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    O sol mal havia tocado os telhados da cidade, mas o aroma quente de pão recém-saído do forno já se espalhava pelas ruas. Ele vinha direto da cozinha da estalagem, onde a mãe de Mila preparava o café da manhã com uma dedicação que só mães de verdade conhecem. O cheiro invadia até o andar de cima, onde, no quarto dos viajantes, o foco estava em algo mais importante que pão: transformação.

    Renier estava ajoelhado no chão de madeira polida, com os dedos ágeis ajustando os últimos detalhes do novo traje de Luna, a jovem Kitsune. O yukata azul brilhava sob a luz do amanhecer, com detalhes prateados que pareciam quase vivos. Uma presilha em forma de meia-lua segurava parte do cabelo da garota, combinando perfeitamente com o par de botas azuis recém-modeladas, práticas, firmes, nada de chinelos de madeira ou meias escorregadias. A cidade era movimentada demais para brincadeiras.

    Levantando-se, Renier bateu as mãos nas laterais da camisa, seu jaleco estava jogado na cama, abandonado por hora, e observou a pequena transformação.

    — E aí? O que achou do novo visual? — perguntou ele, com um sorriso contido e os braços cruzados.

    Luna girou sobre os calcanhares com leveza, deixando suas nove caudas acompanharem o movimento como uma dança. Os olhos dela brilhavam ao sentir a seda deslizar pelo corpo, o tecido parecia feito sob medida.

    — Ficou perfeito… é tão leve… mas tão aconchegante. — disse ela, sorrindo com sinceridade.

    Renier assentiu.

    — Ele se adapta à temperatura do ambiente. Esfriar se estiver calor, aquece se estiver frio. Você vai estar sempre confortável, sem precisar se preocupar.

    Luna acenou animada, dando mais uma giradinha só para sentir o balanço das caudas e a liberdade do novo traje.

    Então, Renier virou o olhar para a outra figura presente: Liza, a Lizardgirl. De pé, encostada na parede, ainda usando os restos de pano que mais pareciam trapos de cativeiro.

    — Certo, agora é a sua vez — disse ele, firme, mas gentil. — Esses trapos de escrava não combinam mais com você.

    Liza acenou com a cabeça, sem hesitar, e começou a remover o que restava das roupas. Sem vergonha, sem medo. A naturalidade no gesto pegou Renier desprevenido. Ele desviou o olhar por respeito, mas percebeu no rosto dela que não havia malícia. Aquilo não era provocação. Era apenas… parte da natureza dela. Talvez a ideia de “corpo” para sua espécie não carregasse a mesma carga que os humanos colocam.

    Renier soltou uma risada leve, quase irônica, e comentou:

    — Bom… então vamos fazer algo digno desse corpo perfeito, né?

    Liza arregalou os olhos, surpresa, não esperava aquele tipo de comentário vindo dele. Mas antes que pudesse dizer algo, Renier ativou o bracelete no pulso.

    — Vamos escanear e montar algo ideal.

    Um brilho azulado preencheu o ambiente e um holograma tridimensional do corpo de Liza surgiu no ar. As linhas se ajustavam, analisando medidas, proporções e até posturas de combate.

    Luna, ainda admirando suas mangas largas, comentou:

    — Esse seu bracelete… é bem versátil, hein?

    — Foi feito por uma mente brilhante. — respondeu Renier, sem se gabar, apenas falando uma verdade.

    O holograma se encheu de possibilidades. Trajes táticos, armaduras leves, roupas de combate, modelos inspirados em culturas antigas e modernas. Renier navegava pelas opções com facilidade.

    — Alguma preferência? — perguntou ele, olhando para Liza. — Roupa, armamento, estilo? Podemos montar tudo sob medida.

    Liza respondeu com simplicidade, os olhos sérios, mas gratos:

    — A roupa pode ser qualquer uma, desde que seja prática. Quanto às armas… eu me viro em qualquer estilo. Mas… algo de longo alcance seria útil. Como um arco. E flechas.

    Renier sorriu de lado. A mente dele já trabalhava em modelos possíveis, leves, resistentes e elegantes. Armaduras de movimento, tecidos inteligentes, um arco com energia cinética capaz de perfurar até metal…

    Mas ali, no meio da preparação, do cuidado com os detalhes, havia mais do que só upgrades.

    Ali estavam três pessoas quebradas pelo mundo, reconstruindo a si mesmas, peça por peça, roupa por roupa. Como se vestir melhor fosse o primeiro passo para acreditar que podiam ser algo mais.

    Enquanto Luna ainda admirava seu novo traje diante do espelho, Renier se voltou novamente ao bracelete. Seus olhos varriam a interface holográfica com precisão cirúrgica, navegando entre infinitas possibilidades de design. O dispositivo processava dados com rapidez, ajustando modelos tridimensionais ao biotipo de Liza, testando cortes, tecidos, pesos e mobilidade. Nada muito pesado, nada que atrapalhasse os movimentos ágeis da Lizardgirl.

    Até que ele viu. Um modelo brilhou na tela com a marca dourada de compatibilidade máxima. Renier arqueou uma sobrancelha, esboçando um sorriso de canto. Era esse. Sem hesitar, apontou o bracelete na direção de Liza e ativou o protocolo de modelagem.

    A transformação foi quase mágica.

    Primeiro veio o cabelo. Liso, longo, com movimento natural, esvoaçante como se estivesse sempre dançando com o vento. A cor era um castanho escuro profundo, quase negro, com um brilho leve que refletia a luz do quarto. Parte dos fios caía solta pelas costas, enquanto o restante se prendia num rabo de cavalo alto, elegante, arrematado com um laço decorativo com runas bordadas.

    Depois, o traje se formou. Um vestido branco tomou forma a partir do peito, com recortes simétricos e linhas prateadas que corriam pelas bordas. Os ombros ficaram expostos, enquanto as mangas longas se abriam nas pontas como asas em descanso. A cintura se ajustando com perfeição, marcada por um cinto delicado, no centro do qual brilhava um símbolo mágico, pulsante, vivo. O saiote era leve, multicamadas, quase etéreo, como se cada camada flutuasse com sua própria vontade.

    Botas brancas subiram pelas pernas dela, coladas até os joelhos, com detalhes metálicos claros e pequenas runas esculpidas nos canos, simples à primeira vista, mas potentes para quem sabia onde olhar.

    E então vieram as armas.

    Uma lança carmesim surgiu em sua diagonal, encaixada perfeitamente nas costas. Longa, imponente, com a ponta feita de um material que parecia fundir magia e metal. Em sua cintura, um rifle de design futurista se prendeu com firmeza, o núcleo brilhando com energia de plasma viva, canalizada diretamente a partir das reservas internas de Renier. Era uma obra-prima tecnológica, projetada não só para matar… mas para se destacar.

    Liza encarou seu reflexo no espelho de corpo inteiro. Os olhos arregalados, as pupilas vibrando em espanto e admiração. Ela girou sobre os pés, como uma garota que veste o primeiro vestido da vida. A cauda, normalmente contida e vigilante, se mexia de um lado pro outro com energia, como se não coubesse dentro do próprio corpo. O brilho nos olhos dela dizia tudo, surpresa, animação e… um pouco de incredulidade.

    — Isso… é demais… — murmurou ela, tocando o tecido com os dedos. — Tudo é tão… detalhado. Até o cheiro do traje é agradável…

    Renier cruzou os braços, com aquele sorrisinho cínico, como quem já sabia que ia arrasar.

    — Eu só dei um empurrãozinho. — disse ele. — Você sempre foi bonita… Eu só fiz isso tudo realçar ainda mais.

    E então piscou pra ela, como se aquele comentário fosse só mais um na rotina, mesmo sabendo muito bem o impacto que causava.

    Liza arregalou os olhos por um instante, a expressão tomada por uma surpresa sincera. Um leve rubor subiu-lhe ao rosto, o suficiente para entregar o impacto do comentário de Renier, mesmo que ela rapidamente virasse o rosto, tentando disfarçar. A cauda, no entanto, denunciava tudo, mexendo-se inquieta, com pequenos espasmos que não conseguiam acompanhar a tentativa de compostura da dona.

    Luna, que assistia tudo de camarote, mal conteve o riso. Cobriu a boca com uma das mãos, os olhos semicerrados, claramente se divertindo com a cena.

    Renier, impassível, deu de ombros e continuou, com seu tom habitual de quem sabe mais do que diz:

    — Ah, o rifle? Depois eu te ensino a atirar com ele, Liza. Mas primeiro… vocês duas precisam estar lindas. — Ele cruzou os braços, dando uma última olhada avaliadora em ambas. — Impecáveis, de preferência.

    Luna arqueou uma sobrancelha, curiosa:

    — Hmm… tem um motivo especial pra esse desfile de moda matinal, ou só quer impressionar alguém?

    Renier sorriu de canto, o olhar astuto:

    — Vamos fazer uma visitinha na Casa da Família Morales. Não sei como eles são com formalidades, mas é melhor não dar brecha pra comentário. Aparência é meio caminho andado em encontros com gente de nariz empinado.

    Liza assentiu com naturalidade, a voz firme:

    — Prometo não te envergonhar na frente de nenhum nobre.

    Renier deu uma risada curta, divertida.

    — Relaxa. Não precisa ficar tensa com isso. Eu não estou nem um pouco preocupado com o que eles pensam, só não quero dar munição à toa.

    Com um leve movimento, Renier pegou o jaleco jogado sobre a cama. O tecido deslizou pelos ombros, se acomodando perfeitamente sobre a camisa. No mesmo instante, as linhas de energia neom azul etéreo se reacenderam com o contato da peça com o corpo dele, como se despertasse de um sono leve. O brilho percorreu as costuras, pulsando levemente conforme os batimentos de Renier. Estava pronto.

    — Agora… falta só uma coisinha antes de irmos encontrar a Lívia e a família dela. — disse ele, ajustando o colarinho. — Vou pedir a cozinha da mãe da Mila emprestada.

    Luna se animou na hora, os olhos brilhando:

    — Cozinha?! Ah, com certeza eu vou ajudar! Já quero mexer em umas panelas!

    Liza observou as duas por um momento, depois colocou uma das mãos na cintura, assumindo uma pose decidida:

    — Aprender a cozinhar parece algo importante… Então tô dentro também.

    Renier sorriu com aprovação, erguendo uma sobrancelha.

    — Isso aí. Se for pra conquistar respeito, às vezes um bom prato fala mais alto que mil palavras.

    E com isso, os três saíram do quarto, prontos para invadir a cozinha com estilo e talvez, só talvez, um toque de caos culinário no ar.

    Continua…

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