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    Os olhos pesados de Renier pareciam afundar em um oceano de escuridão, uma vastidão densa que o envolvia e puxava para baixo. Aos poucos, no entanto, ele sentiu algo o chamando de volta. Era uma voz suave, familiar, mas ainda assim misteriosa, como se fosse parte de uma memória que ele não conseguia alcançar.

    “Estou… debaixo d’água?”, pensou Renier, sentindo-se oco, quase desprovido de vida. O eco do que parecia ser o som de ondas distantes reverberava em seus ouvidos, trazendo uma estranha sensação de paz e nostalgia.

    Uma lembrança o tocava gentilmente, como um sussurro, implorando que ele despertasse.

    — Acorde… — murmurou a voz, doce e serena como a brisa, cortando a escuridão que cobria os olhos fechados de Renier.

    Ele sentia o peso do próprio mundo pressionando seu corpo, como se fosse incapaz de se mover. Aquela sensação de vazio… era dolorosamente familiar. E então, a imagem veio com uma clareza cruel: o coração pulsando em sua mão, o olhar sombrio de Kyouka. A lembrança era tão vívida que o fez querer gritar, mas tudo o que ele podia fazer era afundar mais fundo na escuridão daquele oceano sem fim.

    A mesma voz o puxou novamente, desta vez com um tom de súplica.

    — Acorde… Renier, por favor, acorde… — a voz insistia, carregada de uma ternura que parecia se recusar a deixá-lo partir, como se cada palavra fosse um elo firme que o mantinha na borda da realidade.

    Renier respirou fundo, e como se quisesse seguir o chamado daquela voz, seus olhos lentamente se abriram. O brilho etéreo dos Olhos das Revelações iluminou sua visão, dissipando qualquer confusão que ainda pesava em sua mente.

    O choque refletiu-se nas suas íris cintilantes. — Mas… o que…? — sussurrou, incrédulo diante da visão que se revelava à sua frente.

    O cenário era de uma magnitude cósmica que desafiava a compreensão. Ele ergueu o corpo levemente, encantado, enquanto tentava absorver cada detalhe. As pontas dos dedos tocavam a superfície da água onde estava deitado – uma água de pureza cristalina, negra como o espaço, refletindo um céu repleto de maravilhas.

    Era um verdadeiro mar de estrelas, uma vastidão que tirava o fôlego. Renier observava cada detalhe com olhos maravilhados. Acima dele, planetas com halos de cor, nebulosas vibrantes e cometas que cruzavam o céu em trajetórias brilhantes e imprevisíveis.

    — Incrível… — murmurou, perdido em admiração.

    Alguns planetas estavam tão próximos que era possível ver claramente os anéis orbitando, enquanto luas azuis e vermelhas se destacavam como joias no firmamento. As estrelas brilhavam intensamente, refletidas no oceano infinito que se estendia até o horizonte distante, desaparecendo em um ponto indefinido.

    — É como um sonho… e ao mesmo tempo tão… — murmurou Renier, absorvendo a paisagem com uma sensação inexplicável de pertencimento. — Parece… familiar, como se eu estivesse… em casa.

    De repente, como se atendendo a um chamado, um brilho cósmico e pulsante de cores e energia surgiu atrás de Renier, levando-o a se virar.

    Ali, no centro de tudo, erguia-se uma árvore colossal, irradiando poder. Seus ramos pareciam tocar o infinito, entrelaçando-se com as estrelas, cada fibra e cada galho como se fossem raízes do próprio cosmos. E abaixo, suas raízes mergulhavam na superfície do oceano, fundindo-se com o reflexo das estrelas, criando uma simetria perfeita entre o céu e o mar.

    “Uma… Árvore Cósmica?” pensou Renier, atônito diante da imensidão daquela visão. A magnitude era tamanha que ele mal conseguia encontrar palavras; aquilo era mais do que ele podia explicar, algo além da realidade.

    O brilho da árvore intensificou-se, pulsando com uma força viva, e Renier sentiu algo ressoar dentro de si, como se uma antiga lembrança tivesse sido despertada.

    Ele levou a mão ao peito, apertando levemente a camisa. — Por que senti isso? — murmurou, confuso e intrigado, mas ao mesmo tempo cativado pelo calor familiar que emanava da árvore.

    Era a primeira vez que Renier estava ali, mas algo em sua essência sussurrava que aquele era seu lugar, como se cada fibra de seu ser reconhecesse aquela cena cósmica. Seus olhos fixaram-se na imensidão daquela árvore, até que ele notou uma figura próxima à sua base.

    Era uma mulher de presença imponente, com cabelos ruivos que caíam até os pés, uma cascata de fogo vivo que contrastava com a escuridão do longo vestido estrelado que ela usava. O tecido parecia capturar o próprio cosmos, cada estrela transparecendo até o chão como se brilhasse de dentro do véu da noite.

    Ela permanecia de frente para a árvore, mas algo estranho acontecia no reflexo na água: sua imagem parecia ser sugada pela superfície da árvore, como se ela fosse, na verdade, a origem daquele reflexo.

    — Será essa… a verdadeira essência dela? — murmurou Renier, intrigado.

    Surpreendentemente, sua voz chegou aos ouvidos da mulher, apesar da distância. Ela sorriu, como se pudesse ler seus pensamentos.

    — Sempre tão perspicaz… — disse ela, e sua voz era a mesma que o havia despertado naquele lugar. — Sim, essa é minha verdadeira forma…

    Ela ouvira suas palavras, mesmo àquela distância, e Renier, agora quase certo de que aquele ambiente era uma extensão de sua própria essência, sentiu-se ainda mais fascinado.

    A mulher se virou, e seus olhos encontraram os dele. Havia algo deslumbrante neles, como se cada íris contivesse universos distintos, cintilando com um brilho indescritível. Sua beleza era sobrenatural, mas quando Renier usou os Olhos das Revelações, viu nela uma aura maternal que parecia envolvê-la em uma energia acolhedora.

    — Quem… é você? — a voz de Renier vacilou, mas seu corpo se aproximou dela, como se a força irresistível de uma verdade ainda não dita o puxasse. Seus olhos, sempre vigilantes, agora brilhavam com uma mistura de cautela e curiosidade, desafiando o desconhecido diante dele, mas ao mesmo tempo, cativado pela majestade da figura que o encarava.

    — Já fui chamada de muitos nomes, Renier — disse ela, sua voz ecoando com o peso de eras passadas, como se cada palavra carregasse o peso de mundos que já nasceram e morreram. — Mas você pode me chamar de Yggdrasil.

    Renier congelou por um instante, os olhos estreitando-se enquanto a incredulidade tomava conta de sua mente. A resposta não foi uma surpresa qualquer, foi um choque que reverberou nas profundezas de sua alma.

    — Yggdrasil? A Árvore do Conhecimento… da mitologia nórdica? — sua voz foi uma mistura de fascínio e espanto, mas não havia tempo para hesitação.

    Ela riu suavemente, uma risada tão pura que parecia se fundir com o próprio tecido do cosmos, reverberando nas estrelas e no vazio infinito ao redor.

    — Exatamente. Já tive muitos nomes ao longo de tempos imemoriais — ela falou, como quem revivesse uma velha história que ecoava através de panteões e mitologias esquecidas. — Eu sou o que sustenta tudo, sou o princípio e o fim, o que tece as realidades e os universos. Sou a origem e o fim de tudo. Como a Árvore Cósmica… sim, eu sou Yggdrasil, a Mãe de toda Criação.

    As palavras dela caíram como uma tempestade silenciosa sobre Renier. Ele ficou ali, imóvel, os olhos tentando absorver a magnitude daquilo que estava diante dele, uma entidade que transcende o tempo e o espaço, a própria Criadora de tudo.

    — Por que… estou aqui? — ele murmurou, a voz tão baixa quanto um sussurro. A dúvida, a confusão, o medo… tudo se misturava em seu peito, mas ele não teve forças para resistir a uma verdade tão gigantesca. — Eu… eu lembro de ter morrido. — disse ele com amargura, e sem entender a situação.

    Yggdrasil sorriu, a expressão dele era uma mistura de compaixão e algo mais. Algo que beirava a diversão, como quem observa uma criança tentando entender um enigma impossível.

    — Ora… você é um Kanemoto, o Guardião Negro. O equilíbrio que vaga pelos mundos um heroi, ou talvez algo mais… Salvando realidades, um a um e o que você sua família sempre faz. Você realmente acha que a morte seria o fim de alguém como você? — sua voz era suave, mas havia uma força imensa por trás de cada palavra, como um sussurro vindo de uma montanha em erupção.

    Renier ficou sem palavras, atordoado. Ela sabia de sua linhagem, de sua jornada, de seu nome. Isso o desestabilizou mais do que qualquer ameaça ou batalha que já enfrentara.

    — Isso… isso é tão especial assim? — ele perguntou, a dúvida ainda ecoando em sua mente, mas um fio de esperança e desespero se entrelaçando em sua voz.

    Yggdrasil olhou-o com uma intensidade imensa, os olhos brilhando como estrelas antigas, cheios de sabedoria e poder.

    — É claro que sim — ela respondeu, a voz mais grave agora, como se uma verdade ancestral estivesse prestes a ser revelada. — O título de Guardião Negro não é meramente um papel, Renier. É um símbolo. Algo que eu mesma criei para sua linhagem, algo que carregará consigo um peso que poucos podem compreender. Eu te dei esse nome, e criei esse título com uma esperança…

    Ele a observava, agora com um misto de ansiedade e apreensão. O que ela estava prestes a dizer poderia mudar tudo.

    — Esperança? — ele murmurou, a palavra cheia de um significado que ele ainda não conseguia captar totalmente.

    Yggdrasil sorriu, um sorriso que irradiava tanto orgulho quanto uma profundidade incomensurável.

    — Que meu filho herdasse esse símbolo de equilíbrio — ela revelou, seus olhos se iluminando como se uma verdade primordial fosse finalmente exposta. — E você, Renier, parece ter feito exatamente isso.

    As palavras dela atravessaram Renier como uma lâmina afiada. A confusão o envolveu, e por um momento ele sentiu o chão se dissolver sob seus pés. Como? Como ele podia ser… o filho de Yggdrasil, a Criadora de todos os mundos? Seu corpo tremeu, mas a verdade começou a se infiltrar em sua mente.

    — Seu… filho? — ele gaguejou, sua mente tentando lidar com o peso daquela revelação, a ideia de ser algo que ele nunca imaginou. — Como… como posso ser seu filho? O que… o que isso tem a ver com minha família?

    Yggdrasil riu de novo, agora um riso doce e terno, mas que carregava o peso de séculos de história.

    — Não é óbvio? — ela disse, com uma provocação suave, mas sua intensidade penetrava diretamente em sua alma. — Para alguém tão inteligente, você demorou a perceber… Você é o Guardião Negro, Renier. O portador do equilíbrio, aquele que herdou minha vontade. Você é meu filho. Meu único filho — afirmou ela dando uma piscadela travessa.

    Renier sentiu seu mundo se desintegrar ao redor de si. O peso das palavras dela caiu como uma montanha sobre seus ombros, esmagando-o sob uma revelação que ele jamais poderia ter antecipado. Ser o Guardião Negro era uma responsabilidade grande o suficiente. Mas ser filho de Yggdrasil? A própria criadora do cosmos? Isso… isso era algo que ele jamais poderia compreender em sua totalidade.

    Continua…

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