Índice de Capítulo

    A tensão na praça era palpável. A multidão, excitada com a ideia de purificar a “besta” com as pedras abençoadas, se preparava para lançar sua ira contra a criança demi-humana, que mal conseguia levantar os olhos, coberta de sujeira e com as marcas de um sofrimento profundo.

    As nove caudas escuras balançavam fracas atrás dela, um contraste nítido com a selvageria que estava prestes a se desencadear.

    Mas antes que qualquer pedra fosse jogada, o som de um disparo cortou o ar. Uma chama azul intensa, como um relâmpago congelado, se projetou com velocidade, atingindo a pilha de pedras. Em um instante, tudo foi consumido por uma explosão de fogo.

    As pedras se desintegraram instantaneamente, a mesa de madeira virou cinzas, e o fogo ainda dançava, consumindo tudo o que tocava.

    A multidão, inicialmente extasiada, agora recuou em pânico. Alguns se jogaram para trás, outros caíram no chão, tentando se proteger do fogo que parecia ameaçar consumir tudo.

    O padre também se afastou, sua face ruborizada pela raiva e surpresa. Renier, de pé no meio da confusão, com a mão ainda erguida, observava calmamente, a fumaça saindo de sua palma como se nada tivesse acontecido. A frieza em seu olhar era absoluta.

    — Patético. — Renier disse, o desdém evidente na sua voz. Ele olhou para o padre com uma expressão quase de desinteresse, antes de desviar o olhar para a multidão. — Que tipo de chamado divino você acha que a Deusa da Luz está esperando? Para mostrar o quanto uma formiga como você se humilharia diante de uma multidão, a ponto de usar uma criança indefesa para tentar se sentir mais poderoso?

    Mila, que estava ao lado de Renier, mal podia acreditar no que acabara de presenciar. O poder mágico de Renier era algo impressionante, mas o que realmente a surpreendeu foi o desrespeito absoluto que ele demonstrou ao desafiar diretamente um membro da igreja. Isso poderia ser extremamente perigoso.

    O padre, vermelho de raiva, gaguejou ao tentar encontrar palavras, mas a ira só aumentava. Ele apontou para Renier com dedos trêmulos, indignado.

    — Como… como você ousa desafiar a Igreja da Deusa da Luz?! Esse ataque, esse desrespeito, será punido pela própria Deusa! O castigo será seu!

    Renier estalou os lábios, dando de ombros como se não se importasse nem um pouco. Ele começou a andar vagarosamente na direção do padre, a expressão em seu rosto um misto de divertimento e desprezo.

    — A Deusa da Luz, você diz? — Renier riu com sarcasmo, o som um tanto baixo e cortante. — Será que ela se importa com pedras falsas como essas? Que só servem para fazer com que um “fiel devoto” arranque as moedas da população pobre desta cidade com mentiras e promessas vazias? E, ainda por cima, usando uma criança como escudo?

    Ele ergueu a mão, apontando casualmente para a menina, agora olhando em sua direção com uma expressão vazia. — Sim, esse é o “milagre” que essa igreja oferece, não é? Uma criança indefesa, maltratada, sendo usada como ferramenta para tirar vantagem. Que honra divina!

    A multidão, que antes estava enlouquecida, agora parecia indecisa. Alguns sussurravam entre si, desconfortáveis com a situação, enquanto outros olhavam com receio para Renier. O padre, por sua vez, estava visivelmente atordoado pela ousadia de Renier, mas sua raiva parecia ser mais forte que qualquer outra coisa.

    Mila, ainda surpresa, começou a se afastar ligeiramente de Renier. A situação estava prestes a sair completamente de controle, e ela sabia que o mercador não se importaria com as consequências de sua provocação.

    A praça estava em completo alvoroço. O padre, com a fúria claramente estampada no rosto, ergueu a menina demi-humana pelas correntes que prendiam seus braços, fazendo-a gritar de dor enquanto seus pés mal tocavam o chão. Ele a levantou com força, sua voz rouca e raivosa ecoando pela praça.

    — Esta besta — ele rosnou, olhando para a garota com desprezo — tem andado entre os homens, agindo como se fosse um ser vivo, mas é apenas um monstro, como todos os outros de sua raça! Ela não merece compaixão, apenas punição!

    Renier, imóvel, observava com um olhar penetrante. Seus olhos azuis brilharam com intensidade, um leve brilho de desprezo surgindo em seu olhar. Ele estudava o padre com uma precisão calculada, e uma sensação desconfortável se formou dentro dele. Uma mentira. Ele sentiu isso claramente, como um farol aceso em meio à escuridão. O padre estava encobrindo algo.

    Renier deu um passo à frente, seu sorriso se alargando de maneira fria, quase divertida.

    — Um monstro acusando outro? — sua voz cortou o silêncio, carregada de um sarcasmo venenoso. — Você realmente acha que isso tudo é sobre purificação? Ou talvez seja só uma maneira de desarmar o povo, jogando-os uns contra os outros?

    O padre, furioso, gaguejou, tentando entender a provocação de Renier. Suas palavras saíram em um tom de ameaça.

    — Você… o que está dizendo? — Ele rosnou. — Como ousa falar assim da Deusa da Luz? Você será punido por isso!

    Renier não parecia se importar. Ele ergueu a mão de forma lenta e calculada, o ar ao seu redor começando a vibrar com a energia mágica.

    Seus olhos brilharam, e a pressão na praça aumentou drasticamente, mas o padre não conseguia entender. Ele recuou, apavorado pela aura de poder que emanava de Renier.

    — Idiota — murmurou o padre, a voz falha de raiva. — Se você me matar, será um crime que nem a própria Deusa pode perdoar!

    Renier não respondeu de imediato, apenas curvou os lábios em um sorriso travesso e maligno.

    — Então basta o monstro que você é, sobreviver. — Sua voz estava calma, mas o ar parecia pesado, carregado com a promessa de algo destrutivo. — Fique em paz, padre. Seu castigo será breve.

    Com um movimento suave, Renier disparou um feixe de luz pura, que atravessou o espaço com velocidade, atingindo o padre e a cidade ao redor em uma explosão devastadora, o som do impacto foi ensurdecedor, levantando poeira e escombros pelo ar, cidadãos se jogaram ao chão, gritando em pânico enquanto a terra tremia sob os seus pés.

    Mila, ao lado de Renier, observava em incredulidade, as palavras mal saindo de sua boca.

    — O que você fez, Renier? — Sua voz estava carregada de uma mistura de surpresa e medo. — Isso… você será condenado. A igreja não vai deixar barato!

    Renier olhou para ela com frieza, um brilho gélido em seus olhos.

    — Ele não morreu… E você verá que esse monstro não é alguém que possa ser julgado como um simples homem.

    Mila, ainda atônita, olhou para a fumaça que se erguia, tentando entender o que acontecera. Quando a fumaça começou a se dissipar, um rosnado gutural reverberou pela praça, e os cidadãos ao redor tremeram de medo. À medida que a visão se limpava, o que antes parecia ser o padre estava irreconhecível.

    Seu corpo agora era coberto por uma substância escura, seus olhos vermelhos como rubis, e espuma negra se derramava de sua boca. O braço esquerdo dele havia crescido desproporcionalmente, uma visão grotesca e familiar.

    Mila sentiu um calafrio percorrer sua espinha. A criatura que ela via diante de seus olhos era a mesma que Morales havia encontrado nas ruínas fora do território. Um ser monstruoso, uma verdadeira aberração.

    O “padre”, ou o que restava dele, gritou, seus olhos vermelhos fixados em Renier com um ódio que parecia consumir tudo ao seu redor.

    — Maldito! — Ele rugiu, a voz distorcida. — Como ousa interferir em meus planos? Essa cidade será o sacrifício para o retorno do meu mestre!

    Mila, aterrorizada, balbuciou, olhando para a criatura que agora ocupava o lugar do homem que antes se chamava padre.

    — Isso… isso não é real. Isso é um pesadelo…

    A cidade inteira estava em pânico. Cidadãos corriam em todas as direções, sem rumo, gritando, tentando fugir do monstro diante deles. Renier observava a criatura com um sorriso perverso.

    — Finalmente encontrei você. A aberração que atacou o forte tempos atrás. — Sua voz era baixa, mas cheia de um prazer sombrio.

    O monstro riu, uma risada baixa e maléfica que ecoou pela praça. Ele se virou para Renier, erguendo seu braço monstruoso, que se abriu em dois, revelando uma energia carmesim pulsante.

    — Não adianta de nada me seguir! — O monstro zombou, a risada se intensificando. — Meu mestre está chegando, e esta cidade será devorada no Labirinto!

    Renier estreitou os olhos. Era claro que havia alguém acima desse ser, alguém que estava orquestrando tudo isso. Mas antes que pudesse reagir, o monstro desapareceu em um piscar de olhos, sua última frase ressoando no ar com um tom ameaçador.

    Renier não hesitou. Ele sabia que algo ainda pior estava prestes a acontecer. A pressão sobre o local aumentava a cada segundo.

    Ele fez o que era necessário e, com um movimento rápido, agarrou a criança demi-humana e Mila, sua prioridade imediata. O céu acima deles começou a brilhar com uma luz carmesim, como se a própria cidade estivesse sendo consumida. O círculo mágico estava se intensificando, e o terror tomou conta da praça.

    O medo estampado no rosto de Mila refletia o terror de todos ao redor. A cidade estava prestes a ser destruída, e nada parecia capaz de detê-la. As ruas estavam sendo tomadas por gritos de pânico e desesperança. Em meio à confusão crescente, o caos tomou a praça com uma intensidade jamais vista.

    Renier observava o cenário com um olhar gélido, sua mente calculando o que estava por vir, mas o que viu a seguir não era algo que sequer pudesse prever. O grito familiar, aflitivo e apressado, cortou o ar.

    Lívia e Priscila, seguidas pelos soldados, corriam pela rua em direção à praça, com rostos preocupados e os passos rápidos, como se o som do desespero os tivesse guiado até ali.

    Renier se preparava para chamar suas aliadas, alertá-las do perigo iminente, mas antes que pudesse pronunciar sequer uma palavra, o chão abaixo delas começou a se agitar.

    Um brilho tão intenso surgiu sob os pés dos cidadãos que todos os sentidos pareciam ser anulados pela pura energia carmesim que se espalhou pelo solo.

    O ar, carregado de uma pressão opressiva, fez todos os presentes estremecerem, mas antes que alguém pudesse reagir, a explosão aconteceu. Uma explosão colossal, de uma energia demoníaca, rasgou a realidade. O som foi ensurdecedor, e o flash de luz carmesim iluminou a cidade como um relâmpago de destruição.

    Os gritos de pavor se misturaram ao rugido da explosão, o impacto tão forte que fez os edifícios tremerem até suas fundações. O chão se abriu em fissuras, e a cidade começou a afundar.

    Renier, com seus instintos afiados, reagiu no último segundo. A criança demi-humana estava em seus braços, protegida de sua maneira, mas a pressão da energia demoníaca era palpável, sufocante.

    Ele não podia mais hesitar. Não mais. A prioridade era clara: proteger a todos, a qualquer custo.

    Mila, segurando sua respiração e o pânico a ponto de transbordar de seus olhos, olhou para ele com uma expressão de medo sem palavras.

    A criança, assustada e tremendo, agarrava-se a Renier como se ele fosse a última coisa sólida no caos. Ele sabia que o tempo estava contra eles.

    O que vinha a seguir era um destino que ele não queria testemunhar.

    Enquanto a cidade desmoronava ao seu redor, o círculo mágico no céu crescia, formando uma espiral demoníaca que parecia sugar a própria essência do mundo.

    As pessoas gritavam e corriam, desesperadas, mas era como se uma força invisível tivesse lançado um manto sobre o destino deles, tornando qualquer tentativa de fuga inútil. Renier olhou para o horizonte, onde a cidade já começava a afundar nas trevas, seu olhar era de pura determinação.

    Ele sabia que a situação era desesperadora, mas havia uma coisa que ele jamais perderia: o controle. Não aquela cidade, não naquele momento.

    — Tudo vai afundar, Mila… — disse ele, sua voz fria e controlada, como se estivesse falando sobre algo trivial, mas a gravidade de suas palavras não deixava margem para dúvidas.

    Mila olhou para ele, assustada, mas sem palavras. A criança em seus braços não conseguia mais entender o que estava acontecendo, seu pequeno corpo tremia sem parar. De repente, o céu se iluminou com uma energia vermelha escarlate, e a terra começou a engolir tudo ao seu redor.

    O som do tremor da cidade, do choro dos inocentes e do rugido demoníaco ecoou pela praça como um grito de morte. Não havia mais tempo. Era o fim, e ninguém estava preparado para o que viria depois.

    Continua…

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