Capítulo 36: Destinos e Reuniões.
No alto de um plano onde o tempo e o espaço se dissolviam como ecos perdidos, as figuras que moldavam o equilíbrio da existência estavam reunidas. Pilares translúcidos, como cristais prismáticos, refletiam as silhuetas de entidades tão antigas e grandiosas que sua mera presença fazia a realidade ao redor oscilar. Cada movimento ou palavra dessas figuras era carregado com o peso de eras e de responsabilidades insondáveis.
Uma das figuras presentes, o Deus Primordial, reclinava-se despreocupadamente no trono resplandecente que ocupava, segurando um cálice dourado com elegância quase provocativa. Seu semblante jovem e arrogante exalava uma confiança inabalável, enquanto seus olhos dourados, brilhando como magma incandescente, observavam o ambiente. Ele riu baixinho, um som que cortou o silêncio solene, e ergueu o vinho aos lábios, saboreando-o como se o próprio momento fosse um banquete a ser desfrutado.
— Sentiram isso? — sua voz ecoou, grave e reverberante, como um trovão distante. — O equilíbrio… está ressurgindo. Ou seria… que já começou a se desfazer?
A Governante do Celestial, uma figura imponente e etérea envolta por asas monumentais repletas de olhos vigilantes, inclinou a cabeça levemente, seu semblante calmo e sereno. Os olhos prateados cintilavam com uma luz ancestral, enquanto sua voz, austera e musical, atravessava a sala.
— O retorno do Guardião Negro era inevitável. — Sua entonação carregava um peso quase profético. — Mas o desaparecimento da Yggdrasil… isso, sim, ameaça a harmonia de todos os reinos.
O Deus Primordial soltou outra risada, carregada de desdém.
— A “grande árvore” caiu. Talvez seja o momento de novas forças assumirem seu lugar. — Ele apoiou o cálice no braço do trono, inclinando-se para frente. — Finalmente, os deuses podem fazer o que ela nunca conseguiu.
O ambiente pareceu se resfriar, um silêncio denso pairando sobre os presentes. Foi quebrado apenas pelo olhar severo da Rainha dos Espíritos. Seus olhos, vastos e profundos como o cosmos, brilharam com uma intensidade que calou o riso do Primordial. Sem dizer uma palavra, ela deixou claro seu desprezo pela insolência dele.
Antes que a tensão escalasse, a Rainha das Valquírias ergueu a mão com autoridade incontestável. Mesmo as figuras mais poderosas presentes baixaram os olhos diante de seu gesto. Sua voz, forte e incisiva, reverberou pelo salão.
— Não há o que questionar. A confiança no Guardião Negro é mais que suficiente. Ele é o escolhido da Yggdrasil e do clã Kanemoto. Isso não está aberto a debate.
O Primordial bufou, cruzando os braços, mas sua expressão desafiadora foi interrompida pela voz macia e ao mesmo tempo corrosiva da Rainha do Inferno. Sua presença era ao mesmo tempo sedutora e ameaçadora, e seus olhos rubros brilhavam com uma malícia divertida.
— Ah, sim… o novo Guardião Negro. — Um sorriso cínico curvou seus lábios. — Ouvi dizer que ele derrotou meu querido Alaster… com uma facilidade quase humilhante.
Essa provocação arrancou um leve suspiro da Rainha dos Espíritos, que, finalmente, decidiu intervir.
— Se ele não for capaz de superar os desafios que virão, então não será digno de carregar o equilíbrio.
Um rugido grave ecoou pelo salão, interrompendo o discurso. O Dragão Cósmico Primordial deu um passo à frente, sua forma imensa projetando uma sombra sobre os outros. Seus olhos, ardendo como brasas, pousaram sobre a Rainha do Inferno, sua voz grave carregando uma autoridade primordial.
— Concordo. Ele enfrentará sua provação final. Com ou sem a Yggdrasil, cabe a ele restaurar o equilíbrio.
A Rainha do Inferno arqueou uma sobrancelha, um sorriso divertido brincando em seus lábios diante da declaração. Já a Governante do Celestial assentiu, satisfeita com o rumo da conversa. O Deus Primordial, porém, inclinou-se para frente, seus olhos dourados brilhando com uma luz perigosa.
— Vocês depositam fé demais nesse garoto. Mas não se preocupem… eu também quero “testá-lo”. — Um sorriso inquietante surgiu em seus lábios. — Enquanto ele tenta cumprir sua “missão”, nós, os verdadeiros deuses, criaremos o nosso próprio Guardião. E nossos experimentos… estão progredindo.
O peso de suas palavras pairou sobre a sala, denso e sufocante. A Rainha das Valquírias cerrava os punhos, seus olhos faiscando com fúria contida, mas ela se manteve firme. Aos poucos, as figuras ao redor começaram a desaparecer, suas silhuetas sendo absorvidas pelo brilho dos pilares que sustentavam o espaço.
Antes de partir, a Rainha do Inferno lançou um último olhar provocador ao Deus Primordial, o sorriso nos lábios carregado de um desprezo mordaz.
— Se os “verdadeiros deuses” são tão capazes, espero que estejam prontos para perder mais um Primordial.
Seu riso cortou o silêncio, ecoando mesmo depois que sua presença se dissipou. O Deus Primordial bufou novamente, visivelmente irritado, mas o sorriso que brotava em seu rosto traía a excitação sombria que o dominava.
— Que tentem. No fim, todos se curvarão aos verdadeiros deuses da existência.
E com isso, ele também desapareceu, deixando o salão vazio, exceto pelo eco de sua ambição desmedida.
✦—✵☽✧☾✵—✦
Com a queda de Alaster na Cidade Fronteira e o despertar de uma antiga lenda, Makoto Kanemoto, o mesmo dia foi marcado por uma celebração que encerrava o temido Dia do Demônio. Os monstros não invadiriam mais a cidade, e a presença do Guardião Negro parecia anunciar o início de uma nova era.
Renier observava tudo de uma das grandes torres. Seu olhar permanecia indiferente enquanto refletia sobre as consequências de seus próprios planos. Abaixo, o som de vozes animadas tomava conta da cidade, mas, ali no alto, o único ruído que o acompanhava era o crepitar suave das tochas ao vento.
Das sombras surgiu Aura, silenciosa como sempre. Ela se apoiou contra um dos pilares da torre, cruzando os braços e lançando o olhar para a vasta floresta ao longe. Sua postura era despreocupada, mas seus olhos demonstravam certa inquietação.
— Não vai ver sua avó e seus amigos? — perguntou, sem rodeios, voltando o olhar para ele. — Afinal, você fez o que nenhum outro Guardião fez: derrotou um demônio da casta mais alta do Inferno. É algo digno de celebração, não acha?
Renier não desviou os olhos da cidade. Sua voz soou calma, quase desinteressada.— Com Makoto por perto, tudo parece mais leve… — murmurou. — Mas um peixe pequeno não é o nosso objetivo, Aura. Você sabe disso.
Ela assentiu lentamente, seu tom refletindo a mesma seriedade.— Sim. Alaster foi apenas um desvio. A Sombra é o verdadeiro terror que está por vir. Nossa missão não acabou. Nem de longe.
Renier finalmente se ergueu, suspirando fundo antes de encarar a paisagem iluminada abaixo. A cidade, antes mergulhada em dor e desespero, agora estava em festa. O som de gritos de alegria, risadas e comemorações ecoava pelas ruas, onde antes só havia sofrimento.
— Humanos… — ele comentou, com um sorriso quase imperceptível. — São rápidos em mudar o ritmo da vida, não acha?
Aura também olhou para a cidade, pensativa.— Para eles, a vida é breve. Cada dia importa. Eles vivem o agora porque nunca sabem se haverá um amanhã. — Ela o observou com atenção antes de continuar. — Mas você… desde que se tornou o Guardião Negro, parece mais distante. Está se sentindo diferente?
Renier riu, mas seu tom era cínico, ele sabia que apos Yggdrasil e ele, se tornarem um só, tudo mudou nele, mas obviamente Renier nao iria dizer o motivo disso.— Ganhar fama e uma responsabilidade que eu nunca pedi? Não é exatamente o que eu escolheria. — Ele desviou o olhar, cruzando os braços. — Além disso, agora sou um alvo. Alaster foi apenas o começo.
Ele fez uma pausa, pensativo, antes de mudar de assunto.— Nosso próximo destino é a capital do Reino Aurélia. Malo ficará na cidade; ela é forte o suficiente para lidar com qualquer problema que aparecer. Anna e Anny são apenas civis, e levá-las conosco seria um risco desnecessário. Depois que lidarmos com a Sombra, podemos avançar com o plano.
Aura riu, mas havia algo de genuíno em seu sorriso.— Você realmente está aprendendo rápido. Nem parece o garoto que encontrei perdido na floresta. — Ela se inclinou, bagunçando os cabelos escuros de Renier com a mão. — Agora você parece um homem de verdade: toma decisões, dá ordens… Convicção e determinação são raras, ainda mais em alguém com esse rostinho bonito.
Renier deu uma risada abafada, retribuindo o gesto com leveza.— Talvez eu só tenha tido uma boa conselheira para me guiar, — disse ele descontraído, porém olhou para ela. — Então o após o meu objetivo terminar, qual será o seu? O que pretende ao desejar usar os poderes do Guardião Negro?
Com isso, algo na expressão de Aura mudou. Ela retirou a mão e desviou o olhar, focando novamente na cidade iluminada. Sua voz, quando voltou a falar, era séria e direta.— É hora de saber a verdade, eu acho… Eu não planejava estar ao seu lado, Renier. Na verdade, minha intenção era apenas usá-lo… Mas acabei me envolvendo demais. Então vou lhe contar qual é o meu verdadeiro objetivo.
Ela se virou para ele, seus olhos fixos nos dele, carregando uma intensidade que nunca havia mostrado antes.
Renier permaneceu calado, mas seu olhar demonstrava interesse. Desde o momento em que despertou neste mundo, Aura esteve ao seu lado. Porém, ele sabia que havia algo que ela nunca tinha dito. Quais seriam os verdadeiros motivos que a levaram a ajudá-lo? O que ela realmente queria dele?
Continua…
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.