Índice de Capítulo


    O interrogatório se arrastava, o ambiente ainda carregado de uma tensão palpável, mas agora mais suave, quase como uma névoa se dissipando. Jennifer fazia perguntas, Renier respondia, mas sempre com aquela aura de mistério ao redor de suas palavras. Ele falava o suficiente para manter o jogo de poder, mas evitava revelar detalhes sobre si mesmo. O tempo passava, e ainda assim, Jennifer não conseguia sentir que estava mais perto de entender quem realmente era o Guardião Negro.

    De repente, Renier começou a se balançar na cadeira, como se a paciência estivesse se esgotando, ou talvez estivesse apenas entediado. Seus olhos azuis brilhavam com uma curiosidade que só aumentava, até que ele fixou o olhar nos óculos escuros de Jennifer. A pergunta foi natural, como se a resposta fosse óbvia, mas ao mesmo tempo, ela parecia querer desestabilizá-la.

    — Me diga, Dra. Jennifer, — começou ele com um tom quase inocente, mas com aquele brilho de diversão — por que uma Medusa usaria óculos escuros?

    Jennifer parou por um momento, o dedo apontando para o caderno, frustrada com o desvio da conversa. Ela respirou fundo, fechando os olhos por um instante, como se estivesse tentando lidar com a paciência de um adolescente travesso em uma escola malcriada.

    — Sente-se direito, Guardião, e pare de fazer perguntas impertinentes. — Sua voz tinha um toque de exasperação.

    Renier soltou uma risada baixa, divertida, como se estivesse observando alguém tentar controlar uma situação em que claramente não tinha controle.

    — Então, é assim que você vai me tratar? — disse ele com um sorriso travesso.

    Jennifer suspirou, passando a mão pelos cabelos e as cobras agradecendo o calor do toque. Não sabia se deveria se irritar ou se admirar a coragem do garoto. Ela, no entanto, não estava disposta a deixar aquilo sair de seu controle. Aparentemente, o Guardião também estava se divertindo com a situação.

    — É até curioso saber que um Guardião, tão jovem, saiba identificar a minha raça exata apenas pelo olhar, — disse Jennifer, tentando recuperar a compostura. Ela, sem querer, havia mencionado um ponto que ela não imaginava que Renier fosse notar, mas ele o fez com uma facilidade desconcertante.

    Ele olhou para ela com um semblante sério, como se tivesse sido desafiado a responder com mais sabedoria do que seu comportamento brincalhão indicava.

    — Medusas nascem com o poder de petrificação, eu sei. — Renier disse, sem hesitar, como se fosse uma informação de conhecimento geral para ele. — Mas… normalmente, na fase madura, Medusas conseguem controlar esse poder, não é? Não vejo razão para esconder os olhos com algo tão simples como óculos escuros ou vendas.

    Jennifer o analisou, seus olhos frios e calculistas refletindo um toque de respeito. Ele estava certo, até certo ponto. Mas havia mais na história do que ele imaginava.

    — Você está correto, se eu fosse uma Medusa comum… — Jennifer disse, seu tom tornando-se um pouco mais sério. — Mas há algo único em minha linhagem.

    Ela fez uma pausa, observando a reação de Renier, antes de continuar com mais franqueza do que antes.

    — Dentro da nossa espécie, existe uma possibilidade rara, mas perigosa… — ela disse, como se estivesse prestes a revelar algo profundo. — Quando uma Medusa nasce com poderes mais elevados, mais perigosos, ela se torna uma Gorgona. Uma criatura mais poderosa, mais voraz, com um poder ocular tão forte que é difícil de controlar. Não apenas petrifica as pessoas, mas destrói tudo ao redor…

    Renier levou a mão ao queixo, visivelmente interessado. Ele estava acostumado a lidar com seres poderosos, mas a ideia de um poder tão incontrolável parecia algo fora do normal até para ele. A palavra “único” ressoava em sua mente, e ele sabia que aquele tipo de informação não deveria ser ignorado.

    — Isso… — Renier murmurou, mais para si mesmo do que para ela. — Isso é algo único, algo que está prestes a desabrochar.

    Jennifer continuava observando Renier com cautela, analisando cada detalhe de sua postura e palavras. Ele parecia mais atento do que ela havia imaginado inicialmente. Seus olhos azuis brilhavam com uma mistura de curiosidade e malícia, algo que a incomodava profundamente. Mesmo diante da revelação sobre sua natureza única como Gorgona, ele não parecia intimidado. Ao contrário, parecia mais interessado.

    — Sim… algo único. — Jennifer repetiu, um sorriso enigmático surgindo em seu rosto. Havia muito mais a ser dito, mas ela não estava pronta para revelar tudo. — Mas lembre-se, Guardião… O que é raro também pode ser perigoso.

    Renier inclinou-se levemente para frente, apoiando os cotovelos na mesa com um sorriso confiante.

    — Eu mais do que ninguém sei o que essas palavras significam. — Sua voz carregava uma mistura de sarcasmo e uma pitada de verdade, como se já tivesse enfrentado perigos semelhantes antes.

    Jennifer suspirou, agora já começando a ver aquela conversa como uma grande perda de tempo. Ela cruzou os braços e balançou a cabeça, deixando escapar uma pequena risada seca.

    — Até agora, tudo o que ouvi de você são informações básicas. — Ela declarou, seu tom carregado de frustração. — Coisas que qualquer anomalia presa dentro da Organização dos Seres da Noite poderia dizer. Nada em você se destaca.

    Ela pausou, puxando lentamente seus óculos escuros e revelando seus olhos. Eles eram hipnotizantes, escuros como um abismo profundo, mas com íris amarelas de cobra que pareciam brilhar no ambiente iluminado artificialmente.

    — Então me diga, Guardião… — Sua voz ficou mais baixa, quase sedutora, como se cada palavra fosse um sussurro direto para a mente de Renier. — Por que você está realmente aqui? E quais são todos os seus poderes?

    Houve um momento de silêncio. Renier permaneceu imóvel, o que a fez acreditar por um segundo que ele havia caído sob o controle de seus olhos. Mas então, ele começou a rir. Uma risada baixa e debochada que rapidamente encheu a sala.

    — Seus olhos são bem bonitos, sabia? — Ele disse, com um tom casual, como se fosse um elogio sincero. — Mas a tentativa de me controlar foi… bem, vamos dizer, inútil.

    Jennifer arregalou os olhos, chocada.

    — Isso nunca falhou antes. — Sua voz era incrédula. Não importava quem fosse, humanos ou criaturas sobrenaturais, ninguém jamais resistira ao poder de seus olhos.

    Renier deu de ombros, ainda sorrindo.

    — Tudo tem sua primeira vez. — Ele piscou, claramente se divertindo com a situação. — Mas já que você quer tanto saber… sim, eu tenho um motivo oculto para estar aqui.

    Jennifer estreitou os olhos, tentando recuperar o controle da situação.

    — Qual é o motivo, Guardião?

    Renier inclinou-se para trás na cadeira, cruzando os braços com um sorriso quase infantil no rosto.

    — Eu quero trabalhar para a Organização dos Seres da Noite.

    Jennifer piscou, completamente surpresa com a resposta. Aquela era a última coisa que ela esperava ouvir.

    — Trabalhar para nós? — Ela perguntou, sem esconder a incredulidade em sua voz.

    Renier apenas sorriu, observando-a em silêncio, como se estivesse gostando de vê-la tentar decifrar suas intenções.

    ✦—✵☽✧☾✵—✦

    A sala de controle estava mergulhada em um silêncio confortável, quebrado apenas pelo som suave do café sendo servido em uma xícara fina. A Administradora, com sua postura impecável e expressão geralmente inabalável, estava sentada diante de uma série de telas. Cada monitor exibia ângulos diferentes do interrogatório entre Jennifer e Renier, mas seus olhos estavam fixos na principal, onde a interação entre os dois se desenrolava.

    Ela observava com atenção. Cada palavra de Renier, cada movimento, era analisado meticulosamente. A Administradora não era alguém que se deixava levar por emoções, mas algo no Guardião Negro a intrigava profundamente.

    Quando finalmente declarou, com um sorriso despreocupado, que queria trabalhar para a Organização dos Seres da Noite, os olhos da Administradora brilharam com algo raro: curiosidade genuína. Ela pausou, a xícara a meio caminho da boca, e um sorriso lento e deliberado curvou seus lábios.

    — O Guardião Negro trabalhando para a Organização? — murmurou, como se saboreasse as palavras. Era ousado, inesperado, mas também algo que ela sabia que poderia ser uma virada de jogo.

    Ela apoiou a xícara no pires com um clique suave e cruzou as pernas, recostando-se na cadeira. Um semblante raro de genuína satisfação iluminava seu rosto.

    — Renier Kanemoto… — Ela repetiu o nome dele, quase como se estivesse memorizando cada sílaba. — Parece que você tem muito mais para mostrar do que aparenta.

    Com um olhar cheio de interesse, ela levou novamente o café aos lábios, bebendo calmamente enquanto continuava a assistir. Havia algo em Renier que a fazia acreditar que ele não era apenas mais uma anomalia ou um Guardião comum. Ele era um agente de mudança, alguém capaz de perturbar o equilíbrio de formas que ainda estavam por vir.

    A Administradora sabia que, seja lá qual fosse o verdadeiro objetivo de Renier, ela não o desperdiçaria. Ele era uma peça única no tabuleiro, e ela estava mais do que disposta a ver até onde ele poderia ir.

    Continua…

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota