Capítulo 85: Fios Vermelhos.
A maré da batalha parecia, por fim, pender a favor do grupo. A Rainha Aranha, antes intocável, agora sangrava. Ela podia ficar ferida, e isso mudava tudo.
Mila segurava firme a foice sombria, seus olhos cintilando sob a viseira da armadura negra. Ao seu lado, Liza girava a lança com destreza, as escamas metálicas refletindo a luz tênue do núcleo ao fundo. Nenhuma das duas recuaria. Não agora.
Mas a voz de Luna ecoou atrás delas, cortando o clima de otimismo com um alerta gélido:
— Não se deixem levar. Ela ainda é a Rainha do Labirinto… e monstros como ela não caem só porque perderam uma pata.
A aura de Luna começava a se manifestar com maior intensidade. Suas nove caudas se estendiam e se arrepiaram como serpentes sombrias, carregadas de poder. Um brilho azul profundo, quase cósmico, se acendia ao redor de seu corpo, como se o próprio céu noturno tivesse descido e se curvado diante dela. Ela era a lua em meio à noite estrelada. Um farol mágico em meio à escuridão.
Com um olhar afiado, voltou-se para Laim.
— Tem algo útil aí? — perguntou, já sabendo a resposta.
O mago assentiu, sua expressão se acendendo com convicção.
— Não costumo ir pra linha de frente… mas tenho exatamente o que você precisa.
Laim ergueu as mãos e começou a entoar um encantamento numa língua antiga e cultural, a língua dos Forjanos. Cada palavra reverbera no ar como o som de martelos ancestrais batendo em bigornas mágicas. A aura de Luna respondeu ao cântico, crescendo em intensidade, tremeluzindo com novas faíscas de poder.
Era um feitiço de amplificação mágica, uma obra-prima de suporte arcano. Uma especialidade rara entre os magos de elite do Território dos Morales.
— Só posso usar isso três vezes — alertou ele, ofegante. — Então acerte cada golpe como se fosse o último.
Luna apenas acenou. Seus olhos brilharam em prata, e sua presença se intensificou. Agora ela era pura intenção. Um cometa à beira do impacto.
Enquanto isso, Mila e Liza avançavam novamente. A sincronia entre elas era perfeita. A foice cortava o ar com ferocidade, e a lança de Liza dançava com precisão mortal. A Rainha reagia, bloqueando os ataques com suas patas, agora visivelmente mais cautelosa.
Mas então, algo grotesco aconteceu.
No lugar onde Mila havia decepado a pata da aranha, um novo membro brotou. Não carne, não osso… mas teia. Fibras brancas e viscosas se entrelaçaram num instante, moldando uma nova garra, não mais uma simples pata, mas uma lâmina afiada, pulsando com intenção assassina.
O olhar de Liza se estreitou. Era tarde demais.
A criatura atacou com um golpe brutal. Liza tentou bloquear com o cabo da lança negra, mas a lâmina de teia cortou a arma como se fosse papel. O golpe prosseguiu, atingindo o abdômen da Lizardgirl, lançando-a contra a parede com um estrondo seco.
Mila arregalou os olhos e imediatamente liberou uma densa fumaça negra de sua armadura, envolvendo a Rainha e obscurecendo a visão do monstro. Sem perder tempo, correu em direção à companheira caída.
— Liza! Você tá bem?! — gritou, ajoelhando-se ao lado dela.
Liza rosnou baixo, levantando-se com dificuldade. Um corte longo atravessava suas escamas na região do estômago, mas ainda estava de pé, orgulhosa, resistente.
— Sou uma Lizardman, lembra? Nossas escamas não são só pra enfeite — respondeu, cuspindo um pouco de sangue. — É só um arranhão… superficial.
Mila respirou aliviada, mas sua expressão se fechou.
— Eu não esperava que ela fosse capaz de transformar a própria teia em armas…
Liza limpou o sangue dos lábios, olhos fixos novamente na Rainha, que já se organizava dentro da fumaça.
— Pois agora sabemos… e da próxima vez, eu corto essa lâmina antes que ela se forme.
A batalha estava longe do fim. Mas a chama da resistência ardia mais viva do que nunca.
A Rainha Aranha, ensandecida e faminta por destruição, lançou um novo jato de ácido carmesim direto na direção de Liza e Mila. O som do líquido fervente cortando o ar foi como um silvo demoníaco.
— Cuidado! — gritou Mila, puxando Liza com força para o lado.
Ambas rolaram no chão, por um triz escapando do ataque. No processo, a foice de Mila se desfez em sombras, desmanchando-se em partículas negras no instante em que ela soltou a arma para salvar a companheira.
Não houve tempo para recuperar o fôlego.
A Rainha já estava sobre elas, uma sombra colossal, imponente, horrenda. De sua boca não veio ácido dessa vez. Um novo horror tomava forma: fios vermelhos, espessos, vibrando com magia. Teias de sangue. Vivendo, pulsando, como se tivessem consciência própria.
A aura em torno da criatura se condensava em uma presença sufocante. Um peso que curvava o ar. Aquilo não era apenas magia, era puro pesadelo encarnado, prestes a desferir um golpe final sobre as duas guerreiras indefesas.
Mas antes que a morte as alcançasse, o chão tremeu.
Um clarão tomou o ambiente quando Luna explodiu em poder. Sua aura se ergueu como uma muralha de luz e fúria, varrendo o território da Aranha com um estrondo que ecoou como trovões. A própria Rainha interrompeu seu ataque, virando-se para a kitsune.
Luna flutuava, envolta em uma energia quase divina, dourada como o sol, prateada como a lua, mas tingida por traços rubros de corrosão, como rachaduras num espelho sagrado. Era bela. Era aterradora. Era a prova viva de que até a luz pode sangrar.
— Eu não vou cair aqui… — rosnou ela, olhos brilhando como estrelas em fúria.
A Rainha respondeu com um rugido. A teia vermelha se formou em espiral sobre sua cabeça. E então, ambas atacaram.
Do lado de Luna, um feixe colossal de mana azulada rasgou o ar. Era poder puro, moldado com precisão sobrenatural. Liam, ao fundo, sentiu os pulsos daquele ataque e se alarmou, aquilo não era magia comum. Era algo que só sacerdotisas divinas poderiam conjurar.
“O que diabos é essa kitsune?” pensou ele, surpreso.
Os ataques colidiram. A energia da Rainha encontrou o feixe de Luna. E no instante seguinte, caos.
Uma explosão titânica tomou o labirinto. O chão tremeu. O ar foi engolido por um clarão branco e um estrondo que parecia o fim do mundo. Uma onda de choque varreu tudo.
Quando a poeira baixou, Luna jazia no chão.
Seu corpo estava coberto de cortes, alguns profundos, outros superficiais, mas todos sangrando. Liam, mesmo protegido pela manta encantada, também se ferira. O tecido vermelho estava dilacerado em vários pontos, seu rosto tingido por ferimentos abertos.
— Isso… isso não foi só energia — murmurou Luna, com a voz fraca, quase num sussurro. — Aquela desgraçada lançou cortes com a própria teia… em todas as direções.
Do outro lado, Liza havia protegido Mila do impacto. Mas seu corpo… estava coberto de feridas. Sangue escorria por entre suas escamas, formando pequenos rios escarlates.
Ainda assim, ela riu, um riso fraco, mas cheio de orgulho.
— Estamos quites agora, Mila… você me salvou primeiro.
Mila sentiu o estômago afundar. Liza caiu ao chão, respirando com dificuldade. A guerreira que sempre parecia inabalável agora estava indefesa. E diante delas, a Rainha permanecia de pé, firme, inquebrável, mal arranhada.
Luna arfou, gritando:
— Mila! Ganha tempo! O máximo que conseguir!
— Você tá louca? Se lançar outro daquele ataque, vai morrer! — gritou Liam, tentando se levantar.
— Cala a boca, e lança o feitiço de novo! — rosnou Luna, sangue escorrendo de sua boca. Ela se ergueu com seu corpo pequeno aos poucos, vacilante, mas determinada. Os olhos fixos na inimiga. A dor era insuportável, mas sua vontade era maior.
Liam hesitou… mas obedeceu. A aura ao redor de Luna se reacendeu, instável, tremeluzente, mas viva.
Enquanto isso, Mila, com os olhos cheios de lágrimas e raiva, chamou sua foice de volta à mão e lançou uma pedra com força diretamente na cabeça da Rainha.
— Ei, filha da mãe! Agora sou eu sua oponente!
A criatura virou-se para ela. Sua mandíbula se abriu. E então, novamente, o horror… Energia começava a se concentrar em sua garganta. Os fios vermelhos voltaram a se formar.
Luna arregalou os olhos, sem conseguir acreditar no que via. Liam engasgou com um palavrão. Mila congelou por um segundo.
— Aquela coisa… pode lançar outro ataque daqueles?! — murmurou Luna, sem esconder o desespero.
Continua…
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