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    Após a estabilização do núcleo do Labirinto pelas mãos de Renier, um silêncio sepulcral dominou os corredores soturnos daquele subterrâneo amaldiçoado. Em meio à penumbra, uma passagem se abriu, como se o próprio labirinto, agora domado, os concedesse liberdade.

    A escotilha de pedra revelou o caminho de volta à superfície, ao centro da cidade de Morales, onde tudo começou. Foi lá que a anomalia monstruosa havia desaparecido, e onde, ironicamente, a esperança renascia com o surgimento dos sobreviventes.

    Dos muitos que desceram, apenas dezessete voltaram à luz. Entre eles, Lívia, trêmula e coberta de fuligem, e a General Priscila, cuja armadura lascada não escondia sua autoridade intacta. Os dois grupos de soldados, os que emergiram do abismo e os que aguardavam na superfície, se encontraram com um silêncio reverente.

    O portão principal da cidade havia sido selado, impedindo civis de invadirem o caos. Lá fora, a cena era quase surreal: os rostos dos que saíam traziam o olhar vazio de quem havia caminhado pelo inferno… e voltado.

    Um dos soldados responsáveis pela segurança se aproximou das duas mulheres. Priscila, mesmo à beira do colapso, não permitiu descanso a si mesma. Seu tom foi firme, quase frio:

    — Relatório. Situação atual?

    O soldado engoliu seco e respondeu com disciplina:

    — General, até o momento, apenas vocês e os outros dezessete conseguiram emergir. Ninguém mais atravessou a passagem desde que ela surgiu.

    Lívia, até então em silêncio, sentiu o estômago virar.

    — Um garoto… — ela disse, os olhos varrendo a multidão com desespero. — Cabelos escuros, olhos azuis. Usava um traje elegante. Vocês o viram?

    O soldado apenas balançou a cabeça com pesar:

    — Não, senhorita. Ninguém com essas características passou por aqui. Lamento.

    A resposta do soldado caiu como um balde de gelo em Lívia. O peito dela apertou. Renier… ele ainda estava lá embaixo?

    Mas antes que o pânico se instalou de vez, os passos ecoaram na escadaria de pedra. Um som que parecia distante e irreal, até que se tornaram reais demais.

    Dos corredores sombrios do labirinto, um grupo emergiu: Renier à frente, exalando aquele ar despreocupado de quem desafia a morte por esporte, seguido de perto por Mila, envolta em sua armadura negra de Dullahan e com uma manta vermelha rasgada sobre os ombros, Lhian, Luna a pequena e misteriosa kitsune, e Liza, a imponente Lizardgirl.

    Por último, arrastando os pés e com expressão de puro desgosto, vinha o Vendedor de Escravos, forçado a acompanhar, claramente pela falta de coragem para protestar.

    Renier foi o primeiro a pôr os pés na superfície. Abriu um sorriso torto e lançou:

    — Podem deixar pra me matar depois, gente. Uma coisa de cada vez. — E com um aceno maroto, tranquilizou Lívia do outro lado da multidão.

    O coração da maga-cavaleira quase pulou pela boca. Sem pensar, impulsionada pela magia do vento e pela emoção represada, Lívia correu na direção dele e o abraçou com tanta força que os dois foram ao chão juntos.

    Renier arregalou os olhos, surpreso, mas não resistiu ao gesto.

    — Uau… acho que te deixei preocupada demais, né?

    — Eu pensei que…! — A voz dela falhou, quase num soluço. — Estou tão feliz que você voltou…

    Priscila, a general que raramente deixava escapar alguma emoção, suspirou fundo, colocando as mãos na cintura com aquele clássico olhar de superioridade.

    — Essa não é exatamente a postura de uma cavaleira, Lívia.

    Mas logo seus olhos se fixaram em outra figura: Mila, com a manta vermelha esvoaçando sobre a armadura escura. Priscila franziu o cenho.

    — Esse manto… Ele pertence ao mago da corte de Morales… Liam, não?

    Mila assentiu, sua voz firme, mas respeitosa:

    — Liam caiu com o grupo. Ele… se sacrificou. Foi por causa dele que conseguimos derrotar o chefe do labirinto.

    O choque foi imediato. Todos os soldados trocaram olhares tensos. Priscila engoliu em seco, tentando digerir o que acabara de ouvir.

    — Vocês enfrentaram… o Chefe do Labirinto? O guardião do núcleo!?

    Renier respondeu com um sorriso de canto de boca e um sinal de vitória:

    — Enfrentamos e vencemos.

    — Isso é insano… — murmurou Priscila, quase sem acreditar. — Nem mesmo um exército conseguiu isso…

    Lívia, ainda ao lado de Renier, olhou para ele com admiração nos olhos.

    — Eu sabia… Eu sabia que foi você quem mexeu no núcleo. A minha intuição não falhou.

    Renier soltou uma risadinha, coçando a nuca.

    — Bom… não vou dizer que foi fácil. Mas o crédito é do grupo. Se não fosse por eles, nada disso teria sido possível.

    Naquele momento, o sol começava a romper as nuvens sobre Morales, como se até o céu reconhecesse a vitória daquele grupo improvável. Mas nos olhos de Renier, havia algo mais, um peso que nem o sorriso conseguia esconder.

    A comemoração mal havia começado quando Priscila, sempre com o semblante firme de uma comandante experiente, se adiantou. Cruzou os braços, encarando Renier com a frieza de quem já vira horrores demais para se deixar levar pela euforia.

    — Não quero interromper esse momento… — disse ela, a voz séria, sem espaço para emoções — mas como profissional, preciso perguntar: o que exatamente aconteceu lá dentro?

    Renier abandonou o sorriso. Seu olhar escureceu. Com um gesto gentil, pediu que Lívia se levantasse, acompanhando-a em silêncio. Depois, virou-se para Priscila, o tom da voz carregado pelo peso da revelação.

    — O monstro que criou o labirinto e nos jogou lá dentro… era o mesmo descrito no diário do Barão Morales. Aquele que se isolou no forte ao leste da Barreira do Território.

    Priscila assentiu lentamente, os olhos apertados.

    — Era o que eu temia…

    Mas antes que ela pudesse continuar, Mila se adiantou, firme como uma parede de aço.

    — Precisamos notificar a Igreja da Deusa da Luz imediatamente. — Sua voz cortou o ar como uma espada. — Aquele monstro… ele se passava por um padre.

    O silêncio que se seguiu foi denso como névoa. Até mesmo o som dos ventos parecia ter cessado por um instante.

    Os olhos de Priscila se arregalaram. Os cavaleiros atrás dela trocaram olhares desconcertados. Era como se um abismo tivesse se aberto sob os pés deles.

    — Algo tão abominável… escondido bem debaixo dos nossos olhos… — murmurou Priscila, a mão indo instintivamente ao cabo da espada, como se estivesse tentando proteger algo que já havia sido violado.

    Foi então que Renier percebeu o movimento furtivo ao fundo.

    O Vendedor de Escravos.

    O desgraçado tentava se afastar, passo a passo, como uma barata fugindo da luz. Mas o destino tem um senso de humor sádico, ele deu de cara com a muralha chamada Liza. A Lizardgirl o bloqueou com um simples movimento, e ele caiu no chão com um baque seco.

    Renier nem pensou duas vezes.

    Caminhou até ele, agarrou o sujeito pela gola e o arrastou até jogá-lo aos pés de Priscila.

    — Não sei de tudo que aconteceu… — disse Renier, com a voz carregada de nojo. — Mas esse lixo aqui tá envolvido. Ele vendeu um escravo ao falso padre, alegando que era para ser abençoado pela Deusa da Luz, foi apedrejado como parte de um ritual sádico.

    O Vendedor se contorceu no chão, tentando justificar com a cara mais sonsa possível:

    — Eu… eu não sabia! Juro! Eu não sabia que ele era um monstro!

    — Você não quis saber. — rosnou Priscila, agachando-se e o puxando pela gola. — Desde que o dinheiro entrasse nos seus bolsos, não importava, né?

    O rosto dela estava vermelho de raiva. Uma fúria gelada, digna de quem serve a justiça e a honra.

    — E por mais que matar escravos seja proibido, tentar matar um demi-humano com falsas promessas de bênçãos é crime. Crime contra a vida.

    Ela o empurrou para os soldados com desdém.

    — Levem ele. Interroguem mais tarde. Revistem todas as “mercadorias” dele. Se acharem mais alguma podridão escondida, quero os relatórios em meu escritório antes do pôr do sol.

    Os soldados obedeceram na hora, arrastando o homem que protestava em vão, gritando que era inocente. Mas suas palavras não valiam mais do que o chão que pisava.

    Renier apenas observou em silêncio, o olhar fixo.

    Talvez aquele fosse o último amanhecer que o Vendedor veria… e da próxima vez que visse a luz, seria através das grades frias de uma masmorra.

    E por fim, o silêncio pairou sobre todos de novo, mas agora, era um silêncio de verdades expostas.

    Continua…

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