Capítulo 2378 - Pistas Sinistras
A única testemunha — Caçadora — não falava, mas Sunny também tinha outras pistas. Seu próprio estado, por exemplo. Grande parte de sua essência havia desaparecido. Além disso, ele não conseguia invocar nenhuma de suas sombras, o que significava que todas haviam sido destruídas na batalha e estavam se recuperando.
O Lobo das Sombras e sua matilha, as Vespas de Obsidiana e a Abundância. “Será que eu realmente implementei a estratégia de aprimoramento de sombra?”
Era possível.
Mas será que ele a teria implementado contra o adversário… ou contra um de seus companheiros? Não havia resposta para isso, embora Sunny duvidasse que Caçadora ou Kai pudessem ter sobrevivido ao ataque.
As três figuras de Neve estavam mortas, e ele estava sem um braço. Então… a menos que Kai o tivesse arrancado com uma mordida em sua forma de dragão, Sunny estava inclinado a acreditar que ele havia se chocado com o Demônio Amaldiçoado e os dois Monstros.
Ele lançou um olhar peculiar para Kai. Kai percebeu e forçou um sorriso. “O quê?”
Sunny hesitou um pouco, depois balançou a cabeça. “Nada. Só queria saber o quão afiados são os seus dentes…”
Kai tocou os lábios, piscou algumas vezes e desviou o olhar. O problema era que as sombras das três abominações da Neve não estavam na alma de Sunny. O que significava que, embora estivessem mortas, ele não as havia matado — e nem a Caçadora. Então, como diabos elas haviam morrido?
Sunny dobrou as asas que havia manifestado e pousou em uma rocha que aflorava às margens do lago de lava — perto demais da costa enevoada do mar de nuvens para se sentir confortável. Kai pousou perto, e os dois encararam o enorme cadáver à sua frente.
Ou melhor, metade dele. O Monstro Amaldiçoado estava inconfundivelmente morto. Era uma monstruosidade indescritível, vagamente humanoide em forma, com miríades de olhos espalhados pela cúpula deformada de sua cabeça grotesca. Tinha um torso magro e pálido e muitos braços, cada um terminando em um conjunto de garras traumáticas… quanto à parte inferior do corpo, não havia como dizer como era. Estava desaparecida. Sunny podia jurar que o rosto detestável da divindade caída havia congelado em uma careta de horror.
Ele olhou para Kai e estremeceu. “Alguma ideia de como ele morreu?”
Kai permaneceu em silêncio por um momento, depois disse rigidamente: “Bem, tenho quase certeza de que ele morreu ao ser rasgado ao meio.” Essa era uma lógica bastante indiscutível.
… Bem, na verdade, não era. Um Monstro Amaldiçoado não teria sido morto por algo tão banal quanto ser partido ao meio. Nem teria ficado aterrorizado em seus últimos segundos.
Sentindo um arrepio percorrer-lhe a espinha, Sunny forçou um sorriso pálido. “Há fragmentos de alma aí dentro?”
Kai assentiu lentamente. “Estou vendo um. Mas, se não se importa… prefiro que não tentemos pegá-lo ainda.”
Sunny zombou, depois fez uma careta e pressionou a mão contra os ferimentos. “É. Não vamos, por enquanto.”
Havia outro cadáver que eles precisavam examinar, quase exatamente do outro lado do vulcão em erupção. Voar até lá levou um tempinho, e quando chegaram aos restos colossais, Sunny apenas os encarou com uma expressão peculiar.
O segundo cadáver… acabou não sendo o segundo cadáver. Em vez disso, era a metade inferior do Monstro Amaldiçoado que eles já haviam investigado. Não havia explicação de como ele foi parar do outro lado do lago de lava, nem pistas adicionais sobre como a criatura havia morrido. Tampouco havia qualquer vestígio do segundo Monstro Amaldiçoado. Ele simplesmente desaparecera, como se nunca tivesse existido… assim como o Demônio da Neve.
Talvez seus corpos tivessem se afogado na lava, talvez tivessem caído no mar de nuvens. Talvez tivessem simplesmente deixado de existir por alguma razão desconhecida. Qualquer coisa poderia ter acontecido, na verdade.
Sunny respirou fundo, trêmulo. “Vamos… vamos explorar mais. Talvez encontremos outra coisa.”
E assim fizeram.
Na verdade, ele não esperava encontrar mais pistas. Queria apenas se afastar dos restos mutilados do Monstro Amaldiçoado e fazer algo para ocupar sua mente abalada. Sunny e Kai passaram algum tempo explorando o lago de lava. Estudaram as esculturas sinistras e semiformadas de rocha vulcânica que se projetavam aqui e ali. A proximidade delas lhe dava uma sensação ao mesmo tempo estranha e desagradável, então decidiram investigar as margens do lago.
Finalmente, eles encontraram algo.
“Bem, o que você sabe?” Sunny pousou em uma pequena ilha de lava resfriada e olhou para baixo, incrédulo.
Ele parecia ter encontrado o braço perdido. Ainda estava envolto na carapaça negra do Manto de Jade, no meio de uma vasta teia de rachaduras que se estendia de uma extremidade à outra da pequena ilha. Faltavam alguns dedos na mão, mas os que restavam ainda estavam cerrados em punho.
Sua mão decepada segurava algo. Sunny agachou-se perto dela e tentou pegar um pedaço incrivelmente fino de barbante rasgado que se projetava do punho destroçado. Ele falhou a princípio, e só conseguiu depois de colocar um pouco de Vontade em seu toque.
O fio era infinitamente fino, mas também incrivelmente durável, quase impossível de rasgar ou cortar. Parecia um único fio de seda preta, ou talvez um único fio de uma assustadora teia de aranha. Tudo o que ele sabia era que, em algum momento nos últimos dois dias, havia perdido um braço ao tentar cortar aquele fio.
Olhando para Kai, Sunny permaneceu em silêncio por um tempo e então perguntou em tom baixo: “Então… o que você acha que aconteceu conosco?”
A expressão de Kai era profundamente perturbada. Ele balançou a cabeça levemente e disse baixinho: “Não sei.”
Sunny soltou um longo suspiro. “Bem, tenho algumas ideias.”
Mas, na verdade, ele estava em completa escuridão, tão cheio de dúvidas quanto Kai.
Aquele Demônio Amaldiçoado… devia ser algum tipo de Demônio Mental, se é que tal coisa existia. O que quer que Kai tenha visto na montanha nevada pode ter sido simplesmente seu receptáculo, enquanto o Demônio em si pode ter sido um ser sem carne nem espírito. Pode ter sido como uma ideia, em vez disso.
Pelo menos era o que Sunny imaginava depois de testemunhar todas essas coisas inexplicáveis. De qualquer forma, Sunny e Kai haviam caído sob a influência do Demônio… talvez até se tornado seus novos receptáculos. Eles teriam ficado simplesmente debilitados no início, mas então totalmente dominados quando chegou a manhã do ataque. A Caçadora devia tê-los contido antes disso, mas era tudo o que ela podia fazer.
Como ela derrotou o Demônio e os dois Monstros, então? Sunny não sabia.
Ele suspeitava vagamente que os fios que Kai vira eram a forma como o Tirano da Neve controlava o restante de suas figuras. Então, ao cortar um desses fios, Sunny devia ter libertado uma das abominações — o próprio Demônio Amaldiçoado, possivelmente — do controle do Tirano. O que significava que ele estava resistindo, pelo menos em algum grau, ao que quer que tivesse acontecido com ele. Talvez?
Ele deve ter. E então…
Não havia como saber o que tinha acontecido naquele momento. Possivelmente o próprio Demônio havia matado os Monstros. Talvez a Caçadora de alguma forma o tivesse incitado e se esquivado até o sol nascer no horizonte. Se o Demônio não tivesse conseguido eliminar as figuras de Cinzas e ficado em um quadrado preto após o término de seu movimento… Quem sabia o que poderia ter acontecido com ele?
Ninguém sabia. Era um mistério completo, e assustador, aliás.
Sunny estava com dor, cansado e profundamente perturbado. Ele nem queria admitir o quanto estava perturbado — a ponto de perder um braço parecer insignificante em comparação.
Levantando o braço da pedra, ele se virou e olhou para Kai com uma expressão um tanto perdida. “Sabe… eu nunca perdi um membro antes. É a primeira vez.”
Kai deu um sorriso fraco. “Sério? Eu teria pensado…”
Sunny balançou a cabeça. Ele queria acrescentar algo como “bem, a menos que você considere a cabeça como um membro”, mas permaneceu em silêncio. Ele não estava com humor para isso.
Por fim, ele disse, num tom preocupado: “Sério? Acho que… vencemos, né? Deveríamos estar felizes?”
Kai não respondeu. Sunny também não falou por um tempo.
De alguma forma, essa vitória em particular — se é que podemos chamá-la assim — o fez se sentir mais perturbado do que qualquer derrota.

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