sorriso com uma calma que era quase reconfortante. Aura e Malo, paradas logo atrás, observavam o breve momento de interação, mas sem interrompê-lo.
Anastasia, então, virou o rosto levemente em direção ao grupo. — Está começando a anoitecer… É melhor entrarmos. O frio não é o único problema. — Sua voz assumiu um tom sério. — Os soldados da cidade estão em alerta. Depois que o toque de recolher começa, qualquer um que esteja nas ruas durante a penumbra e não for identificado será tratado como hostil… ou pior, como um monstro. Eles não hesitam em prender ou até matar, se julgarem necessário.
Aura cruzou os braços, incomodada. — Que tipo de política é essa? Tratar pessoas como monstros apenas porque estão atrasadas para entrar em casa?
— Não é só paranoia, — comentou Renier, observando a rua escurecendo lentamente. — Com o Dia do Demônio se aproximando, monstros podem realmente se misturar. É uma forma de tentar manter a cidade segura, mesmo que seja extrema.
Sem mais discussões, eles atenderam ao pedido de Anastasia e entraram. Renier abriu a porta com cuidado, revelando um interior simples, mas muito bem cuidado. O aroma floral invadiu seus sentidos, vindo dos diversos vasos espalhados pelo espaço. A luz suave das lamparinas criava uma atmosfera quente, em contraste com o mundo frio e cruel lá fora.
— Anny! — chamou Anastasia com uma doçura típica de mãe.
O som de passos apressados ecoou pela escada de madeira, e uma garota loira surgiu correndo com um manto vermelho cobrindo suas roupas simples. Seus olhos azuis brilharam ao ver a mãe, mas logo desviaram para Renier. Algo na presença do rapaz pareceu prender sua atenção.
— Então minha mãe trouxe um amante bem jovem para casa? — disse Anny com um sorriso provocativo, cruzando os braços enquanto observava a cena.
Aura não conteve uma risada baixa e maliciosa, enquanto Malo olhava confusa. — O que é um amante? — perguntou ela, balançando a cauda com inocência.
Anastasia, visivelmente nervosa, levou a mão ao rosto, tentando conter o constrangimento. — Anny, não seja indelicada! Ele é só um jovem que me ajudou. Não tem nada entre nós… — Ela fez uma pausa antes de completar, meio sussurrando. — Ainda não.
Renier arqueou uma sobrancelha, o pensamento confuso. Ainda não? Ele balançou a cabeça discretamente, preferindo não comentar.
Enquanto isso, Anny desviou o olhar para Malo, observando curiosa o crânio que cobria parte do rosto da garota e o corpo felpudo que mal escondia sua origem. — Você é adorável! Mas… o que você é?
Malo sorriu, revelando a ingenuidade em sua voz. — Sou um Wendigo.
O rosto de Anny congelou, e Anastasia recuou um passo, visivelmente chocada. — Um Wendigo?! — Anny exclamou. — Mas… Wendigos são monstros sanguinários, sem controle! Isso é impossível!
Malo, ainda sorrindo com calma, respondeu com serenidade: — Eu era assim um dia. Mas Renier me ajudou a mudar minha vida. Agora, faço tudo o que posso para retribuir.
O choque nos olhos de Anastasia e Anny foi substituído por incredulidade e, talvez, um pouco de respeito. Anastasia respirou fundo, tentando assimilar a ideia.
Aura, por outro lado, não perdeu a oportunidade de provocar Renier. Ela colocou o braço ao redor do ombro dele e sorriu com uma expressão maliciosa. — Você é bem… prestativo com as garotas, não é, Renier?
Renier desviou o olhar, o rosto ligeiramente corado. — Aura, por favor, cala a boca… — murmurou ele, visivelmente constrangido.
A risada de Aura ecoou pelo espaço, enquanto Anny olhava para eles com os olhos brilhando de curiosidade. Mesmo em meio ao clima tenso da cidade e ao perigo iminente, a casa de Anastasia parecia um pequeno porto de interação e calor humano.
Continua…
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