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    Tritão, agora envolto na armadura de obsidiana de seu pai, parecia ter mudado. O tridente azul em seu peito pulsava com uma luz calma e poderosa, e a coroa de coral claro em sua cabeça parecia, pela primeira vez, pertencer a ele. 

    Ele caminhou em direção ao portão principal, Kymos e Hermes o seguindo. Magno, por ordem de Tritão, permaneceu para trás, no Santuário, uma guarda relutante para o Coração e para o corpo de Theron.

    O grande portão de Atlântida se abriu lentamente, o som de pedra antiga se movendo ecoando pela água. A escuridão abissal do lado de fora estava iluminada pelas luzes fracas e doentias da frota inimiga, que aguardava em silêncio a uma distância respeitosa. No vasto leito marinho que servia de entrada para a cidade, uma figura solitária esperava.

    Proteu estava parado, o tridente negro firmemente seguro em sua mão. Sua pele pálida e quase translúcida parecia brilhar na escuridão, e seus olhos azuis gélidos estavam fixos em seu irmão. Um sorriso de escárnio surgiu em seus lábios quando viu Tritão emergir, trajando a armadura completa.

    — A couraça de nosso pai? — A voz de Proteu ecoou na mente de todos, clara e zombeteira. — Você finalmente decidiu parar de brincar de conselho e se vestir como o rei que nunca será? Que patético.

    Tritão ergueu seu próprio tridente real, a luz azul de sua arma rivalizando com a de sua armadura.

    — Eu a uso para honrar o legado que você traiu, irmão. E para acabar com isso de uma vez por todas.

    — Pois honre-o com a sua morte! — Grunhiu Proteu e, sem mais um segundo a perder, avançou empunhando seu tridente.

    Ele desapareceu. Sua forma se dissolveu em uma nuvem de tinta escura e reapareceu instantaneamente na frente de Tritão, o tridente negro já em movimento, desferindo uma série de estocadas rápidas e venenosas. Os ataques visavam as juntas da armadura, o pescoço, os olhos.

    CLANG! CLANG! CLANG!

    Tritão não recuou. Ele se firmou, movendo seu tridente real com uma velocidade defensiva surpreendente. O metal divino interceptou cada golpe. A couraça de Poseidon absorveu as pontadas que passaram, a energia profana do tridente negro se dissipando inofensivamente contra o peitoral de obsidiana, onde o símbolo do tridente azul brilhava com uma luz estável.

    Proteu recuou, surpreso com a defesa impenetrável.

    — Lento como sempre, irmão! — ele zombou, circulando Tritão.

    — E você, precipitado como sempre — rosnou Tritão.

    Foi a vez de Tritão avançar. Ele não era rápido como Proteu, mas cada passo seu era pesado, inexorável, fazendo o solo submarino tremer. Ele ergueu o tridente para um golpe massivo, de cima para baixo. Proteu não tentou bloquear; ele mergulhou para o lado, a ponta do tridente de Tritão se cravando profundamente no leito do mar, levantando uma nuvem sedimentar.

    Enquanto Tritão recuperava sua arma, Proteu contra-atacou. Ele estendeu a mão livre, e a água ao redor de Tritão pareceu se solidificar. Tentáculos de escuridão e água suja irromperam do chão, agarrando-se aos tornozelos e braços de Tritão, tentando imobilizá-lo.

    Eles o apertaram, subindo por seu torso, tentando esmagar a couraça de obsidiana e arrastá-lo para baixo. Ele se debateu, fincando o tridente no chão para se ancorar, mas as amarras eram pegajosas e fortes, multiplicando-se a cada tentativa de se libertar.

    Proteu, vendo seu irmão mais velho finalmente imobilizado, começou a rir, um som borbulhante e agudo que feria os ouvidos. Ele ergueu seu tridente negro, agora partido e deformado, pronto para um golpe final.

    — O trono é meu por direito, irmão! As Moiras me mostraram!

    — O mar não obedece a você! — Tritão retrucou, o esforço visível em suas feições.

    Ele parou de lutar contra as amarras externas e, em vez disso, focou sua vontade para dentro, na armadura que usava.

    O tridente azul brilhante no centro de seu peitoral respondeu. A luz, antes estável e calma, começou a pulsar. Primeiro devagar, depois mais rápido, ganhando intensidade. A luz azul tornou-se ofuscante, banhando a escuridão do leito marinho em um brilho divino. Com um grito gutural que foi mais esforço do que som, Tritão liberou a energia.

    Uma onda de choque de pura energia anil explodiu de seu peito.

    Não foi uma explosão caótica, mas uma onda de força pura e ordenada. Os tentáculos de escuridão que o prendiam se desintegraram instantaneamente, evaporando contra o poder de Poseidon. A onda de energia continuou, atingindo Proteu em cheio. O usurpador foi arremessado para trás, seu corpo rolando descontroladamente pelo leito do mar até se chocar contra os destroços de uma coluna caída.

    Proteu se levantou, atordoado e furioso. O golpe o havia ferido, e seu tridente negro estava quebrado, restando-lhe apenas uma lança curta e irregular. Ele não esperava que o irmão tivesse tal controle sobre o poder da armadura.

    Tritão, agora livre, avançou, caminhando a passos pesados e deliberados.

    Proteu, em pânico, usou sua névoa de tinta novamente, desaparecendo e reaparecendo em padrões erráticos, tentando encontrar uma abertura nas defesas de Tritão. Mas o herdeiro não tentou seguir os movimentos. Ele simplesmente parou, fincou os pés no chão e ergueu seu tridente.

    No instante em que Proteu se materializou bem atrás dele, pronto para cravar a lâmina partida do tridente negro nas costas do irmão, Tritão girou. Não foi uma reação, foi uma antecipação. O movimento foi uma torrente de força inevitável. O tridente real, brilhando em azul, subiu em um arco poderoso.

    O golpe não foi com a ponta, mas com o cabo maciço da arma divina. Atingiu Proteu diretamente no peito, no mesmo ponto onde a couraça de Tritão brilhava. O som foi surdo e esmagador.

    Proteu não teve chance de gritar. A força do impacto o levantou do chão e o arremessou violentamente contra o leito marinho. 

    Derrotado, ele caiu, o corpo quebrado, a água ao seu redor turvando-se com seu icor escuro. Seu tridente negro, partido, jazia ao seu lado, um espelho dele próprio. A guerra parecia ter acabado. O exército de Proteu, vendo seu líder caído, parou, pairando na escuridão como um cardume de predadores sem direção.

    Tritão apertou firmemente o Tridente real em sua mão.

    Dentro do palácio, no Santuário, Magno soltou um suspiro de alívio que não sabia que estava segurando ao ouvir os urros e comemorações dos que podiam assistir ao embate.

    Tritão olhou para o irmão derrotado. A fúria da batalha começou a se dissipar, dando lugar ao peso de sua decisão. 

    — Esta guerra… acaba aqui — Tritão declarou, a voz ressoando com a autoridade de seu pai. Ele não se dirigia a Proteu, mas a toda a frota inimiga. — Peguem seu líder derrotado e desapareçam. Não voltem a derramar sangue nestas águas. O reino de Poseidon está protegido.

    Ele baixou o tridente. Em um ato de finalidade, ele se virou, de costas para o irmão derrotado, para encarar o Coração de Caríbide, o santuário que ele havia protegido.

    Mas Proteu, mesmo quebrado, ainda sorria por baixo de seus tentáculos faciais. Era um sorriso feio, cheio de sangue e ódio.

    — Tolo… — ele engasgou, a voz um gargarejo. — Você acha… que a armadura de nosso pai… o torna um rei?

    Tritão ouviu o som da água sendo deslocada rápido demais e começou a se virar. E então, sentiu um impacto.

    Um impacto fino e profundo, enraizando-se na pele cinzenta e exposta de seu pescoço. Um som úmido e horrível de carne sendo perfurada ecoou.

    O príncipe congelou. Seus olhos se arregalaram em choque, não de dor imediata, mas de pura incredulidade. Ele levou a mão ao pescoço, tentando agarrar o eixo da arma que o perfurara. Sentiu o icor quente começar a fluir entre seus dedos. O tridente real caiu de sua mão, batendo silenciosamente no leito do mar.


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