Capítulo 89: Fora do Labirinto.
Após os eventos no labirinto, Renier e seu grupo seguiram de volta à estalagem onde haviam se hospedado. Ao lado dele, caminhavam Mila, Luna e Liza. A presença das três fazia sentido, além do laço que se formava entre eles, Mila era filha da proprietária da estalagem.
Enquanto seguiam pelas ruas da cidade ainda levemente esvaziadas pelo caos recente, Renier quebrou o silêncio ao olhar para Mila.
— E o Lihan? Ele vai ficar bem voltando pra casa sozinho depois de tudo que passou? — questionou, com o semblante sério.
Mila sorriu de leve, olhando para frente.
— Ele parecia animado demais pra alguém que quase morreu — respondeu, com uma pitada de humor. — Aposto que já tá pensando em como contar isso pra guarda do território dos Morales. Sobreviveu a um labirinto… com certeza vão querer ouvir o que ele tem a dizer.
Renier apenas acenou em concordância, mantendo o olhar focado no caminho à frente.
Já próximos da entrada da cidade, a fachada familiar da estalagem começou a se desenhar diante deles. Algumas pessoas os observavam enquanto passavam, olhares curiosos, sussurros discretos. Muitos encaravam a armadura negra que cobria o corpo de Mila, outros comentavam entre si sobre o jovem que liderou um pequeno grupo e derrotou o labirinto.
— Os rumores são tão mais rápidos que a gente — comentou Luna, arqueando a sobrancelha ao ouvir os cochichos ao redor.
— Era só uma questão de tempo — rebateu Mila. — Ainda mais com tanta gente nos vendo saindo da entrada do labirinto da cidade… com certeza o boca a boca já tá em chamas.
Ao se aproximarem da porta da estalagem, um grito emocionado cortou o ambiente. A mãe de Mila saiu correndo, chamando pelo nome da filha, e num impulso desesperado a envolveu num abraço apertado, lágrimas escorrendo pelo rosto.
— Eu achei… eu achei que tinha te perdido — soluçou ela, apertando a filha contra si.
Mila, visivelmente constrangida, não resistiu ao abraço. Envolveu a mãe com cuidado e respondeu com calma:
— Eu tô bem, mãe… calma. Eu voltei, tá tudo certo.
A mulher recuou um pouco, ainda fungando, e olhou a filha de cima a baixo, notando a imponente armadura negra. Os olhos dela então se voltaram para Renier. Com a voz ainda embargada, mas sincera, ela disse:
— Obrigada… Obrigada por proteger minha filha lá dentro. Eu ouvi o que aconteceu.
Renier sorriu de leve, com aquele ar calmo que só ele tinha.
— Foi o mínimo que eu podia fazer — respondeu. — Ela foi muito mais do que uma guia pra mim nessa cidade… mostrou muito mais do que os mapas revelam.
Depois, virou-se para Luna e Liza.
— Vou pro quarto. Vamos. Deixem a Mila ter um tempo com a família dela.
— Valeu, Renier — agradeceu Mila, com um sorriso genuíno.
As duas o seguiram sem questionar. Subindo as escadas de madeira antiga, o som das conversas e dos choramingos suaves da mãe de Mila ainda ecoava pelo salão, enquanto a porta da estalagem se fechava atrás deles, abafando o peso do mundo… pelo menos por um momento.
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Renier empurrou a porta do quarto com o ombro, deixando-a ranger levemente enquanto entrava pela primeira vez no cômodo em que havia se hospedado, o mesmo que, por conta do caos no labirinto, mal teve tempo de conhecer.
O quarto era simples, mas surpreendentemente bem organizado. Duas camas de solteiro dividiam o espaço, separadas por uma mesinha de madeira já um pouco gasta pelo tempo. Nada luxuoso, mas havia uma sensação aconchegante ali, algo que quase gritava “você sobreviveu, agora descansa.”
Renier se jogou na cama mais próxima, afundando no colchão com um suspiro arrastado de puro alívio.
— Desde que cheguei nessa cidade maldita… essa é a primeira vez que consigo respirar de verdade — murmurou, olhando para o teto como se ele fosse uma benção celestial.
Mas ao desviar o olhar, percebeu algo curioso, Liza e Luna permaneciam de pé, imóveis, como se aguardassem alguma instrução, algum comando. Os olhos de ambas estavam fixos nele, sérios e… esperançosos?
Renier arqueou uma sobrancelha, depois apenas soltou outro suspiro, dessa vez mais irritado que aliviado.
— Tá, chega disso. Vocês duas precisam parar de esperar ordens minhas. Não vou tratar vocês como escravas, mesmo que tenham sido entregues como tal. Se querem ficar aqui, que seja por vontade própria.
A tensão nos ombros de Liza derreteu quase que imediatamente. Com um pequeno sorriso, um dos primeiros que Renier viu no rosto dela, a garota caminhou até uma das camas. Sua longa cauda serpenteou no ar com leveza enquanto ela se sentava e passava a mão pelo colchão, apertando-o com certa curiosidade infantil.
— É a primeira vez que encosto em algo tão macio… — disse ela, quase num sussurro, como quem não quer quebrar a magia do momento.
Luna, por outro lado, seguiu até a outra cama com naturalidade e se sentou sem cerimônia. Nenhuma expressão de surpresa. Nenhum comentário. Apenas se acomodou como quem já conhecia esse tipo de conforto há eras.
Renier observou de canto de olho e pensou, com certa ironia:
“Se esse papo de Deusa Caída for real mesmo… então essa aí deve ter dormido em nuvens e comido estrelas. Nada mais nesse mundo deve impressionar alguém assim.”
O quarto ficou em silêncio por alguns segundos, preenchido apenas pelos ruídos abafados da estalagem e o leve ranger da madeira antiga.
Era um momento raro: nenhum monstro, nenhum grito, nenhuma ameaça. Apenas um trio exausto, cada um carregando seu próprio fardo, finalmente podendo, ainda que brevemente, baixar a guarda.
O silêncio do quarto foi quebrado pela voz serena de Luna.
— Você tem alguma ideia do que fazer agora? — perguntou, os olhos dourados fixos em Renier, sérios, mas não agressivos. — Sabe tão bem quanto eu… que ainda não acabou.
Renier desviou o olhar da janela, onde a luz do entardecer começava a tingir o céu de laranja escuro. Ele respondeu num tom indiferente, mas com uma calma que parecia escondida atrás da exaustão.
— É… eu sei. — Coçou a nuca e respirou fundo. — Aquele desgraçado… o que se fazia passar por padre. Não estava entre os mortos. Fugiu assim que percebeu que o ritual falhou.
Liza, sentada com as pernas cruzadas na cama, ergueu o olhar.
— Vai atrás dele? Ou vai deixar essa história pra trás?
Renier encarou o teto por um instante, como se procurasse a resposta ali. Depois, soltou um “tch” baixo e respondeu, sem hesitar:
— Vou atrás. Se ele foi capaz de armar um labirinto inteiro pra invocar uma Calamidade, nada garante que não tente de novo. E da próxima vez… pode ser pior.
O peso daquelas palavras pairou no ar como fumaça. O silêncio voltou por alguns segundos, mas era um silêncio com gosto de “a batalha ainda não acabou”.
Então, Renier se levantou da cama, esticando os braços com um estalo nos ombros, como quem tentava empurrar a tensão para longe.
— Mas não agora. Já tá escurecendo… e se for pra encarar mais merda amanhã, é melhor descansar bem hoje.
Ele olhou para Liza e depois para Luna, com um olhar que, mesmo cansado, carregava um certo cuidado.
— Vocês duas… durmam. Amanhã pode ser longo. E diferente.
Não foi uma ordem. Foi quase um pedido. Um raro momento em que Renier deixava transparecer a preocupação que guardava tão bem debaixo da sua fachada impassível.
Liza apenas assentiu, puxando o cobertor com a cauda e se deitando com cuidado, como se ainda estivesse aprendendo a viver com conforto.
Luna o observou por mais alguns segundos, antes de deitar-se sem dizer nada.
Renier apagou a luz do quarto, sentando novamente em sua cama e ficando em silêncio.
Lá fora, o céu escurecia. E embora a noite prometesse ser calma… o dia seguinte podia trazer qualquer coisa.
Continua…
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