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    O frio da manhã ainda pairava sobre o Portão Sul como um véu prateado, mas a espera estava prestes a acabar.

    Renier surgiu caminhando com passos firmes entre a névoa, a silhueta ao lado era facilmente reconhecível pela armadura negra polida: a General Priscila. Atrás, apenas Luna o acompanhava, com seu olhar afiado e passos silenciosos como sempre. Liza não estava com eles, o que imediatamente chamou a atenção das três mulheres que aguardavam no local.

    Annabelle ergueu o leque com um movimento fluido, ocultando parcialmente o rosto enquanto arqueava uma sobrancelha.

    — Ora, ora… essa é uma surpresa e tanto — disse com um tom entre o sarcasmo e a curiosidade. — A renomada General Priscila, aqui, no friozinho do amanhecer? Que ocasião especial.

    A General manteve a compostura. Inclinou levemente a cabeça num cumprimento respeitoso.

    — Senhorita Annabelle, é uma honra servir sob a presença da nobreza local — respondeu, com o tom formal e sem rodeios que a caracterizava.

    Renier, com os braços cruzados e a expressão calma, quebrou o gelo.

    — Me desculpem pelo atraso. Eu estava tentando encontrar a casa da Priscila, o que não foi exatamente simples com a cidade ainda acordando — comentou com naturalidade.

    Lívia inclinou levemente o corpo, intrigada.

    — Mas por que você precisava dela, Renier?

    Priscila foi direta:

    — O senhor Kanemoto requisitou uma escolta oficial da guarda para a Capital. Achei prudente atender ao pedido, ainda que ele não tenha revelado os motivos exatos por trás dessa viagem.

    Fábula estreitou os olhos, ajustando os óculos com um dedo, a postura ainda rígida como sempre.

    — Era para manter o sigilo entre nós, senhor Renier.

    Ele apenas deu de ombros, com aquele ar despreocupado habitual.

    — Não posso simplesmente levar duas filhas da nobreza até a Capital e esperar que o trajeto seja tranquilo. Ia chamar atenção demais sem uma justificativa oficial. A presença da General cobre isso.

    Annabelle acenou levemente com a cabeça, reconhecendo a lógica.

    — Justo. A Priscila é confiável. Se ela estiver conosco, mesmo os nobres mais intrometidos vão pensar duas vezes antes de fazer perguntas.

    Lívia, no entanto, não deixou de notar a ausência de outra presença importante.

    — E… a Liza? O que houve?

    Foi a própria Priscila quem respondeu:

    — O senhor Renier deixou a filha da pousada, Mila, e a Lizardgirl no território para agir caso aconteça qualquer emergência. Ambas sobreviveram ao labirinto — disse com uma ponta de respeito. — Acredito que têm capacidade suficiente para lidar com problemas locais.

    Renier então voltou o olhar para Luna, a raposa de expressão serena que sempre o acompanhava.

    — A raposinha continua comigo. Vou precisar dela no Território dos Dragões, especialmente com o que estamos planejando.

    Luna apenas sorriu, erguendo a mão num aceno tranquilo.

    — Prefiro seguir ao seu lado, como sempre. Além disso, alguém precisa ficar de olho nos seus planos impulsivos.

    Annabelle baixou o leque, satisfeita.

    — Muito bem, então estamos todos aqui. O grupo rumo à Capital está pronto para partir.

    Foi Fábula, porém, quem lançou a última flecha da manhã, com aquele tom impecavelmente educado e levemente ácido.

    — Só me resta perguntar, senhor Renier… por qual motivo nos fez esperar no lado mais frio do território logo ao amanhecer?

    Renier deu um meio sorriso, e respondeu como quem já esperava a pergunta.

    — Porque tudo que começa com esforço, vale mais a pena quando termina. Além disso, o nascer do sol aqui no sul é lindo. Vocês mereciam essa vista antes de partirmos pro caos.

    Annabelle sorriu de canto, Fábula apenas bufou silenciosamente, e Lívia bem, ela só pensava que, apesar da espera, Renier sempre conseguia transformar até um atraso em algo curioso.

    O grupo então começou a se mover, rumo ao desconhecido,  às engrenagens do destino que já estavam começando a girar.

    ✦—✵☽✧☾✵—✦

    Após alguns longos passos em estrada de terra e vento seco batendo contra os rostos, o grupo finalmente deixou para trás os portões ornamentados do território dos Morales. O som dos cascos dos animais, das botas pisando sobre pedras, e do leve assovio do vento se misturavam num silêncio confortável, aquele tipo de silêncio que antecede algo grande.

    Os passos do grupo ecoavam em meio ao solo seco e coberto por grama alta e poeira esquecida. À medida que se distanciaram das terras dos Morales, a atmosfera mudou sutilmente, com mais cheiro de terra antiga e histórias enterradas.

    Ao longe, o contorno de um forte em ruínas surgia sob o céu tingido de laranja e púrpura. As muralhas carcomidas e as torres semi-destruídas eram sombras do que um dia fora uma fortaleza militar orgulhosa. Agora, apenas um esqueleto de pedra observando os viajantes que ousaram cruzar seu domínio.

    Lívia, montada ao lado da irmã, olhou para o horizonte. Os olhos se fixaram nas ruínas empoeiradas e decadentes de uma construção antiga, que agora mais parecia um esqueleto de pedra resistindo ao tempo.

    — Aquele é o forte…? Foi ali que você encontrou o diário do meu pai? — perguntou ela, com uma curiosidade suave, mas com emoção nas palavras.

    Renier cruzou os braços e fitou o local com um olhar firme. A luz dourada do pôr do sol pintava as paredes quebradas com um brilho melancólico.

    — Foi. Não tinha ninguém. Nenhum rastro de vida. Apenas o diário do velho General Morales jogado no canto, como se tivesse sido esquecido por toda a história.

    Priscila foi a primeira a quebrar o momento, levantando os olhos para o céu tingido de laranja e rosa.

     — O sol está prestes a sumir. Seria mais seguro acampar aqui no forte esta noite. Amanhã partimos direto para o Vale.

    Fábula concordou com um aceno, ajustando os óculos com elegância:

    — Concordo. Além disso, ainda precisamos discutir uma estratégia sólida para adentrar a Espinha do Dragão. Não podemos simplesmente marchar como cegos naquele terreno.

    — Os Quatro Vales são traiçoeiros — completou Annabelle, com o leque já guardado, mas os olhos ainda analisando tudo ao redor. — Não são como as florestas daqui ou as estradas da capital. Aquilo é o coração selvagem do mundo.

    Renier e Luna trocaram um olhar rápido e confuso. Sussurraram um para o outro, com expressões de quem acabou de descobrir que o mapa do mundo vinha com DLCs secretos.

    Renier e Luna se entreolharam com uma sincronia quase cômica. Ele falava baixo, quase sussurrando:

    — “Espinha do Dragão”? — murmurou Renier. — Eles falam como se isso fosse um lugar comum…

    — Alguém pulou a aula de geografia — respondeu Luna, com um meio sorriso debochado.

    Como se tivesse lido os pensamentos dele, a voz da Administradora soou baixa e clara no comunicador em seu ouvido.

    — Renier, posso transferir todas as informações geográficas e estratégicas sobre a Espinha do Dragão e os Quatro Vales. Deseja receber os dados?

    Renier sorriu de canto, com aquele ar típico de quem adora quando as coisas começam a ficar perigosas.

    — Bom ouvir sua voz de novo… Pode mandar.

    Ele então se esticou como quem desperta de um cochilo preguiçoso, e falou em alto e bom som para todos ouvirem:

    — Melhor prepararem as mochilas. Hoje acampamos aqui mesmo. E… quem sabe uma boa fogueira não traga histórias interessantes para compartilhar?

    Seu sorriso era provocador. Do tipo que dizia “vai ter treta, mas vai ter chá e caos antes disso”.

    Lívia sorriu de leve, Annabelle bufou mas manteve a pose, Priscila já estava organizando as formações, e Fábula parecia preparar algo do fundo das malas. Luna apenas se sentou numa pedra, com os braços atrás da cabeça e um sorriso satisfeito.

    A primeira fogueira da jornada seria acesa ali, nos escombros de um passado morto, enquanto o futuro rugia à distância como um dragão adormecido.

    E o Renier? Já sabia que o verdadeiro fogo vinha era das conversas, dos segredos… e das guerras que se aproximavam.

    Continua…

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