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    O sol da manhã ainda estava baixo quando Brigitte chegou à entrada da vila, não era nem dez horas de manhã ainda e o céu limpo fazia sol brilhar mais do que nos dias com nuvens. Ela carregava uma grande mochila nas costas, completamente cheia de roupas, livros, suprimentos, um cobertor grosso e sua lança, que estava presa em uma bainha feita de madeira. O peso fazia seus ombros doerem a cada passo, e a madeira da lança rangia levemente quando ela se movia, lembrando-a de que estava realmente indo embora. Que sua vida começaria a partir daquele instante.

    A praça, que em outros dias era cheia de vozes e passos, agora parecia mais silenciosa do que nunca. Algumas pessoas passavam ao longe, carregando cestos, puxando carroças, arrumando mercadorias, mas ninguém parou para se despedir dela. Alguns até desviaram o olhar, outros fingiram não tê-la visto, em geral, nenhuma das poucas pessoas ali parou para dar tchau à garota. Brigitte já esperava por isso. Não queria aplausos, nem flores, nem despedidas forçadas. Mesmo assim, o silêncio dos vizinhos era pesado, um lembrete de tudo o que havia vivido ali.

    Duas pessoas, porém, duas figuras estavam lá por ela. Odile, sua mãe, estava de pé junto da fonte, segurando um lenço contra os olhos marejados. O sorriso dela era frágil, parecia que iria se quebrar a qualquer instante e vir a chorar. Já Eric estava de braços cruzados, com o queixo erguido, como se tentasse se manter firme, mas os olhos avermelhados e a boca tremendo desmentiam sua expressão dura.

    Brigitte parou diante deles. Por um instante, ninguém disse nada. Apenas o vento mexeu a água da fonte e um corvo gritou ao longe. Então, Odile deu um passo à frente.

    — Então… você vai mesmo? — perguntou, com a voz trêmula. — Vai deixar a vila pra trás?

    Brigitte assentiu uma única vez.

    — É o que eu preciso fazer.

    Odile apertou o lenço e, antes que pudesse se conter, envolveu a filha em um abraço apertado, tão forte quanto seus braços conseguiam. Brigitte ficou imóvel por um segundo, mas logo sentiu aquele calor familiar e retribuiu, abraçando a mãe de volta. Havia algo naquele gesto que não precisava de palavras — um pedido silencioso de perdão, um “desculpa por tudo”.

    Os braços de Odile tremiam contra seu peito. Brigitte podia sentir o coração da mãe batendo rápido, mais rápido do que nunca.

    — Só… só promete que vai comer direito, tá? — sussurrou Odile em seu ouvido, apertando ainda mais. — Usa aquele casaco grosso quando fizer frio. Não dorme no chão duro. E… e se alguém estranho tentar alguma coisa, detona com a cara deles! — completou, forçando um sorriso encorajador no meio das lágrimas.

    Brigitte sorriu de leve.

    — Prometo, mãe.

    Odile afastou-se um pouco para encarar o rosto da filha. Tocou em suas bochechas com as duas mãos, como fazia quando Brigitte era criança. Os dedos tremiam, mas os olhos estavam cheios de carinho.

    — Ainda lembro quando você caiu daquela árvore tentando pegar uma maçã e voltou com o joelho ralado, bem feio. — disse, rindo fraco, engolindo o choro. — Você não chorou… só levantou e disse: “Não foi nada”. Eu devia ter entendido naquela hora que não dava pra te segurar em casa.

    Brigitte apertou os lábios. Não queria chorar, mas a lembrança aqueceu seu coração e apertou seus olhos.

    — De vez em quando eu venho te visitar, mãe. Isso eu prometo.

    Odile assentiu, mas era como se não acreditasse de todo. Tinha medo que a filha não voltasse. Ainda assim, beijou sua testa e a abraçou de novo, mais rápido desta vez, como se ao soltar, iria perdê-la para para sempre.

    Eric então deu um passo à frente. Por um momento, só encarou a filha. O olhar dele percorreu a mochila, a lança presa nas costas, e voltou ao seu rosto. A mandíbula contraída denunciava o esforço para manter a compostura.

    — Eu nunca soube o que fazer com você. — disse, finalmente, com a voz grave e baixa. — Nem como te proteger direito.

    Brigitte piscou, surpresa. Não esperava uma confissão tão direta. Seu pai — na grande parte das vezes — era duro, pouco se impressionava com as ações da filha e conversava ainda menos com ela.

    Eric respirou fundo, o ar saiu pesado, como se tivesse sido guardado por anos dentro do peito.

    — Mas você… você sempre soube o que queria. Sempre teve coragem de seguir em frente, mesmo quando ninguém acreditava… Nem eu… — ele hesitou, a voz falhou por um instante. — E eu te admiro por isso.

    As palavras entraram fundo em Brigitte. O peito dela se apertou, não por tristeza, mas pela satisfação de um reconhecimento que esperou a vida toda.

    — Pai…

    Eric levantou a mão e segurou o ombro dela, firme. Era um gesto simples, mas o peso dele falava mais que qualquer abraço. Os dedos estavam fortes, mas não pesados. Era como se ele estivesse tentando passar para ela a força que nunca conseguiu demonstrar em palavras.

    — Não deixa esse mundo te quebrar, filha. — disse. — Não deixa ninguém dizer o que você é ou o que deve ser. Só você sabe disso.

    Brigitte engoliu em seco, sentindo a garganta arder.

    — Eu vou lembrar disso.

    Eric assentiu. O olhar dele ficou firme, duro de novo, como se fosse necessário para não desmoronar.

    — Só me promete uma coisa.

    — O quê? — perguntou ela.

    Ele demorou uns dois segundos antes de responder, tentando encontrar as palavras certas. Foi apenas quando respirou fundo de novo que conseguiu dizer o que estava preso na alma.

    — Volta viva… por favor.

    Brigitte fechou os olhos, respirou fundo. Pela primeira vez, sentiu que o pai não apenas a entendia, mas a aceitava. Um sorriso brotou em seus lábios, frágil e feliz ao mesmo tempo.

    — Eu prometo.

    Eric soltou o ombro dela devagar, mas seus olhos não desgrudaram, como se quisesse guardar aquela imagem para sempre.

    Por alguns segundos, ficaram os três em silêncio, respirando o mesmo ar, unidos não por palavras, mas pelo doce momento que viviam. Um momento que viveria para sempre dentro deles.

    Brigitte já estava a poucos passos do portão da vila quando…

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