Capítulo 52: Um Encontro Entre Divindades e Mortais
O silêncio no Palácio era quebrado apenas pelo som das palmas elegantes de Siryus. Ela estava sentada em seu trono de pedra negra, as pernas cruzadas e um sorriso travesso adornando seu rosto enquanto batia palmas de forma teatral.
Renier entrou no salão, seus passos ecoando pelas pedras rachadas. Seus olhos percorreram rapidamente o ambiente, analisando a destruição causada. Fragmentos do que uma vez foram pilastras estavam espalhados, e o corpo inconsciente de Aura jazia no chão, com sinais de sua luta evidente em seu estado fragilizado. Ele manteve a compostura, mas por um breve momento, seus olhos brilharam com uma irritação contida.
— Bravo, Guardião Negro. — Siryus exclamou com um tom de voz doce, mas carregado de sarcasmo. — Não esperava menos de alguém como você. Conseguiu realizar um feito que nem os seres acima da existência ousariam tentar…
Renier ergueu o olhar, fitando-a sem qualquer sinal de humor. Sua voz era firme, mas carregava um toque de ironia.
— Espero que tenha curtido ser a espectadora da luta contra a Sombra. Foi um espetáculo, não foi?
Siryus inclinou levemente a cabeça, o sorriso permanecendo no rosto.
— Foi uma experiência única. — Ela respondeu, como se estivesse se deliciando com a memória. — Ver um garoto reduzir uma essência do Vazio a cinzas de forma tão cruel… De fato, eu não perderia isso por nada.
Renier apertou os dedos ao redor do cabo de sua foice, mas manteve o tom leve, apesar da seriedade em seus olhos.
— Agora, me diga. Por que uma Deusa Caída está aqui?
Siryus piscou, surpresa, mas logo sua expressão se transformou em uma de fascínio.
— Então você percebeu… Não esperava que seus olhos fossem tão atentos. — Ela riu, deslizando os dedos pelo braço do trono. — Sim, eu sou uma Deusa. Ou melhor, fui. Agora estou aqui, no reino dos mortais, corrompida…
— Foi por escolha própria? — Renier perguntou, inclinado levemente a cabeça, sua voz cortante.
— Claro que foi. — Siryus respondeu com um tom divertido. — O Reino Divino se tornou… monótono. E bem, eu não perderia o nascimento de um legado tão grandioso quanto o seu.
Renier apoiou-se no cabo da foice, os olhos fixos nela, avaliando cada palavra.
— E o que dizer da ‘Guardiã do Caos’? — Ele perguntou, referindo-se ao título da usurpadora que atormentava Aura. — Yggdrasil nunca permitiu a criação de outros Guardiões.
Siryus sorriu maliciosamente, o brilho vermelho de seus olhos intensificando-se.
— Não permitia. — Ela corrigiu. — A Criadora desapareceu, Guardião. Agora, os seres acima da criação estão de olho em tudo, quebrando as regras dela como bem entendem. Eu não serei a única Guardiã a cruzar seu caminho.
Renier ficou em silêncio por um momento, digerindo aquela revelação perturbadora. Sua mente trabalhava rapidamente, ligando os pontos, enquanto a ideia de uma rebelião dos seres divinos tomava forma.
Siryus levantou-se do trono, sua postura graciosa e confiante. Ela caminhou lentamente até Renier, cada passo ressoando no salão vazio.
— Posso lhe dar a vitória, Guardião Negro. — Ela sussurrou, parando diante dele. — Mas por um preço.
Renier não hesitou em responder, sua voz firme e decisiva.
— Eu não faço acordos com ninguém, especialmente com alguém que não confio.
Siryus inclinou a cabeça, um sorriso provocador em seus lábios.
— Oh, você irá gostar deste acordo. — Ela disse, sua voz pingando de doçura venenosa. — Sua amiguinha pode ficar com este trono fútil e este território miserável. Eu só vim aqui por você. Nada mais.
Renier arqueou uma sobrancelha, a curiosidade finalmente se infiltrando em sua expressão.
— Continue. — Ele disse, sem se mover, mas seus olhos traíam um leve interesse.
Siryus se aproximou ainda mais, até que suas palavras fossem um sussurro.
— Eu não gosto dos deuses. Tenho minhas próprias pendências com eles. E, bem… Digamos que quero estar preparada para a nova mudança cósmica que está por vir.
Renier deu um sorriso frio, inclinado levemente a cabeça.
— Heh. Então é isso? Você quer usar meus poderes e minha influência para causar uma revolução? — Ele perguntou, a zombaria clara em sua voz. — É bem ousado da sua parte.
Siryus sorriu, satisfeita com sua interpretação.
— E então? O que acha?
Renier ficou em silêncio por um momento, seus olhos fixos nela. Então, ele falou, sua voz séria.
— Seres acima da existência não devem interferir no que acontece com os vivos. Criar Guardiões e quebrar as regras de Yggdrasil… Isso resulta em morte imediata.
— Estou ciente disso. — Siryus respondeu com um tom calmo, sem traço de preocupação.
Renier então inclinou levemente a cabeça.
— Muito bem. Eu vou ajudá-la. Mas você terá que provar seu valor primeiro. Um acordo só vale se beneficiar ambos os lados.
Siryus sorriu de forma maliciosa, inclinando-se para ele.
— Você verá meu valor… em breve. Guardião Negro.
E com essas palavras, ela desapareceu, sua presença se dissipando no ar, deixando o salão em um silêncio tenso.
Renier permaneceu onde estava, encarando o trono vazio por alguns segundos, antes de finalmente caminhar até Aura. Ele se ajoelhou ao lado dela, observando sua condição com atenção.
— Você é mais teimosa do que parece, Aura. — Ele murmurou suspirando, sua voz carregada de exasperação e uma pontada de preocupação, antes de começar a verificar os ferimentos da Oni.
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A lua banhava o palácio com uma luz suave, refletindo a tensão e o silêncio do ambiente. Renier, com uma expressão séria, cuidadosamente posicionou a cabeça de Aura sobre seu joelho, buscando proporcionar um mínimo de conforto à sua aliada ferida. Seus dedos, como se soubessem o que fazer, se posicionaram sobre o peito da Oni, e uma suave luz azul irrompeu, envolvendo o corpo dela. Era um brilho tranquilo, mas poderoso, um lembrete de seu vínculo com a energia cósmica que possuía como Guardião Negro.
Enquanto a luz emanava de sua mão, Renier refletia, em um murmurinho silencioso para si mesmo, sobre o que acabara de acontecer. Será que isso também acontecia com minha mãe, Yggdrasil? Será que a vontade de curar e manipular a energia era natural para ela, como é para mim? O pensamento vagava, distante, mas logo foi interrompido quando sentiu um movimento leve sob sua mão.
Aura começou a abrir os olhos, lentamente, seu olhar inicialmente desfocado, mas logo encontrando a imagem de Renier bem diante de si. Seu semblante estava tranquilo, contrastando com o caos e a violência das batalhas que acabara de presenciar. Ele sorriu suavemente, quase como se não fosse o mesmo homem que havia enfrentado a Sombra e negociado com a Deusa Caída, Siryus.
— Boa noite, — ele disse, com uma calma que parecia envolver todo o ambiente, como se a batalha já fosse uma lembrança distante.
Aura, ainda tentando se ajustar à realidade, franziu a testa e perguntou, com um suspiro de alívio, — O que aconteceu?
Renier, com a leveza que lhe era peculiar, simplificou a situação. — Matei a Sombra —, disse ele, com um sorriso discreto, mas sincero. — E Siryus… também foi morta. Tudo acabou agora.
Ela o olhou, atônita, antes de um alívio visível tomar conta de seu corpo. — Você… fez isso? — perguntou, um fio de surpresa em sua voz. — E meu povo? Eles ainda estão bem?
Renier hesitou por um instante, observando os detalhes das cicatrizes que a batalha havia deixado tanto em Aura quanto no próprio território. — Durante o confronto com a Sombra, ela se concentrou em mim, o que fez com que o caos no seu território diminuísse. Com a morte da Sombra, tudo vai voltar ao normal, com o tempo —, ele explicou. — Embora eu ainda sinta a presença de cerca de quinhentas almas… é possível que tudo se acalme em breve.
Aura olhou para ele com uma expressão de gratidão, uma felicidade silenciosa que ela não conseguiu esconder. — Então, está tudo bem. Obrigada, Renier. Eu… Eu não sei como agradecer.
Renier apenas inclinou a cabeça, com a serenidade habitual. — Descansa, Aura. Você merece.
Ela fechou os olhos, cedendo ao cansaço, mas ainda assim um sorriso surgiu em seus lábios. — Vou descansar por enquanto.
Renier ficou em silêncio por um momento, antes de fazer algo que, embora parecesse natural para ele, era, na verdade, uma escolha deliberada. Escondeu as informações sobre a verdadeira derrota de Siryus, sobre os planos que ainda estavam por vir. A Guardiã do Caos não tinha sido derrotada, não de verdade. Mas ele não queria que Aura soubesse disso. Ela já tinha o suficiente em que pensar, e não precisava carregar o peso das responsabilidades do Guardião Negro. Isso, ele faria sozinho.
Ele observou Aura descansar, sua respiração ficando mais tranquila. E, por um momento, a pesada carga de ser o Guardião Negro pareceu um pouco mais leve, como se, talvez, ele tivesse encontrado um equilíbrio. Mesmo que fosse por um breve instante, ele se permitiu sonhar com a paz que parecia ter conquistado, mesmo que temporariamente.
Continua…
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