Capítulo 21: O Luz Vinda da Escuridão.
A floresta ao redor da barreira estava estranhamente silenciosa, mas a tensão no ar era palpável. Malo, com os braços cruzados e os olhos fixos na barreira negra que pulsava levemente com energia demoníaca, sentia cada mudança de energia ao seu redor. Ela ajustou a jaqueta escura de Renier que estava em seus ombros, um gesto automático, como se isso a lembrasse de sua conexão com ele. Aura, por sua vez, estava apoiada em uma árvore próxima, com um sorriso leve, mas seus olhos percorriam os arredores com a atenção de uma caçadora experiente.
— Eles sentiram a mudança, — Malo comentou, a voz baixa, quase como se falasse consigo mesma. — Os monstros sabem que algo está acontecendo aqui. A energia dessa barreira é como um sino, chamando todos os predadores da floresta. A entidade nunca é vista… só o corpo do invasor fica para trás. Sempre desaparece depois de vencer. E os monstros, como sempre, lutam pelos restos.
Aura arqueou uma sobrancelha, o sorriso provocativo se alargando enquanto ela mudava seu peso de uma perna para outra. — Me diga uma coisa, Malo… — Ela inclinou a cabeça, a provocação clara em sua voz. — Você também já participou desse ringue por comida?
Malo desviou o olhar por um momento, suas garras se apertando levemente contra a jaqueta. Ela suspirou, um gesto que carregava mais história do que palavras poderiam explicar. — Fiz o mesmo que eles, — ela admitiu com uma calma surpreendente, seus olhos voltando para a barreira. — Não sou diferente. Já lutei pelos restos, como qualquer outro. Mas agora… — Ela fez uma pausa, puxando a jaqueta um pouco mais perto de si, como se fosse uma armadura contra as lembranças do passado. — Agora não tenho interesse em voltar a esses velhos hábitos.
Aura deixou escapar uma risada suave, inclinando-se contra a árvore com um olhar satisfeito. — Parece que Renier conquistou mais do que uma grande criatura… — Ela deu um passo para mais perto, o sorriso em seus lábios se tornando mais genuíno. — Ele ganhou alguém que escolheu ser leal a ele. Isso é raro, você sabe. Escolhas assim não são feitas por qualquer um.
Malo manteve o olhar fixo na barreira, mas o brilho em seus olhos denunciavam um pensamento mais profundo. — Lealdade não é algo dado de graça, Aura, — ela respondeu finalmente, sua voz carregada de algo entre orgulho e desafio. — Ele a conquistou, isso é verdade. Mas não por força… foi por algo maior. Algo que eu mal consigo explicar.
Aura deu de ombros, ainda sorrindo. — Isso faz dele especial — disse ela, lançando um último olhar para a barreira, onde sabia que Renier enfrentava seu duelo. — Talvez ele seja mais do que eu esperava…
Malo não respondeu, mas seu silêncio foi suficiente. A clareira ao redor da barreira estava em um equilíbrio delicado, enquanto monstros mais distantes espreitavam na escuridão, hesitantes. Ambos sabiam que a luta de Renier estava longe de acabar, mas havia algo que os fazia acreditar que ele sairia de lá, vitorioso.
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Dentro da barreira negra, o embate era uma tempestade de movimentos, cada golpe carregado com uma intenção mortal e precisão inumana. A energia ao redor de Renier e do Cavaleiro Negro parecia vibrar, como se a própria barreira estivesse respondendo à intensidade crescente da luta.
Renier corria em direção ao oponente, a foice em suas mãos girando em movimentos calculados, mas carregados de uma provocação que fazia seu sorriso crescer a cada troca de golpes. A lâmina de sua foice chocou-se contra a espada do Cavaleiro com um som ensurdecedor, faíscas voando no ar enquanto o Guardião Negro pressionava com força.
— Boa postura, — o Cavaleiro Negro comentou, sua voz saindo grave e abafada pelo elmo. — Mas é óbvio que ainda lhe falta experiência. Suas táticas são previsíveis.
Renier soltou um suspiro forçado, quase teatral, antes de responder com sarcasmo. — Agradeço as aulas, — ele disse, seus olhos brilhando com uma confiança quase insolente. — Mas eu não estou aqui para ouvir lições de um velho cavaleiro com ideias ultrapassadas.
O Cavaleiro Negro deixou escapar uma risada abafada, mas o som foi cortado por um chute devastador que atingiu o estômago de Renier. A força do impacto o jogou para trás, mas, já esperando o golpe, Renier fincou sua foice no chão, usando-a para se equilibrar antes que seu corpo tocasse o solo. Ele ergueu o olhar para o oponente, sua determinação queimando como uma chama implacável.
— Você não recua… — o Cavaleiro comentou, sua voz carregada de algo que soava quase como admiração. — Eu gosto disso.
Renier não se deu ao trabalho de responder com palavras. Em vez disso, ele avançou novamente, a foice cortando o ar com um brilho ameaçador. Desta vez, ele atacou o mesmo ponto da espada do Cavaleiro, o impacto fazendo ecoar um som oco e profundo.
O Cavaleiro Negro se moveu para contra-atacar, mas sua postura endureceu, uma faísca de indignação passando por sua presença. — Você realmente acha que insistir no mesmo lugar é mais do que teimosia? Isso é fútil!
Renier deu um sorriso desafiador, seus olhos cintilando com determinação. — Não é teimosia, é estratégia, — ele respondeu, sua voz firme enquanto um feixe de energia azul emanava de sua foice. O golpe seguinte atingiu a espada do Cavaleiro Negro, o som do metal se partindo ecoando pela barreira como um trovão. A lâmina se fragmentou, e antes que o Cavaleiro pudesse recuar, Renier canalizou uma explosão de energia através de sua arma, mirando diretamente na armadura do oponente.
A força do impacto foi brutal, jogando Renier e o Cavaleiro Negro para longe. Seus corpos atravessaram o campo de batalha, colidindo contra o solo com uma força que fez a barreira tremer. Renier ficou parado por um momento, observando a poeira se erguer onde o Cavaleiro havia caído. Ele respirava com dificuldade, mas seu olhar permanecia firme, carregado de uma determinação inabalável.
Se erguendo novamente, ele olhava para o Cavaleiro. — Você não é o único que sabe como analisar um oponente, — Renier murmurou para si mesmo, girando a foice em sua mão enquanto esperava a próxima investida do Cavaleiro. A batalha ainda não havia terminado, mas ele sabia que tinha dado um golpe significativo.
A poeira ao redor começava a baixar, mas a tensão permanecia no ar, carregada com um significado muito mais profundo do que o simples confronto físico. O Cavaleiro Negro, ainda ajoelhado, tocou com a mão enluvada no peitoral da armadura, onde o golpe de Renier havia deixado uma marca profunda. Ele parecia alheio à dor, sua postura rígida dando lugar a algo quase humano: reflexão.
— Essa é a primeira vez, — ele murmurou, sua voz pesada com uma melancolia quase palpável. — Que admiro um oponente… Não consigo lembrar quando foi a última vez que senti isso.
Renier, ainda segurando sua foice, parou por um momento. Seus olhos azuis brilhavam com uma mistura de curiosidade e compaixão. Ele havia visto aquela mesma mudança antes, aquela transição sutil entre ser um instrumento de violência e algo mais. Era a mesma transformação que presenciou em Malo, sua companheira Wendigo.
— Você sente algo diferente agora? — Renier perguntou casualmente, sua voz carregada de interesse genuíno.
O Cavaleiro Negro ficou em silêncio por alguns instantes antes de responder, sua cabeça levemente inclinada, como se buscasse palavras que há muito não usava. — Eu só me lembro de matar… Sempre. Quando cumpro meu propósito, e então desapareço. Tudo se torna vazio. Escuro. Até que um novo dever me chame como o carrasco desta floresta.
Renier inclinou levemente a cabeça, sua expressão tornou-se séria. — Você não tem nenhum objetivo além disso?”
O Cavaleiro levantou os olhos para o céu escuro acima da barreira, sua voz carregada de resignação. — Meu propósito é manter essa barreira. Impedir que a luz tome forma. Este é o meu dever, e ele foi cravado em mim como o único propósito de minha existência.
As palavras ecoaram na mente de Renier, o peso daquela declaração revelando um fardo que ele conhecia bem. Ele apertou o cabo de sua foice, sentindo a vibração da energia que ainda fluía dela, e compreendeu o que aquelas palavras implicavam. O Cavaleiro Negro não era apenas um inimigo; ele era uma alma presa a um ciclo sem fim, condenado a cumprir um papel que nunca escolheu.
Renier respirou fundo e respondeu, sua voz firme e carregada de determinação. — Se esse é o seu propósito… então permita que ele dê origem a algo novo. Um começo.
O Cavaleiro ficou em silêncio, mas havia uma aceitação implícita em sua postura. Quando finalmente falou, sua voz era calma e cheia de uma rara sinceridade. — Se este for o meu destino, então posso afirmar que foi uma honra ter uma batalha final com alguém que entende esse sentimento. Obrigado… por isso.
Sem hesitar, Renier avançou, sua foice movendo-se em um arco certeiro. A lâmina atravessou o peito do Cavaleiro Negro, rompendo a armadura escura com um som quase ritualístico. O impacto o fez cair de joelhos, mas ele não demonstrou resistência ou dor. Em vez disso, ele inclinou a cabeça, como se agradecesse, enquanto sua energia começava a dissipar-se, sua forma esvanecendo na escuridão.
Renier ficou em silêncio, observando enquanto o Cavaleiro desaparecia aos poucos. Ele não disse nada, mas sua expressão revelava o respeito que sentia. Mais uma vez, ele testemunhara o fim de uma existência destinada ao sacrifício, mas dessa vez, havia algo diferente: a promessa de que, mesmo na destruição, algo novo poderia nascer.
Continua…
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