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    O Tirano da Neve estava morto e o jogo havia acabado.

    Sunny sentia uma pressão sutil, como se o reino do Jogo de Ariel o estivesse rejeitando. Ele suspeitava que logo o expulsaria, mas, na verdade, não fazia ideia do que exatamente aconteceria. As figuras colocadas no tabuleiro por Weaver e Ariel permaneceram no mesmo lugar por milhares de anos, esperando a chegada de novos jogadores — mas isso nunca aconteceu, forçando os Tiranos cativos a resolverem o problema por conta própria.

    Os dois demônios também nunca haviam terminado o jogo. Ariel simplesmente se rendeu ao ser empurrado para uma situação desesperadora. Então, não havia como prever o que aconteceria a seguir.

    Será que Sunny teria que buscar uma saída do Jogo de Ariel sozinho? Considerando a sensação de rejeição que sentia, não parecia. Será que ele seria libertado de seu papel como Tirano das Cinzas e retornaria a Havenheart, então? E quanto às suas figuras? E quanto às figuras restantes do lado derrotado? Os dois Diabos Amaldiçoados permaneceriam presos no Jogo da Morte ou também seriam libertados de seus papéis? Seriam expurgados pela entidade angustiante que habitava sob as nuvens? Ele não sabia.

    Mas, acontecesse o que acontecesse, ele precisava se apressar para pegar seu prêmio. 

    ‘Calma, um passo de cada vez, hein?’ Os deuses sabiam que Sunny já havia passado por sua cota de infernos, e também por sua cota de águas gélidas e angustiantes.

    “Encontre a estatueta, Kai!” Ele ignorou a dor no braço quebrado e no peito dilacerado, virando-se para olhar o pico da montanha. Devia haver uma entrada para o Castelo de Neve em algum lugar lá em cima. Sunny lançou seu sentido de sombra nas profundezas da montanha, sentindo uma urgência. Sim, ele não sabia o que iria acontecer. Mas algo lhe dizia que não tinham muito tempo restante.

    A pressão da expulsão aumentava, e Sunny já precisava exercer sua força de vontade para permanecer enraizado no reino em miniatura do Jogo de Ariel. O enorme corpo do Marionetista pairava sobre ele, escondendo tesouros tentadores. As asas da grande mariposa podiam ser usadas para criar armaduras e vestimentas incríveis, seus membros podiam ser forjados em armas matadoras de deuses, e os cinco fragmentos de alma escondidos em algum lugar nas profundezas de seu cadáver podiam se tornar âncoras para a trama mágica de Memórias imensamente poderosas. Mas não havia tempo para colher nenhuma dessas relíquias sagradas. Mesmo que houvesse. Sunny não tinha certeza se o faria. Ele vira como o próprio mundo parecia ter sido contaminado e corrompido pelas gotas do icor do Marionetista.

    Seria mesmo uma boa ideia cobiçar seus tesouros, mesmo na morte? Era como se até mesmo o cadáver da divindade caída fosse uma fonte de Corrupção incessante. Talvez esses tesouros não fossem sagrados, mas sim amaldiçoados. Então, a única coisa que Sunny queria encontrar era a estatueta de jade do Tirano da Neve. Ele precisava se apressar. De qualquer forma, já havia ganhado muito derrotando o Espírito da Dúvida.

    A sombra do Marionetista estava agora em seu Mar da Alma. Ele também havia dominado o quinto passo da Dança das Sombras. É verdade que usar essa maestria era terrivelmente perigoso — afinal, quase custou a vida de Kai. Mas mesmo que Sunny se abstivesse de executar o Quinto Passo no futuro, ele ainda colheria os benefícios de tê-lo dominado.

    Porque a Serpente tinha que ter se tornado um Titã Supremo como resultado. E se Sunny se tornasse portador do Feitiço do Pesadelo novamente um dia, quem sabe? Uma Relíquia do Legado de Aspecto novinha em folha poderia estar esperando por ele, pronta para ser reivindicada. E havia Caçadora também. Sunny podia estar perdido na forma do Titã de Jade, mas ele não a impediu de destruir a sombra da Condenação. Depois de todo esse tempo, Caçadora havia caçado sua presa, afinal. 

    ‘Tão persistente.’

    Ao contrário do Lobo, porém, cuja sombra retornara à vastidão sem luz de sua alma após ser destruída, Condenação simplesmente desaparecera. Fora absorvida pela Sombra assassina, de alguma forma, quase como um sacrifício que ela fizera a si mesma. Depois disso, Caçadora simplesmente desapareceu. Assim como Santa e outras Sombras desapareceriam para retornar às chamas negras e nutridoras da alma de Sunny e passar por uma evolução. 

    ‘Caçadora está evoluindo?’

    Ela seria um Nível mais alto? Uma Classe mais alta? Talvez até mesmo desvendaria seu Aspecto? Ele estava animado com essa perspectiva, mas também cauteloso.

    Sunny sentia excitação por motivos óbvios, já que quanto mais poderosas suas Sombras fossem, mais poderoso ele próprio se tornaria. Sua cautela também era fácil de entender. 

    ‘Ah, nossos duelos semanais estão prestes a se tornar muito mais incômodos, não é?’

    Mesmo assim, essa também era uma dádiva que ele recebera na batalha contra o Marionetista. Ele olhou silenciosamente para a cabeça da mariposa gigante.

    Sunny costumava pensar que o Rei da Montanha havia sido a forma final do Verme Marionetista. Mas agora que conhecera o Espírito da Dúvida, sabia que estava enganado. O Rei da Montanha nunca fora o Marionetista, nem um dos parentes dele. Em vez disso, ele era apenas uma crisálida descartada que um verme da dúvida havia deixado para trás, há muito tempo, depois de usá-lo como hospedeiro para se transformar em uma mariposa angustiante. Um rei mortal que havia sido infectado pela dúvida e se transformado em um monstro, liberando uma maldição angustiante sobre o mundo.

    Essa maldição continuou a crescer e amadurecer até se tornar o Espírito da Dúvida, o Marionetista. E agora, estava morto.

    Se Sunny fosse honesto consigo mesmo, ainda não conseguia acreditar que havia vencido. Que havia matado um Tirano Amaldiçoado, e um tão insidioso quanto o Marionetista. É verdade que ele e seus companheiros estavam tão perfeitamente preparados para enfrentar a mariposa sinistra que quase parecia que todo aquele confronto havia sido planejado por alguém em benefício deles. Se é que havia sido. Sunny não precisava adivinhar quem. 

    “Weaver.”

    Quão profunda era a influência do daemon nebuloso? O que o Demônio do Destino almejava alcançar? Seriam todos eles meros fantoches dançando ao som das cordas amarradas aos sete dedos com garras de Weaver? As Cordas do Destino.

    “Encontrei!” Kai voou sobre a seda murcha, pousando em uma tempestade de neve perto de Sunny. A estatueta de jade jazia em sua palma, usando uma coroa. Sunny deu um sorriso fraco.

    “Sim, eu também encontrei.” Lá fora, nas profundezas da montanha, seu sentido de sombra descobriu uma caverna gigantesca e um castelo construído dentro dela, feito de gelo.

    O casulo de seda negra já havia se desfeito completamente. A montanha tremia, as rachaduras que cobriam suas encostas se alargavam. Algo se movia sob as nuvens. Sunny esforçou-se, forçando-se a permanecer enraizado no mundo que queria expulsá-lo, e agarrou Kai pelo ombro. 

    “Vamos!”

    Com isso, ele usou o que lhe restava de essência e puxou os dois para as sombras. A enorme caverna estava se desfazendo, grandes pedaços de gelo caindo do teto e se estilhaçando em miríades de cacos com rugidos ensurdecedores. Nenhum deles foi capaz de danificar o castelo que ficava no centro da caverna, no entanto. Parecia quase exatamente o Castelo de Cinzas, só que feito de gelo e envolto em neve. Sunny não perdeu tempo estudando as nuances de sua arquitetura, puxando a si mesmo e Kai diretamente para o vasto vazio da fortaleza principal.

    Ali, neve cobria o chão em vez de cinzas. A maior parte da grande câmara de gelo, porém, estava repleta de inúmeros fios de seda negra, que bloqueavam o caminho como uma teia. Estes não pareciam estar murchando ainda e mantinham sua durabilidade surpreendente. Sunny poderia ter aberto caminho através da teia de seda negra se quisesse, mas estava gravemente ferido, à beira da exaustão da essência, e, além disso, pressionado pelo tempo. Então, ele simplesmente enfiou o máximo de seda que pôde em seu Mar da Alma, abrindo um túnel estreito até o coração da câmara.

    Ali, um altar de jade erguia-se diante de um poço circular. Não havia fumaça subindo do poço, nem lava fervilhando lá embaixo. Em vez disso, havia apenas um poço escuro e sem fundo, permeado por um frio mortal. O frio era relativamente suportável perto do altar, mas nas profundezas da escuridão, nada conseguia sobreviver ao seu abraço gélido. Nem mesmo um Titã Supremo como Sunny.

    “Depressa.” Ele mancou até o fosso, arrastando Kai consigo. A pressão que o Jogo de Ariel exercia sobre ele, tentando tirá-lo do tabuleiro, continuava a aumentar — a essa altura, Sunny precisava usar toda a sua força de vontade para resistir, e sua resistência estava se esgotando rapidamente. 

    “Argh.”

    Ao chegarem ao poço escuro, Sunny hesitou por um instante e olhou para a própria mão. Ali, duas estatuetas de jade jaziam lado a lado — uma imaculada e coroada, a outra bestial e manchada de sangue. Eram as figuras do Marionetista e do Rei Rato. Sunny sentiu que aquilo que viera buscar — o fragmento da Linhagem de Weaver — estava escondido na estatueta do Tirano da Neve. A outra, porém, ainda lhe revelava uma verdade inestimável. Era um tesouro inestimável, um pedaço da herança deixada por Ariel, o Demônio do Pavor.

    Mesmo assim, ele se forçou a pegar a estatueta da Besta da Neve e oferecê-la a Kai. 

    “Aqui, você mereceu. Pegue.”

    Kai encarou a estatueta manchada de sangue por um tempo, profundamente tentado por sua promessa. Seus olhos tremeram. Mas então, ele sorriu levemente e balançou a cabeça. “Não, será mais útil para você.”

    Sunny o estudou em silêncio e perguntou, tenso: “Tem certeza? Esta coisa revela verdades. Qualquer verdade — qualquer coisa que você sempre quis saber, qualquer coisa para a qual sempre desejou encontrar uma resposta. Sim, eu sei que você já sofreu demais com a verdade por causa do seu Defeito, mas, ainda assim, não terá uma chance como esta novamente.”

    Kai permaneceu em silêncio por um momento. Por fim, seu sorriso se alargou um pouco. “Eu sei. Mas já aprendi muito nessa jornada. Aprendi muito. Então, acho que estou bem. Já sei tudo o que preciso saber. Mas obrigado, eu agradeço.”

    Sunny o encarou por alguns segundos, depois assentiu e desviou o olhar com um suspiro. “Você é um esquisitão, sabia?”

    Kai riu. “É preciso ser um para reconhecer o outro.”

    Sunny respirou fundo e tentou sorrir também. “Te vejo do outro lado, então.”

    Com isso, ele jogou as duas estatuetas no poço e se preparou. Enquanto as figuras de jade caíam na escuridão, ele se lembrou das vezes em que absorvera fragmentos da Linhagem de Weaver. Doera infernalmente em cada uma delas. Na verdade, foi uma das piores dores que Sunny já havia experimentado.

    Um sorriso pálido contorceu seus lábios. “Ah, a propósito. Se eu começar a gritar e me contorcer de dor, não ligue. Só tome cuidado para eu não morder a língua nem arrancar os olhos, se não for muito incômodo. Bem, um olho pode estar bom.”

    Kai piscou. “Hã? Espera, o quê?”

    Mas Sunny não o ouviu. Porque ele já estava em outro lugar. Estava recebendo seu prêmio.

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