Índice de Capítulo

    Após três séculos desde que o temível Demônio Alaster foi selado nas ruínas da antiga Capital de Aurélia, a Rainha, em um ato de sacrifício, entregou sua vida durante o combate, na esperança de garantir uma paz efêmera para o legado que tanto amava.

    Contudo, com o tempo, uma vasta floresta sombria tomou o local onde o selo do Demônio repousava, como se a própria essência maligna de Alaster tivesse corrompido o solo, impregnando o antigo coração do reino. Monstros e criaturas desprovidas de qualquer humanidade agora espreitam as sombras, dominando o que restou da cidade.

    À medida que o selo enfraquece, os habitantes do Reino de Aurélia vivem com o temor crescente de que o terrível ser que emergiu das profundezas do Inferno possa, em breve, ser libertado…

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    A carroça seguia pela estrada sinuosa, cercada pela Floresta Perdida. A conversa entre os viajantes e o velho condutor trazia uma leve sensação de normalidade, algo raro em terras tão sombrias.

    Renier encostou no banco de madeira enquanto ouvia as palavras do homem de chapéu de palha. Sua expressão era atenta, mas carregava o mesmo ar de indiferença controlada que sempre exibia em situações como essa.

    — Pelo menos, é o que todos dizem por aqui… — finalizou o senhor, puxando as rédeas com cuidado enquanto o cavalo avançava pelo caminho árido.

    Aura arqueou uma sobrancelha, claramente impaciente. — E mesmo assim você pegou a rota proibida pelos habitantes da cidade. — Sua voz soou direta, quase desinteressada, como quem apontava o óbvio.

    O velho riu sem jeito, coçando a barba desgrenhada. — Eu devia ter ouvido os avisos e pegado uma rota diferente… Mas agradeço por terem me salvado. Jovens sempre cheios de energia, não é? — Ele lançou um olhar amigável ao trio.

    Renier não deixou a gentileza passar sem uma resposta firme. — Mesmo que tenha sido por acaso, você teve sorte… Da próxima vez, tenha mais cuidado ao andar por um lugar assim. — Sua expressão era séria, como se repreendesse o velho pelas decisões precipitadas.

    — Sim, sim, você tem razão… — o senhor respondeu com um suspiro cansado. — Não sabia que encontraria monstros pelo caminho. Só queria uma rota mais rápida. — Ele olhou para os suprimentos na carroça. — Tenho que entregá-los na Cidade Fronteira… é uma questão de vida ou morte.

    Enquanto isso, Malo permanecia em silêncio, seus olhos inquietos fixos no chão da carroça. Parecia desconfortável na presença do estranho, talvez preocupada com sua reação à sua aparência.

    O velho notou o silêncio dela e, em um gesto simpático, perguntou: — Você está muito calada, mocinha. Não quer comer alguma coisa? Deve estar cansada.

    Malo ergueu os olhos surpresa, corando levemente. — Não estou com fome… — respondeu de forma tímida, quase inaudível.

    Renier percebeu o desconforto e, em um gesto que misturava gentileza com naturalidade, deu uma leve cutucada no braço dela. — Você está bem, Malo? Parece cansada. — Seus olhos fixaram-se nos dela, notando o cansaço que marcava seu semblante.

    Malo hesitou, mas acabou admitindo com um suspiro. — Só estou um pouco cansada… não descansei desde que vocês me encontraram.

    Renier riu baixo, aquele sorriso despreocupado surgindo no rosto. — Então deite e descanse. Use minha perna como travesseiro. — Sua sugestão soou tão casual que Malo não soube como reagir no início. Sem entender exatamente o que era um travesseiro, ela acabou aceitando.

    Com cuidado, ela repousou a cabeça sobre a perna de Renier, sentindo o calor reconfortante que ele emanava. Ele começou a acariciar sua cabeça e a pelagem macia, o gesto tão natural que ela logo fechou os olhos e adormeceu.

    Aura observava a cena com os braços cruzados, o olhar fixo na paisagem da floresta, mas sua expressão era difícil de decifrar. — Você está mimando ela demais — comentou, sem desviar os olhos do horizonte.

    Renier, com um sorriso travesso, não perdeu a oportunidade. — Está com ciúmes, Aura? Quer que eu faça o mesmo com você?

    Aura ergue a sobrancelha. — Na verdade, quero sim, estou um pouco cansada também… — afirmou ela com um suspiro silencioso, e logo descansando a cabeça no ombro de Renier, que o deixou levemente surpreso, mas nao reclamou vendo ela fechar os olhos e sentindo a respiração pesada de alguém que ja estava exausta.

    O velho senhor, que acompanhava tudo com diversão, soltou uma risada calorosa. — Ah, jovens… É bom ver que vocês conseguem levar a vida com essa leveza. — No entanto, logo sua expressão mudou, enquanto olhava ao redor. — Mas tenho que dizer, essa floresta… Está mais limpa do que me lembro. Costumava ser tão escura e assustadora.

    Renier sabe o porquê, mas decidiram não revelar nada. Com sorrisos sutis, fingiram ignorância.

    — Talvez seja só impressão sua — disse Renier casualmente, voltando a atenção para a estrada. Aura concordou com um aceno leve, mantendo o disfarce enquanto o som da carroça continuava a preencher o ar. — Mas agradeço por me nos dar uma carona até a Cidade Fronteira — disse ele, novamente voltando a olhar para a estrada à frente.

    — Eu é que deveria estar agradecendo. Afinal, você salvou minha vida… E ainda está servindo como escolta, — respondeu o velho com um sorriso. — Não sei nem como pagar essa dívida, jovem.

    — Talvez começando por não entrar em uma floresta amaldiçoada da próxima vez? — sugeriu Renier, lançando um olhar afiado para o velho enquanto cruzava os braços.

    — Eu… bem, foi um descuido — justificou-se o velho, coçando a cabeça com um sorriso nervoso. — Mas realmente não sabia que encontraria monstros tão terríveis aqui…

    Renier deu um pequeno sorriso de canto, uma expressão que parecia esconder mais do que ele dizia. — O senhor, enquanto estiver vivo, tente tomar mais cuidado com sua segurança daqui para frente… — disse ele com uma calma desconcertante, voltando a olhar para o velho. — Essa é a recompensa que desejo.

    — Oh, oh… Que jovem interessante você é… — disse o velho, rindo, embora parecesse genuinamente apreciar a atitude de Renier. Logo em seguida, o olhar do velho se fixou no horizonte, como se algo tivesse atraído sua atenção. — Ora, veja só… Estamos chegando.

    À medida que se aproximavam, o que parecia ser o limite da floresta se revelou: uma imensa muralha de pedra, com soldados posicionados em torres de observação. Eles manuseavam bestas com destreza, vigiando a floresta com olhares atentos.

    — Então, essa é a Cidade Fronteira? — Renier perguntou, intrigado com o que via. A paisagem medieval era um contraste marcante com o mundo moderno de onde ele vinha, mas ele se esforçou para não deixar transparecer sua surpresa.

    — Isso mesmo, mais conhecida como a Cidade da Defesa — respondeu o velho com um sorriso, sentindo prazer em explicar. — A antiga Capital ficava nas profundezas dessa floresta, agora tomada por essa vegetação estranha. Ninguém sabe exatamente onde está, nem mesmo o selo do Demônio. Mas, com o avanço dos monstros e outras criaturas sinistras que espreitam por aqui… a Cidade Fronteira foi erguida para servir como uma linha de defesa. Ela impede que essas criaturas avancem e ainda reporta à Nova Capital do Reino de Aurélia sobre qualquer movimento e a deterioração do selo. — O velho falou com um tom quase didático, como se estivesse contando uma história para uma criança. Renier, ao observá-lo, percebeu o brilho de satisfação nos olhos do homem, como se ele se divertisse em compartilhar essa história com cada jovem que cruzasse seu caminho.

    Renier puxa a bochecha da Aura, e mexe cuidadosamente na Malo, para ambas que abrem os olhos de forma desajeitada.

    Bocejando com sono ainda Aura responde frustada. — Nao tive tempo para descascar direito… — resmungou ela. — Ja chegamos na cidade?

    Assentiu Renier respondendo. — É o que parece.

    Malo logo observando a grande muralha e os solados, mas meio sonolenta pergunta. — É assim que se parece… Uma cidade humana? — murmurou ela.

    Renier se escorou na guarda da carroca. — Esse lugar esta mais para uma Cidade Militar, ela serve para barrar os monstros de dentro da Floresta Perdida… — murmurou ele, para apenas ambas ouvirem conforme vê que a aproximação da carroça para perto do portão de entrada da Cidade Fronteira.

    Ao aproximarem-se do grande portão, os soldados posicionados ao lado erguem a mão, ordenando que a carroça diminua a velocidade. O velho, acostumado com a rotina, obedece prontamente, puxando as rédeas até que a carroça parou à frente do portão, onde três soldados aguardam com atenção redobrada.

    Um dos guardas se aproximou e, em tom amistoso, perguntou se aquela era a entrega de suprimentos solicitada. O velho confirma, e o outro soldado, com um olhar misto de impaciência e preocupação, repreende-o levemente, como quem já está acostumado com a teimosia do senhor. — Quantas vezes já dissemos para não pegar o caminho pela Floresta Perdida? — resmunga ele. — Você arrisca a vida toda vez que atravessa aquele lugar!

    O velho solta uma risada cansada, acenando com a mão em rendição. — Essa foi a última vez, juro. Me encontrei com a morte lá… mas esses jovens, acabaram me salvando. E como uma boa dívida, e não vou mais me arriscar desse jeito.

    O soldado olha para Renier com um brilho curioso nos olhos e ri, quase como se o aprovasse. — Não faço ideia de quem você é, mas, se conseguiu fazer o velho cabeçudo mudar de ideia, já ganhou meu respeito. — Enquanto isso, o terceiro guarda, ocupado inspecionando a carroça, levanta a plaqueta com uma anotação. — Tudo certo. Os suprimentos estão todos aqui.

    Renier, com o olhar atento e perspicaz, observa a agitação ao redor e comenta, intrigado. — Parece que estão se preparando para algo…

    Um dos guardas suspira, revelando uma expressão de pesar. — Infelizmente, está chegando o Dia do Demônio. — Renier franze o cenho, e a Aura ao seu lado se antecipa em explicar.

    — Desde que Alaster foi selado, esse dia tem acontecido todo ano. É sempre na mesma data, no mesmo período, quando a Floresta Perdida vomita hordas de monstros e seres das trevas. Eles vêm da floresta numa onda brutal e só têm um propósito.

    Malo por um breve momento, absorvendo essa informação desvia olhar, e Renier percebendo isso, bate com o ombro no dela, dando um sorriso, fazendo ela se acalmar em resposta.

    O soldado completa o seu tom assumindo uma seriedade pesada. — Eles vêm para derramar sangue e carregar os corpos dos mortos de volta para a floresta.

    Renier, pensativo, sugere. — Isso parece um ritual… como se fosse para enfraquecer o selo.

    Os soldados se entreolham e concordam, cientes dos rumores que circulam pela Capital. — Essa é a teoria mais aceita. Acredita-se que o sangue derramado possa fortalecer Alaster, como uma espécie de oferenda, enfraquecendo o selo aos poucos.

    — Melhor não pensarmos muito nisso agora, — diz um dos soldados, forçando um sorriso para aliviar o clima tenso. — Velho, você e seu acompanhante estão liberados para entrar.

    Com um golpe firme do punho contra o portão de madeira, o soldado sinaliza a abertura, que começa com um rangido profundo. As duas metades do portão se abrem lentamente, revelando uma cidade impressionante. Os olhos de Renier percorrem as construções: duas mansões imponentes ao fundo, torres elevadas, uma fonte majestosa no centro, jorrando água cristalina. Ao redor, soldados patrulham de maneira vigilante, confirmando a sensação de que aquele era um lugar de alta importância militar.

    Com os portões se abrindo lentamente, a Cidade Fronteira se desdobrou diante deles. As ruas de pedra estavam repletas de soldados e moradores, todos ocupados com afazeres que pareciam ter um tom urgente, mas não desordenado. Crianças corriam entre as tendas dos mercadores, enquanto cidadãos apressados carregavam suprimentos e armas em direção à muralha. A atmosfera ali era de constante prontidão, e Renier percebeu que, mesmo para uma cidade militar, havia uma tensão especial no ar.

    Continua…

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