Capítulo 91: Sob as Mãos do Vazio.
Renier ainda estava travado, tentando assimilar a porrada que tinha acabado de levar. Kyouka… A responsável pelo massacre na O.S.N. Mas por quê? Qual era o plano dela?
O cheiro metálico de sangue no ar o trouxe de volta para o agora. Ele olhou ao redor: corpos, destruição e o vazio ecoando nas salas mortas. A marca silenciosa que ela deixou.
Foi quando a voz da Administradora, agora vinda diretamente do bracelete, quebrou o torpor:
— Renier… você entende o que isso significa? — ela disparou, seca.
Ele fechou os punhos com força, a raiva e o medo travando guerra dentro dele.Era óbvio. Mais do que óbvio.
— Se ela conseguiu invadir uma das raízes de Yggdrasil sem nem ser detectada… — Renier rosnou — …então poderia ter me matado na fonte. Sem chance de reação. Sem aviso. Um estalar de dedos e fim.
O que o deixava ainda mais paranoico: por que não fez?Se ela tinha poder para apagar tudo, por que só matou o resto e deixou ele respirando?
Administradora não deu espaço para devaneios.— Porque ela quis, Renier. Você está vivo… porque Kyouka quer que esteja.
Aquelas palavras caíram pesadas como pedras na alma dele.Kyouka não era só uma sombra do passado.Ela era um Avatar do Vazio. Uma entidade capaz de quebrar o tecido da existência… e decidiu poupá-lo.
Não por misericórdia. Por escolha.Renier sentiu o mundo girar. Tudo que ele achava que sabia… já era. E pior: o jogo nem tinha começado de verdade.
Renier respirou fundo, puxando o ar frio e denso daquele túmulo tecnológico. Seus olhos varreram o ambiente agora coberto de sombras, iluminado apenas pelo brilho espectral que emanava do bracelete tecnológico em seu braço.
— As coisas… saíram do controle de uma forma que nem eu previa — murmurou, mais pra si mesmo do que pra qualquer um.
A voz da Administradora, agora parte dele, ecoou firme:— Você tem um plano?
Renier acenou com a cabeça, a expressão endurecida pelo peso da responsabilidade. Mas antes, precisava entender o estrago completo.
— Me diz… por que você libertou todos os seres das contenções?
Administradora respondeu com a frieza de quem já havia feito as pazes com o próprio fim:
— Eu não fiz nada, Renier. Ela caminhou livremente pelos corredores. Cada contenção, cada cela… ela quebrou todas. Soltou os monstros pela existência.
Renier soltou um suspiro pesado, quase rindo da ironia trágica.
— Vai dar uma dor de cabeça infernal depois…
— Não há mais nada aqui. A O.S.N. virou apenas um eco vazio. — cravou a Administradora, sem qualquer emoção.
Renier assentiu. Era verdade. Não havia mais o que proteger. Só destroços, corpos e memórias mortas.
Mas ele ainda tinha honra. Ainda tinha um dever.
Estalando os dedos, Renier rasgou o tecido da realidade, abrindo uma fenda dimensional brilhante. Com a outra mão, puxou sua foice, a lâmina cortando o ar como um trovão. Sem hesitar, ele desferiu um golpe que liberou um pulso de energia brutal.
A base inteira tremeu. Um rugido ensurdecedor ecoou pelas raízes de Yggdrasil.
Explosões começaram a se acender em sequência, uma sinfonia de destruição que apagaria para sempre a existência da Organização que um dia tentou proteger o multiverso.
Renier olhou uma última vez para o vazio atrás de si. Não podia trazer ninguém de volta… mas podia garantir que descansassem, longe do toque corrupto do Vazio.
Sem olhar para trás, ele mergulhou na fenda.Assim que atravessou, a fenda explodiu atrás dele, uma onda de fogo e fumaça devorando a O.S.N., apagando-a das raízes da existência.
Renier seguiu em frente. E a Yggdrasil… tremia.
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Oito horas da manhã. O sol ainda se espreguiçava no horizonte quando Liza e Luna já estavam de pé, chamadas pela dona da estalagem e, claro, por Mila, que animadamente convidou ambas para tomarem o café da manhã juntas.
A mãe de Mila, uma senhora simpática e de olhos atentos, logo não perdeu tempo: assim que viu as duas descendo, perguntou com aquela curiosidade afiada de mãe:
— E o Renier? Onde ele foi parar?
Liza, sempre a formalidade encarnada, respondeu num tom polido:
— Apenas o vimos indo dormir no meio da noite. Depois que eu e Luna adormecemos, não faço ideia do que aconteceu.
Enquanto isso, Mila já não vestia mais a armadura negra do Dullahan que derrotara no labirinto, agora estava de roupa casual, algo leve e prático para o dia a dia. Entre bandejas e pratos fumegantes, ela arrumava a mesa com uma eficiência quase militar.
Sentando-se com um suspiro aliviado, Mila comentou:
— Não sei o que passa na cabeça do Renier… Mas talvez ele só esteja tentando se fazer de forte. Deve ter saído pra clarear a mente.
Sua mãe concordou com um aceno sábio:
— Ele parece carregar muita coisa nas costas, mesmo sem demonstrar. Tem jeito daqueles que querem aguentar o mundo inteiro sozinho.
Luna, quieta como uma sombra, apenas pegou seu copo e tomou um gole do café com leite preparado pela cozinheira. Não disse uma palavra, mas seu olhar se desviou naturalmente para a porta da estalagem.
A madeira rangeu levemente quando Renier entrou, carregando uma sacola grande nas mãos. Um sorriso despreocupado estampava seu rosto, como se nada de estranho tivesse acontecido.
— Desculpem por ter saído sem avisar. Espero não ter preocupado vocês.
Mila arqueou a sobrancelha, apontando para a sacola:
— Você foi… fazer compras?
Renier riu de leve e acenou positivamente. Olhou diretamente para Liza e Luna, e com aquele jeito casual mas firme, declarou:
— Não posso permitir que fiquem usando trapos de escravos enquanto estiverem sob minha responsabilidade, — afirmou Renier. — Então fui comprar algumas roupas pra vocês — completou, balançando a sacola cheia com orgulho.
O ambiente, que estava carregado de uma preocupação silenciosa, pareceu ficar mais leve. Pelo menos por agora.
Por dentro, Renier só queria uma coisa: esfriar a cabeça.O peso da noite anterior ainda prensava seu peito como uma bigorna. As mortes na Organização… a culpa era um espectro constante sussurrando em seus ouvidos.
Era responsabilidade dele proteger aquele lugar.
E ele tinha falhado.
Enquanto ele encarava o vazio da própria mente, Mila, sempre atenta como uma mãe de meia-idade que sente cheiro de problema no ar, lançou um olhar de canto para ele e perguntou:
— Renier, você tá bem?
A resposta veio seca, na ponta da língua, como quem quer evitar cavar o próprio buraco:
— Estou sim.
Sem dar espaço pra mais perguntas, ele rapidamente mudou de assunto, virando o jogo como um mestre da dissimulação:
— Mila… poderia ajudar a Luna e a Liza com as roupas novas?
Mila sorriu com aquele jeitinho maroto que dizia “ok, vou fingir que acredito em você só pra não piorar a situação”.
Ela pegou a sacola das mãos de Renier, aceitando a tarefa sem pestanejar:
— Pode deixar! Agora vai lá tomar um café de verdade, você tá precisando — brincou, enquanto fazia sinal para Luna e Liza a seguirem escada acima.
Renier apenas observou.Viu as três subindo as escadas, conversando baixinho, até desaparecerem nos corredores da estalagem.
E quando o último fio de cabelo delas sumiu de vista, ele soltou um suspiro longo, pesado, como quem tira o capacete depois de um dia inteiro na guerra.
Frustração era pouco para o que ele sentia. Era o tipo de sentimento que não tem nome, só pesa, corroendo e se esconde bem fundo pra ninguém ver.
Continua…
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