Índice de Capítulo

    Sunny congelou.

    Ele não estava sendo submetido a um ataque angustiante, mas isso não o deixou menos alarmado. Na verdade, ele se sentiu mais abalado do que se o Marionetista tivesse investido todo o seu poder profano em um ataque devastador.

    Porque, apesar de o mundo ter mudado e o próprio Sunny ser muito mais poderoso agora do que antes, uma verdade permanecia a mesma desde os dias turbulentos de sua juventude. Era que, entre todos os horrores do Feitiço do Pesadelo, nenhum era mais sinistro e angustiante do que aqueles que podiam falar como humanos.

    ‘Merda.’

    Ele olhou para cima e estudou o marionetista imóvel, que pairava acima dele como um penhasco negro feito de inseto.

    ‘Não responda, não responda, não.’

    Então, seus lábios se moveram por conta própria:

    “Quem está falando?”

    Houve alguns segundos de silêncio, e então a voz suave ressoou do nada — era como se o próprio vento estivesse respondendo:

    “Eu sou a Mariposa.”

    Sunny estreitou os olhos, sem saber o que dizer. O Tirano Amaldiçoado estava falando com ele. A mariposa assustadora empoleirada no topo da montanha o puxava para uma conversa, e, além disso, era educada e de fala mansa.

    ‘Que diabos.’

    Ele expirou lentamente.

    “Mas por que você está falando comigo?”

    O marionetista permaneceu em silêncio por um momento e então respondeu com uma pergunta própria.

    “Por que não?”

    Sunny não conseguiu evitar uma risada abafada.

    ‘Isso é ridículo.’

    Mas sua falha ainda o forçou a responder.

    “Porque você é uma Abominação. Uma Criatura do Pesadelo. Você e eu somos inimigos, não?”

    A enorme mariposa moveu suas antenas levemente. “Somos inimigos? Por quê?”

    Sunny riu. “Por quê? Ah, na verdade, você levantou uma boa questão. Vocês, criaturas da Corrupção, são completamente dominadas por uma necessidade insana de erradicar tudo o que é bom e puro. Não faço ideia do porquê, então, agora que tenho a chance, deixe-me perguntar. Por que diabos vocês, demônios vis, estão tão determinados a destruir a nós, humanos?”

    O Marionetista permaneceu em silêncio por um tempo, desta vez. Finalmente, pareceu suspirar.

    “Palavras têm poder, Libertador. O poder dos nomes é ainda maior. E, no entanto, você usa esse poder com tanta violência. Você os impõe ao mundo.”

    A mariposa gigante inclinou a cabeça para baixo, olhando para Sunny com seus enormes olhos negros. “Corrupção, Criatura de Pesadelo, demônio, vil, pura, boa. Essas palavras que você usa podem não formar a existência, mas formam você. Elas formam tudo o que você toca também. Elas até me formam.”

    Os ventos uivavam, e os brilhantes fios de seda negra que envolviam a montanha esvoaçavam como uma mortalha esfarrapada.

    O Tirano Amaldiçoado falou novamente: “O que você chamou de Corrupção é a influência do Vazio. Ela não corrompe as coisas — apenas as transforma. Essas coisas que ela transforma não são malévolas ou vis, assim como as coisas que ela poupa não são puras e boas. Elas são apenas diferentes. No entanto.”

    Quando o Marionetista falou novamente, sua voz suave soou um tanto triste. “Existe uma contradição entre aqueles de nós que foram tocados pelo Vazio e aqueles de nós que não foram, de fato. Essa contradição dá origem ao conflito. Aqueles da minha espécie que são jovens e fracos não são detestáveis. Eles são lamentáveis. Eles não são do Vazio nem da Chama. Eles pertencem a ambos, mas não são bem-vindos por nenhum.”

    A mariposa colossal moveu as asas levemente, fazendo com que um vento de furacão soprasse pela montanha de seda. Sunny protegeu o rosto da neve dançante e fez uma careta.

    ‘Essa coisa é realmente enorme.’

    O Marionetista continuou: “A existência deles é um campo de batalha, e a guerra que travam contra si mesmos os deixa loucos. Nesse estado de angústia, estão perdidos e cegos. Tudo o que podem fazer é buscar desesperadamente a salvação, como mariposas em busca da chama. São consumidos pelo desejo de possuir a chama ou de apagá-la. São tomados por uma necessidade equivocada de resolver a contradição enlouquecedora e corrigir tudo o que está errado — com o mundo e consigo mesmos. Só então encontrariam consolo.”

    Sunny deu um sorriso sombrio. “Consolo? A razão de toda essa miséria é que eles buscam consolo? Que irônico. Não é de se espantar que alguém tenha me dito uma vez que consolo é pecado.”

    O Marionetista se agitou. “Está nas profundezas da Chama. Vida é guerra; paz é morte. Estas são as leis esculpidas em existência pelas Encarnações da Chama.”

    Sunny estava ficando um pouco confuso. A maneira como o Marionetista falava e os nomes que usava eram peculiares. A Chama. Já que o Marionetista descrevia a Chama como o oposto do Vazio, ela devia significar o vasto universo criado pelos deuses — a própria existência. Ou significava o Desejo original, de cujas chamas os deuses nasceram? Possivelmente eram ambos. Provavelmente não havia distinção entre os dois para uma criatura como o Marionetista. As Encarnações da Chama que ele mencionava eram os deuses, então.

    Enquanto Sunny ponderava a implicação dessas palavras, a voz suave falou novamente, desta vez escondendo um toque de inimizade: “Que mundo grotesco e cruel eles criaram. Aqui, consolo é de fato um pecado, mas, mais do que isso, é uma mentira. Não há consolo a ser encontrado — nem para você, nem para mim. Aqueles pobres coitados da minha espécie, que estão cegos pela Chama, não conseguem ver a verdade, mas eu sou diferente deles. Não sou cego e não sou atraído pela Chama. Não tenho desejo de me tornar cinzas.”

    Sunny franziu a testa, encarando a mariposa negra gigante com uma expressão peculiar. “Então, o que você quer dizer é que só as Abominações mais fracas não conseguem superar o desejo irresistível de devorar e destruir qualquer coisa que não seja tocada pela Corrupção. Mas você é tão mais forte e superior a todas elas que consegue manter esse desejo sob controle. Na verdade, você não está sujeito à Corrupção de forma alguma.”

    O Marionetista não respondeu imediatamente. Permaneceu em silêncio por um tempo e então perguntou de repente, com um toque de algo estranho e sinistro permeando sua voz aparentemente suave: “Você nunca conheceu nada além da Chama, Libertador, então não questiona seus princípios. Mas deixe-me responder à pergunta que você me fez com uma pergunta minha. Por que temos que ser inimigos? É por minha causa, uma criatura tocada pelo Vazio? Ou é por sua causa, uma criatura nascida da Chama? Onde a vida era guerra.”

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (4 votos)

    Nota