Índice de Capítulo

    As veias de Fenrir estavam evidentes como nós vermelhos em um tapete branco. A visão fez Anayê entender a razão de não ter encontrado a aberração antes.

    Ela levantou os olhos e fitou o jovem.

    Ailu e os outros se afastaram alguns passos com olhos pulando da ceifadora para o líder do vilarejo.

    — O que você fez? — Anayê questionou.

    Fenrir engoliu a saliva e falou sem erguer a cabeça:

    — É tudo culpa minha.

    Zátia franziu o cenho.

    — O que está dizendo, Fenrir? — ela indagou; a incredulidade na voz.

    O jovem finalmente levantou os olhos.

    — Foi por você — revelou.

    Zátia encarou-o por alguns segundos, boquiaberta.

    — Você me rejeitou para ficar com Wliff — o tom de voz dele foi aumentando. — Por que você preferiu ele? Sou o próximo líder do vilarejo, estimado pelo vilarejo e tenho condições para te dar uma boa vida. O que ele tem, Zátia?

    A moça continuou em silêncio com todo o semblante transformado em um grande ponto de interrogação.

    — Então você fez um trato com uma aberração em troca do amor dela — Anayê afirmou.

    Fenrir hesitou, depois concordou e Ezec soltou uma exclamação de espanto enquanto Ailu agarrava a perna de sua mãe de modo mais firme.

    — Isso… eu não… — Zátia balbuciou.

    — Não era para atingir o vilarejo, apenas eu — Fenrir revelou.

    Anayê deixou escapar uma expressão de desdém.

    — Você acreditou mesmo nas palavras de um monstro?

    — Eu só achei que… — ele parou e baixou a cabeça de novo. — Me perdoem.

    — Teria me poupado uma dor de cabeça se tivesse me contado tudo no início — a ceifadora falou.

    — Não tive coragem suficiente para dizer.

    — E agora, Anayê? — Ezec questionou.

    — Fiquem tranquilos, vamos resolver tudo.

    Fenrir olhou para ela e disse:

    — Por favor, não deixe mais ninguém se machucar por minha causa.

    Anayê assentiu com determinação no olhar. Em seguida, pegou um frasco de fluido de oração e molhou a ponta de dois dedos.

    — Pessoal, é melhor se afastarem um pouco — ela advertiu.

    Eles recuaram alguns passos enquanto Anayê caminhou até Fenrir. Antes que ele pudesse dizer alguma coisa, ela tocou a sua testa com os dedos.

    Uma onda de choque se espalhou pelo local e lançou a ceifadora para longe. Fenrir soltou um berro que estremeceu as pernas de Zátia e das crianças. A moça puxou os pequenos para trás de si, observando de forma assustada.

    Fenrir agarrou o próprio rosto e balançou o corpo de um lado para o outro.

    — Argghhhhh! Tá doendo! Tá doendo!

    As unhas dele se fincaram no rosto e puxaram, criando uma marca nas bochechas. Os joelhos cederam e levaram-no ao chão.

    Fenrir se debateu como uma lesma diante um punhado de sal, soltando gritos e gritos do fundo da garganta.

    — Anayê! Nos ajude! — Ezec exclamou.

    Um segundo depois, a ceifadora pousou na frente deles.

    Algumas pessoas começaram a surgir por conta dos gritos e se assustavam com a situação de Fenrir.

    — Fiquem todos afastados! — Anayê ordenou.

    Ela pegou o fluido e molhou os dedos novamente. Saiu correndo ao redor do local com os dedos tocando o chão e criou um círculo ao redor de onde Fenrir estava caído.

    A ceifadora tomou o restante do conteúdo no frasco e adentrou o círculo.

    — Em nome do Deus sem face, se revele. Venha para a luz!

    Um grito ecoou por todo um vilarejo. Um berro inumano, impossível de ser gerado pela garganta mortal de Fenrir.

    — Espírito imundo, venha para a luz! — ela exigiu com mais autoridade.

    De repente, a boca de Fenrir se abriu de forma anormal e uma massa de carne vermelha começou a se criar ali. Dois olhos e duas bocas emergiram e poros brancos como chagas apareceram, galgando para fora e ficando cada vez maior.

    E, em menos de um minuto, havia uma criatura feita de pura carne na frente de Anayê.

    Os gritos de Fenrir cessaram e ele desfaleceu.

    Os habitantes do Ribeiral estavam tão horrorizados quanto ele, desacreditados de tal monstruosidade residindo dentro de seu líder.

    — Eu avisei a todos vocês! — uma voz soou da multidão. — Disse que ela traria a desgraça para o vilarejo. Desde o início, eu havia previsto.

    Um caminho se abriu no meio do povo e Duncan atravessou ao lado de Wliff.

    — Aquilo é uma calamidade do inferno — o feiticeiro apontou de forma teatral. — Uma criatura impossível de ser derrotada e criada para causar destruição.

    Wliff estava paralisado com os olhos arregalados, um tanto confuso e um tanto amedrontado. Enxergou Zátia e as crianças no outro lado. Ela fez um gesto para que ele ficasse onde estava.

    — Fujam, infelizes! Fujam por suas vidas! — Duncan disse.

    As pessoas olhavam para ele e para a coisa ao lado de Fenrir, mas não se moviam.

    — Wliff! — Anayê chamou.

    Ele viu a ceifadora diante da criatura e foi como se despertasse de um torpor. Voltou a sentir os músculos e os movimentos do corpo.

    — Leve essas pessoas para um lugar seguro.

    Wliff hesitou e depois balançou a cabeça. 

    — Pessoal, me escutem, precisamos sair daqui.

    — Sim, fujam, miseráveis! Fujam por suas vidas! — Duncan parecia gritar sem qualquer sentido ou como se para si mesmo.

    Wliff não viu outra alternativa, acertou um soco no feiticeiro e desmaiou-o.

    Imediatamente, começou a conduzir a multidão para outro lugar.

    — Pessoal, vocês precisam sair — Anayê disse para Zátia e as crianças.

    — E quanto ao Fenrir? — Zátia perguntou.

    — Vou tomar conta dele.

    Eles assentiram e se afastaram.

    Ao mesmo tempo, a aberração soltou um grunhido de raiva e começou a expandir seu corpo como um balão inchando. Porém, ao tocar no local onde Anayê havia marcado o círculo, um choque cruzou seu corpo e ela voltou a reduzir o seu tamanho.

    Por enquanto, o círculo vai ser suficiente, Anayê ponderou.

    Então a aberração lançou vários pedaços de si na direção da ceifadora que conseguiu agir mais rápido e se esquivar. Os fragmentos do monstro se grudaram nas paredes e no chão e tentaram se expandir a partir dali, porém se desfizeram.

    — Agora é a minha vez — a ceifadora falou.

    Com um pensamento, a adaga veio. Uma lâmina prateada com pequenos dentes curvos e uma empunhadura branca com detalhes em vermelho surgiu na mão da ceifadora. Anayê imbuiu a arma com sua energia espiritual e uma luz azulada iluminou a adaga. Lembrou-se vagamente da primeira vez em que fizera o movimento e a adaga havia quase queimado sua mão.

    Em seguida, executou um corte no ar e a potência de seu golpe empurrou o vento criando a sua habilidade: Rajada de Vento Cortante.

    O golpe atingiu em cheio a aberração e fatiou seu corpo em quatro pedaços que se espalharam pelo chão.

    Anayê não baixou a guarda e estava certa em fazê-lo, pois o pedaços se voltaram imediatamente para o corpo original.

    Não podia ser simples, não é?

    Mas, conforme seu treinamento, ela sabia que precisava encontrar o coração da aberração e destruí-lo para ganhar a luta.

    A massa disforme de carne fez um movimento com uma parte do corpo e, segundos depois, lançou novos fragmentos de si na direção da ceifadora.

    Anayê desviou com facilidade.

    — Sério? O mesmo truque? — zombou.

    A criatura fez um novo movimento.

    Anayê percebeu uma agitação atrás de si e viu os pedaços lançados retornando. Ela girou para o lado e os fragmentos passaram direto.

    Contudo, ao olhar para a perna esquerda, ela percebeu que um pedaço havia se agarrado ali. E tão rápido quanto chegara, a partícula da aberração começou a se expandir e se espalhar pela sua perna.

    Essa não!

    Anayê levou a ponta da adaga até o pedaço de carne, mas ele não se dissipou.

    Ao mesmo tempo, a criatura lançou novos fragmentos em sua direção, forçando a ceifadora a esquivar de maneira desajeitada.

    Outro fragmento se instalou no seu ombro durante a ação e ela se viu tentando se desvencilhar dos dois enquanto eles pareciam grudar cada vez mais no seu corpo.

    A aberração se preparou para um novo lançamento de fragmentos.

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