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    Renier aterrissou no solo com a mesma naturalidade de quem desce um degrau, segurando a maga cavaleira em seus braços. Quando seus pés tocaram o chão, ele a colocou delicadamente, quase com reverência.

    Lívia soltou um suspiro de dor, e Renier logo percebeu o ferimento no tornozelo dela.

    — Vai ficar bem? — perguntou ele, arqueando uma sobrancelha com uma leve preocupação.

    A maga hesitou, ainda processando tudo o que havia acontecido. Seu coração palpitava, e a adrenalina ainda pulsava em suas veias.

    — S-Sim… só preciso chegar à igreja. Lá, podem curar com magia de luz — respondeu ela, tentando recuperar a compostura, embora sua voz traísse a tensão.

    Renier abriu a boca para oferecer sua ajuda, mas antes que pudesse se mover, a ponta de uma lâmina roçou com precisão mortal em sua nuca.

    — Não se mova. Deixe a espada azul no chão e diga quem você é — ordenou uma voz firme, com a autoridade de quem não admite contestação.

    Renier não precisou virar-se. Já havia captado tudo: o tom de comando, o movimento exato, a ausência de hesitação. Soldado. Não qualquer soldado, mas alguém para quem a disciplina e o dever eram lei.

    Ele olhou de soslaio e a viu: uma mulher loira, armada com uma imponente armadura vermelha. Seus olhos verdes, penetrantes e frios, estavam fixos nele, avaliando-o com precisão cirúrgica.

    — Engraçado — murmurou Renier, esboçando um sorriso debochado. — Acabei de derrubar aquele Wivery com mais facilidade do que deveria, e ainda salvei uma de suas companheiras. E é assim que sou tratado?

    — Priscila, está tudo bem! — interveio Lívia, tentando se levantar, ainda tonta. — Ele é uma boa pessoa…

    Mas a loira não cedeu. Sua lâmina continuava implacável, como se soubesse que nem o menor movimento indevido poderia ser ignorado.

    — São as normas — respondeu ela, a voz firme como aço. — Ninguém derrubaria uma criatura daquelas com tanta facilidade. Agradeço por salvar meu soldado, mas você precisa se identificar. Caso contrário, será levado para as masmorras do Barão.

    Renier soltou uma risada baixa, desdenhosa, sem sequer olhar para ela. Seus olhos, por outro lado, estavam bem atentos aos soldados posicionados com arcos prontos, esperando qualquer sinal para disparar.

    Sem pressa, ele deixou a espada azul cair no chão com um movimento lento e deliberado.

    — Muito bem… — disse, erguendo as mãos em um gesto exagerado, como se estivesse se rendendo. — Sou apenas um simples mercador viajante. Renier Kanemoto, à sua disposição.

    Priscila estreitou os olhos, desconfiada.

    — Carrega muito pouca coisa para ser um mercador.

    Renier inclinou a cabeça de lado, observando-a com um ar de puro entretenimento.

    — Tudo o que eu possuía estava em uma carroça com meus cavalos. Mas quando um Wivery negro apareceu, eles fugiram para o lado oposto. Meus documentos, meus pertences, tudo foi com eles. Sozinho, não consegui alcançá-los.

    A cavaleira parecia ponderar a resposta. A história, embora improvável, encaixava com as informações recentes sobre um Wivery negro na região. Mas, por mais que parecesse verdadeira, ela não abaixaria completamente a guarda.

    — Hm. Pode ser que esteja dizendo a verdade… — murmurou, finalmente abaixando a espada, mas com os olhos ainda afiados.

    Renier cruzou os braços e sorriu com um toque de ironia.

    — Ótimo. Agora, por que não cuida da sua maga ferida ao invés de se preocupar comigo? Afinal, o monstro já foi abatido.

    Priscila lançou um olhar fulminante, mas sabia que ele estava certo. Com um gesto rápido, chamou alguns soldados.

    — Tragam uma carroça. Lívia e o… mercador vão para a cidade. Ele precisa de novos documentos. Eu mesma os acompanharei. E recolham o corpo do Wivery imediatamente.

    Os soldados obedeceram sem hesitar, e Priscila, embainhando a espada, deu um passo à frente. Seu olhar avaliou Renier uma última vez, antes de dizer, com uma pitada de relutância:

    — Obrigada por salvar Lívia.

    — Não tem de quê… — respondeu Renier, com um sorriso satisfeito, enquanto um pequeno mistério se formava nos recessos de sua mente.

    ✦—✵☽✧☾✵—✦

    A carroça balançava suavemente enquanto avançava pela estrada de terra, rumo à cidade. Sentado de um lado, Renier observava, com desinteresse calculado, o grupo de soldados desmontando o corpo do Wivery ao longe. Provavelmente, estavam cortando a criatura em pedaços para facilitar o transporte até a cidade. Um espetáculo brutal, mas nada que o surpreendesse.

    Ele desviou o olhar para o outro lado da carroça. Priscila e Lívia estavam sentadas frente a frente com ele. A maga cavaleira agora ostentava uma atadura em seu joelho, uma solução temporária até chegarem à igreja.

    Quebrando o silêncio, Renier ergueu uma sobrancelha e perguntou, sua voz carregada de um misto de curiosidade e sarcasmo:

    — Então… é comum essas criaturas atacarem assim, bem próximo de uma cidade humana?

    Priscila lançou-lhe um olhar tranquilo, mas sua resposta veio afiada como uma lâmina bem cuidada.

    — Se fosse comum, a cidade já estaria em ruínas.

    Renier sorriu de canto, como se apreciasse a resposta. Já Lívia, com um tom mais explicativo, acrescentou:

    — Há uma barreira ao redor do território, protegendo contra seres mágicos e monstros perigosos. Mas, ultimamente, alguns estão conseguindo atravessar… e ninguém sabe o motivo.

    Renier apoiou um braço no encosto da carroça, pensativo. O detalhe da barreira falhando adicionava um toque intrigante à situação. Algo ou alguém estava permitindo que essas criaturas passassem.

    — Engraçado — murmurou, retirando de trás da jaqueta escura um pequeno caderno surrado. — Passei por um forte abandonado há um tempo… e encontrei isso.

    Ele ergueu o diário do General Morales, balançando-o levemente antes de jogá-lo para Priscila. A cavaleira pegou o objeto com rapidez, o olhar imediatamente afiado com interesse.

    — Você conseguiu informações do forte? — A seriedade em sua voz contrastava com a expressão controlada. — Faz dez anos desde que o Barão Morales não envia relatórios…

    Lívia inclinou-se levemente para ver o diário e, após um instante, disse com sinceridade:

    — Essas informações são importantes. Obrigada por trazê-las, Renier. O forte ficava além das fronteiras da cidade, servindo de defesa contra os Lizardmans vermelhos. Eles estavam atacando com frequência…

    Nesse momento, um estalo passou pela mente de Renier. Ele se manteve impassível por fora, mas por dentro, a ficha caiu como um trovão silencioso.

    Então aqueles Lizardmans que ele havia exterminado estavam diretamente ligados aos humanos desse reino? Interessante… mas, obviamente, ele não iria mencionar que havia dizimado um exército inteiro deles.

    “Um dragão por dia está de bom tamanho”, pensou consigo, contendo um sorriso satisfeito.

    Continua…

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