Índice de Capítulo

    Combo 47/50


    Em uma sala subterrânea fortemente vigiada, uma jovem de cabelos prateados dormia em uma máquina transparente que mantinha seu corpo vivo. Seu rosto era pálido e magro, pintado pelo brilho fantasmagórico das luzes das máquinas e pelas sombras profundas e angulares.

    A sala estava pacífica e silenciosa, o zumbido das máquinas criando um baixo ruído de fundo. De vez em quando, um equipamento médico emitia um som e voltava a silenciar.

    Uma garota cega com olhos azuis penetrantes estava parada em silêncio perto da cápsula de dormir, uma expressão vazia escrita nas delicadas linhas de seu lindo rosto. Se não fosse pelo fato de sua mão estar apoiada no punho de um florete elegante, alguém facilmente a confundiria com um dos Ocos que eram atendidos em outro nível do complexo hospitalar.

    A porta da sala não se abriu, porém de repente houve outra presença lá dentro. Um jovem de pele clara e olhos escuros e cruéis surgiu das sombras e caminhou até o lado oposto da cápsula de dormir. Seus passos eram suaves e silenciosos.

    Ele demorou um pouco, depois olhou para baixo, para a jovem que dormia sob a tampa de vidro do caixão mecânico.

    Por um segundo, seu rosto ficou contorcido por uma careta terrível. Tristeza, raiva, medo e saudade se misturaram em seus olhos e depois desapareceram, escondidos atrás de uma máscara de fria indiferença.

    Sunny encarou Nephis por um longo tempo, tentando controlar suas emoções. Ele sabia que vê-la assim, fraca e indefesa, iria afetá-lo. Mas ele não sabia o quanto isso iria machucá-lo.

    …Ele também não previu quão sombrios seriam os pensamentos que entrariam em sua mente.

    ‘…Eu posso matá-la agora mesmo. Um golpe do Fragmento da Meia Noite e estarei livre novamente.’

    Mas não, ele não poderia.

    Primeiro, porque não havia garantia de que Nephis morreria se seu corpo fosse destruído. Assim como havia Ocos, pessoas cujas almas foram destruídas deixando um corpo vazio para trás, havia os Perdidos – pessoas cujos corpos no mundo real morreram, deixando suas almas vagando pelo Reino dos Sonhos.

    Ele suspeitava que essa era a razão pela qual as pessoas que queriam a Estrela da Mudança morta enviaram Caster para matá-la no Reino dos Sonhos, em vez de se infiltrarem na Academia.

    E em segundo lugar, e talvez mais importante… ele simplesmente não conseguia prejudicar Nephis. De novo não, não mais, e não… não assim.

    ‘Cassie, por outro lado…’

    Com uma careta sombria, Sunny moveu lentamente o olhar para a garota cega.

    Como se percebesse, ela se virou ligeiramente e disse:

    “Olá, Sunny.”

    Ele olhou para ela, seus olhos ardendo de fúria.

    “O que, você pode ver agora?”

    Cassie demorou-se por um momento e depois balançou a cabeça.

    “Não. Mas… algo assim.”

    Um sorriso selvagem apareceu em seu rosto.

    “Parabéns. Realmente, que bom para você! Você não será mais inútil, pelo menos.”

    Ele sabia que suas palavras iriam machucá-la e ficou feliz em dizê-las por esse motivo.

    A cega não reagiu e apenas continuou olhando para o vazio, com os olhos frios e distantes. Mas ele não se deixou enganar. Ele a conhecia bem o suficiente para reconhecer o oceano de dor que se escondia por trás daquela frieza.

    ‘Bom… sofra! Você merece isso!’

    Sunny abriu a boca, desejando acusá-la, mas depois se forçou a parar. Ele tinha que se manter sob controle…

    Engolindo as palavras raivosas, Sunny cerrou os dentes e cuspiu:

    “Como? Como você sabia?!”

    Cassie hesitou um pouco e depois respondeu baixinho:

    “Quando você matou aquele espião do Castelo. Você disse isso em voz alta. Eu vi… em uma visão. Depois disso, o resto não foi impossível de descobrir.”

    Seus olhos se arregalaram.

    Sunny permaneceu em silêncio por um longo tempo, tentando lidar com o choque que suas palavras lhe causaram.

    ‘Harper… quando eu matei Harper?’

    A lembrança daquele dia horrível causou um arrepio em sua alma. Ele se lembrava disso tão vividamente… do sangue escorrendo por suas mãos enquanto ele segurava o lamentável jovem, assassinando-o, cedendo à agonia do Defeito.

    E sussurrando com voz rouca e quase inaudível:

    “Perdido da Luz! Eu sou… Perdido… Perdido da Luz…”

    Parado na sala subterrânea do complexo hospitalar, Sunny teve vontade de rir e chorar.

    ‘Então é isso… foi isso que me fez… um erro, eu só cometi um erro, e foi o suficiente para me comprometer!’

    Era quase como se Harper tivesse conseguido vingar-se mesmo morto. Bem… ele nunca tinha conseguido um túmulo, na verdade. Sunny acabou de jogar seu corpo nas ruínas, para as Criaturas do Pesadelo se banquetearem.

    No final das contas, isso lhe fez muito bem.

    Perfurando a cega com um olhar ardente, ele disse com os dentes cerrados:

    “Então era por isso que você estava esperando por mim naquela época, por que você me deu a Primavera Eterna? Você estava… você estava pronta para dizer adeus. Você sabia?”

    Cassie o encarou lentamente e disse em tom firme e uniforme:

    “Sim.”

    Sunny olhou para baixo, cerrando os punhos.

    “Você sabia… se você sabia… então por que não tentou mudar nada?! Por que, maldita?!”

    Cassie olhou para ele, sua expressão calma finalmente desmoronando. Dor, tristeza e raiva contorceram seu rosto, e com uma voz tão magoada que quase parecia que ela estava sangrando, respondeu:

    “Não tentei?! Claro, eu tentei! Tentei tudo que pude para fazer o futuro mudar! Mas não importa o quanto eu tentasse, nunca aconteceu. Sempre permaneceu o mesmo! Pior ainda, minhas tentativas apenas fez com que… parecesse ainda mais inevitável…”

    Afastando-se, ela cerrou os dentes e permaneceu em silêncio por um tempo, com as mãos tremendo.

    “Eu… eu… eu fui a primeira a entender o que significava minha visão da Torre Carmesim. Sombras devorando um anjo… eu entendi naquele mesmo dia.”

    Cassie fechou os olhos por um momento e depois falou novamente, com a voz baixa.

    “Você não lembra? Eu até pedi para você prometer sempre protegê-la. E o que você disse?”

    Sunny olhou para ela, lembrando. Sim, logo no início houve uma conversa assim.

    “…Não. Eu disse não.”

    Um sorriso frágil apareceu no rosto de Cassie.

    “Sim. Você disse não. E naquele dia, eu sabia que tinha que fazer uma escolha. E eu fiz. Eu escolhi Nephis.”

    Ela estremeceu e se abraçou, como se estivesse morrendo de frio.

    “Tive que trair um dos meus melhores amigos para salvar o outro. Nephis, talvez vocês dois sobrevivessem, mas no fundo eu sabia que era apenas um dos resultados possíveis, então qual foi a diferença?

    Uma risada pequena e amarga escapou de seus lábios.

    “Foi em vão. Traí meu melhor amigo e nada mudou. Eu sacrifiquei você, mas não consegui salvar ninguém. Apesar de tudo, eu não consegui… não consegui mudar o destino.”

    Sunny olhou para ela por um momento e depois rosnou:

    “…É isso? Esse é o seu discurso? Isso é o que você tem a dizer por si mesma? O que você quer que eu faça, ter pena?”

    Um brilho furioso apareceu em seus olhos.

    “Depois de tudo que fiz por você, depois de salvar sua vida inúmeras vezes, cuidar de você como se você fosse minha irmã, foi assim que você escolheu me retribuir? Agir contra mim quando chegar a hora?”

    Cassie permaneceu em silêncio, sem dizer nada.

    “Você ao menos sabe o que fez?! Você ao menos sabe o que tirou de mim?!”

    Ela hesitou um pouco, mas respondeu baixinho:

    “Eu não sabia por que ou como minha visão se tornaria realidade. Eu só sabia que isso aconteceria na Torre. Então dei seu segredo a Nephis, esperando que ela sobrevivesse graças a ele.”

    Sunny riu e depois ficou quieto.

    Um silêncio opressivo instalou-se entre eles e permaneceu ininterrupto por vários minutos.

    Depois de um tempo, ele finalmente disse:

    “…Eu posso entender. Racionalmente, eu entendo. Você foi forçada a tomar uma decisão terrível, com ambas as escolhas sendo uma traição. E você escolheu ajudar Nephis, que estava com você primeiro. Quem te salvou quando eu teria deixado você morrer.”

    Mas então, um brilho frio apareceu em seus olhos.

    “Mas isso não significa que eu possa perdoar. Você vai para o inferno, Cassie. Vá para o inferno e morra lá, pelo que me importa. Espero nunca mais ver você.”

    Com isso, Sunny se virou para sair, mas parou.

    Ele não pôde evitar ser cruel com ela uma última vez.

    “Ah, e esse segredo? Foi a razão pela qual ela ficou presa lá sozinha. Então, de certa forma, você condenou seus dois amigos.”

    Enquanto ele falava essas palavras, Cassie estremeceu.

    Um sorriso satisfeito e vingativo apareceu no rosto de Sunny.

    …Mas por que doeu tanto nele dizer essas palavras?

    “Então, parabéns. Você conseguiu voltar, Cassie. Volte para casa, passe um tempo com sua família. Você não me disse que sua mãe faz os melhores ovos? Coma até se fartar. Tente apreciá-los, sabendo o que você fez.”

    Quando a garota cega empalideceu e se virou com uma expressão quebrada no rosto, ele sorriu amargamente e se dissolveu nas sombras.

    Laços de amizade eram algo muito frágil.

    Eles eram tão difíceis de criar, mas tão fáceis de quebrar.

    Bastou um momento…

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (14 votos)

    Nota