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    A grande avenida da cidade pulsava com vida. Vendedores gritavam suas ofertas, aromas doces e picantes se misturavam no ar, e barracas coloridas exibiam de tudo: de roupas bordadas a especiarias exóticas vindas de territórios distantes. Era um caos vivo e organizado, típico de mercados que floresciam com a promessa de lucro e aventura.

    Renier e Lívia caminhavam lado a lado por entre a multidão, desviando de pessoas apressadas e mercadores animados. O contraste entre a confusão e a serenidade no rosto de Renier era curioso. Ele observava cada detalhe, os sons, os cheiros, as expressões, com um brilho curioso nos olhos.

    — A cidade tá bem mais barulhenta… mas de um jeito bom — comentou, soltando um leve sorriso. — Desde que cheguei, não parei um segundo.

    Lívia riu baixinho, lançando um olhar divertido a ele.

    — E a culpa é sua, sábia?

    Renier arqueou uma sobrancelha, confuso.

    — Minha? O que eu tenho a ver com os mercadores e essa muvuca toda?

    Ela acenou com a cabeça, gesticulando em volta.

    — Quando um labirinto surge debaixo de uma cidade… é algo raro, Renier. A galera toda começa a vir: aventureiros, estudiosos, caçadores de tesouros. Isso atrai gente… e onde tem gente, tem dinheiro. E onde tem dinheiro… bom, os mercadores aparecem que nem formiga em doce.

    Renier parou um segundo para processar.

    — Ah… turismo de dungeon. Se o povo vem pra explorar o labirinto, movimenta o mercado. Aí os mercadores vêm atrás do lucro… vendem poções, armas, lembrancinhas e o escambau.

    — Exato — ela respondeu com um sorriso satisfeito. — Mas, por enquanto, o labirinto ainda não tá aberto ao público. Só depois que os soldados do Barão Morales garantirem que é seguro.

    Renier soltou uma risada leve.

    — Pelo menos alguém aí ainda se importa com segurança… Tem muito lugar por aí que joga a galera pra dentro sem pensar duas vezes, só pra faturar.

    Lívia assentiu, séria por um instante.

    — É… Mas a família Morales prefere fazer as coisas direito. Antes a segurança de todos do que manchetes com mortes por imprudência.

    Eles pararam diante de uma bancada onde especiarias locais e joias artesanais reluziam sob o sol. Lívia se aproximou com um sorriso animado e acenou.

    — Garf!

    O vendedor, um homem robusto de barba cerrada e uma bandana vermelha cobrindo parte da testa, se virou ao ouvir a voz. Seus olhos se acenderam ao reconhecer quem o chamava.

    — Ora, ora! Senhorita Lívia! Isso sim é uma surpresa! — exclamou, abrindo um largo sorriso. — Tirou folga dos deveres de nobre da casa Morales e do treino hoje?

    Renier, que observava a interação, arqueou a sobrancelha e virou-se lentamente para Lívia.

    — Então… você é alguém de status?

    Garf soltou uma gargalhada despreocupada.

    — Ela? Filha da esposa do Barão Morales! Vive correndo no campo de treino e fazendo os soldados passarem vergonha!

    Lívia desviou o olhar, claramente desconfortável com a revelação.

    — Eu ia contar… só não achei o momento certo.

    Renier ficou pensativo por um instante. Uma lembrança lhe veio à mente: ele mesmo entregando o diário do Barão Morales à Priscila, com Lívia bem ali por perto. E agora… tudo fazia mais sentido.

    Ele então deu um leve sorriso, gentil.

    — Você não precisa se justificar. É um assunto delicado… da sua família. Não vou ser inconveniente com isso.

    Ela olhou para ele, surpresa com a tranquilidade.

    — Sério?

    — Claro. — ele deu de ombros. — Quando você sentir que é o momento certo, e quiser me contar… tô aqui. Sem pressa.

    Lívia sorriu, dessa vez com o peso visivelmente aliviado nos ombros.

    Talvez aquele passeio tivesse mais significado do que qualquer um dos dois imaginava inicialmente.

    Lívia se virou para o balcão e fez um gesto com dois dedos levantados.

    — Dois doces de batata doce, por favor!

    Garf, já se adiantando, respondeu com um sorriso largo e animado:

    — Pode deixar, senhorita Lívia! Já vai sair quentinho!

    Enquanto isso, Renier observava o pequeno braseiro acessando a frente da barraca. Chamas suaves dançavam sob uma chapa metálica, e o cheiro doce e caramelizado já começava a se espalhar no ar. O fogo crepitava com suavidade, e Renier murmurou quase para si mesmo, os olhos atentos à técnica de preparo:

    — A culinária daqui… não é tão diferente do meu mundo…

    — Disse alguma coisa? — perguntou Lívia, franzindo levemente o cenho ao se virar para ele.

    Renier ergueu o olhar e disfarçou com um sorriso leve.

    — Nada demais. Só… achei curiosa a comida local. É interessante.

    Lívia relaxou os ombros e assentiu, empolgada.

    — Quando saímos do treinamento, eu e a Priscila sempre passamos aqui. A gente ama esses doces. Na verdade, foi ela quem descobriu o lugar — disse, cruzando os braços de leve. — dizia que batata doce é saudável. Faz bem pro corpo, essas coisas…

    Renier inclinou a cabeça, surpreso. A imagem mental da Priscila, sempre com aquela cara fechada e postura rígida, caçando doce depois do treino era bem divergente.

    — É difícil imaginar a Priscila explorando uma feirinha atrás de doce… — comentou, semicerrando os olhos em dúvida. — Ela tem o carisma de uma porta trancada.

    Lívia não segurou a risada.

    — É, ela realmente passa essa vibe de “não chegue perto ou você morre”, mas juro que ela ama doces. Só finge que não.

    Renier deu um sorriso malicioso.

    — Hm… então da próxima vez eu trago um chocolate pra ela. Vai que amolece.

    Lívia, agora quem arqueava as sobrancelhas, parou por um segundo.

    — Chocolate…? O que é isso?

    Renier encarou-a como se ela tivesse acabado de dizer que nunca ouviu falar de pão.

    Instintivamente, ativou seus Olhos das Revelações, uma sutil pulsação mística correu por sua íris, e confirmou: ela não estava fingindo. A confusão dela era genuína.

    — Uau… você realmente não sabe. — ele comentou, mais para si mesmo. — Acho que o desenvolvimento culinário desse lugar ainda não chegou nesse ponto…

    — Tá me chamando de atrasada? — brincou ela, semicerrando os olhos, mas o sorriso a entregava.

    — De forma nenhuma, senhorita — respondeu ele, com um brilho brincalhão no olhar. — Só quer dizer que você ainda vai conhecer um dos melhores sabores doces de todos os universos. Te juro que chocolate muda vidas.

    Lívia riu, cruzando os braços.

    — Olha… não sei do que você tá falando, mas se for doce mesmo… vou ficar ansiosa pra experimentar.

    O sorriso de Renier cresceu com a promessa. Às vezes, os pequenos momentos como aquele, entre um doce de batata e uma conversa boba, eram mais mágicos do que qualquer feitiço.

    Garf chamou os dois com um aceno, exibindo orgulhosamente os doces recém-preparados. Tratava-se de um tipo de fritura dourada, empanada com perfeição, envolta em folhas dobradas que protegem as mãos do calor ainda intenso. O cheiro adocicado e levemente amanteigado invadia o ar como uma armadilha para qualquer estômago distraído.

    Renier se aproximou, enfiando a mão no bolso e retirando uma moeda de ouro, estendendo-a com naturalidade ao vendedor.

    Mas Garf apenas sorriu de forma calorosa, fechando com gentileza a mão de Renier sobre a moeda, recusando o pagamento.

    — Não precisa, garoto. — disse ele, com uma piscadela. — Considere isso um agradecimento… por estar fazendo a senhorita Lívia sorrir desse jeito.

    Renier arqueou as sobrancelhas, um tanto surpreso, mas logo abriu um sorriso sincero. Guardou a moeda de volta no bolso sem insistir.

    Lívia, com o doce nas mãos, agradeceu a Garf com um aceno gentil, e então se virou para Renier, perguntando:

    — Quer encontrar algum lugar pra sentar? Ou prefere ir comendo enquanto caminhamos?

    Antes que Renier respondesse, Garf fez um gesto discreto com a cabeça, chamando-o com um olhar sério e quase conspiratório. Intrigado, Renier se aproximou, e foi puxado de leve para um canto, onde Garf falou em voz baixa, num tom quase confidencial:

    — Vá com ela até os moinhos, no lado sul da cidade. Ela adora aquele lugar. Vai por mim… é perfeito para ficarem a sós.

    Renier piscou, surpreso pelo conselho tão direto.

    — Isso não vai pegar mal? Ir a um lugar assim com uma dama da nobreza?

    Garf deu uma risadinha abafada e falou com convicção:

    — Todo mundo conhece a senhorita Lívia por aqui. Mas ninguém, e eu digo ninguém, chegou perto como você tá chegando. Aquele brilho nos olhos dela… garoto, ela te escolheu e isso por aqui vale muito.

    Renier soltou um assobio silencioso e fez um sinal de positivo, sorrindo com cumplicidade:

    — Oh… Então me deseja sorte, mestre.

    Mas mal ele virou, sentiu uma pressão na gola da camisa. Lívia, com uma expressão emburrada e o cenho franzido, o puxava de volta com força surpreendente.

    — Eu posso usar magia do vento, lembra? — disse ela, encarando os dois com os olhos semicerrados. — Dá pra ouvir vocês cochichando como dois velhos fofoqueiros.

    Renier riu nervoso, coçando a nuca.

    — Nesse caso… quer me mostrar os moinhos de trigo?

    Ela manteve o olhar afiado por mais um segundo, mas então relaxou os ombros e abriu um sorrisinho travesso.

    — Vamos sim. Mas amanhã… você vai ter que me preparar esse tal de chocolate que vive falando. Em troca de hoje.

    Renier deu uma gargalhada leve, assentindo.

    — Com prazer. Um chocolate especial só pra você.

    — Trato feito. — respondeu ela, estendendo a mão para selar o acordo.

    Eles se despediram de Garf com um último aceno. O velho vendedor sorriu largamente e desejou boa sorte aos dois antes de voltar ao seu trabalho, enquanto o casal começava a seguir rumo ao sul, com os doces ainda quentinhos nas mãos e um clima cada vez mais doce pairando entre eles.

    Continua…

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