Capítulo 256 - Uma pegadinha em conserva

Capítulo 256 – Uma pegadinha em conserva

Tradutor: Cybinho

Às vezes, os dias passavam tão devagar que pareciam congelados. Outras vezes, eles parecem ir tão rápido que começam a sangrar um no outro. A maior parte do verão passou simultaneamente muito devagar e muito rápido para o meu gosto. Muito rapidamente, porque havia muito o que fazer. Mas muito lentamente, porque a maioria dos meus amigos não estava aqui.

Respirei fundo, olhando para baixo do topo de uma das colinas da minha propriedade. Eu carregava um monte de batatas recém-colhidas nas costas e decidi fazer uma pequena pausa, como sempre fazia, para olhar minha casa. Meus olhos estavam fixos nas copas das árvores e na leve descoloração que começava a aparecer em algumas folhas.

Não foi apenas a coloração que eu pude ver. Eu podia sentir isso. Eu podia sentir a maneira como as árvores conversavam com a terra, a maneira como ajustavam os galhos e a ingestão de água, mesmo enquanto as sempre-vivas marchavam resolutamente, ignorando o que estava por vir.

Era uma lição de humildade conhecer a terra tão intimamente. E realmente sentir isso. E saber disso.

‘Obrigado, Tianlan’, enviei mentalmente ao Espírito da Terra.

‘Você não precisa me agradecer por tudo’, ela respondeu, mas também tive uma imagem mental dela corando. Eu ri em resposta.

Respirei novamente. Ainda faltava pelo menos um mês para o verão, mas o ciclo das estações continuava em espiral.

Já fazia quase meio ano desde que meus amigos saíram de casa. Big D, Rizzo, Yun Ren e Vovô foran para as Montanhas Presa Uivante. Xiulan, Tigu’er, Xianghua, Yin, Huo Ten e o Torrent Rider dirigiram-se para o Mar de Grama.

As coisas definitivamente mudaram. Visitamos Hong Yaowu; hospedamos alguns membros da família de Hu Li, a tribo Nezin, e fizemos com que eles passassem a noite depois de terem vindo muito para o sul, caçando um alce.

Ocasionalmente recebíamos Lu Ri, mas o homem passava a maior parte do tempo na Colina Verdejante trabalhando com o Lorde Magistrado em toda a questão do correio. Era uma porcaria de trabalho e planejamento, e ocasionalmente eu contribuía quando podia, para poder receber cartas de Tigu em tempo hábil. Eu tive que aprender sobre o que aconteceu na Cidade do Mar de Grama com o Lorde Magistrado.

Fiquei muito orgulhoso de Tigu quando descobri que ela havia ajudado a acabar com uma rede de escravidão entre todas as coisas.

Minha garotinha era tão legal!

Até então, continuamos nosso trabalho. Agricultura, fabricação de remédios e treinamento. Gou e eu até fizemos alguns treinamentos leves, embora fosse mais como lutar com um amigo, mas com cultivo…. O que significa que alguém ocasionalmente foi arremessado longe demais.

De certa forma, já fazia muito tempo. Em outros, foi apenas um piscar de olhos. Pensei neles quase todos os dias. Senti falta deles, mas teria sido um desserviço ainda maior para todos eles, e para outros agora, ter dito a eles para ficarem.

Então, em vez de desejar que eles estivessem aqui… apenas imaginei seus rostos e como se sentiriam quando chegassem em casa. Mal podia esperar que eles vissem tudo o que havíamos realizado. O que continuamos a realizar.

Desviei meus olhos das árvores para os campos que agora se estendiam por toda a terra. Estendiam-se em faixas desde o rio, cheias de diferentes tons de verde. As pequenas paredes divisórias de pedra que eu havia erguido entre alguns dos campos já estavam carregadas de trepadeiras de frutas silvestres, cuja abundância pesada era uma profusão de cores.

Novamente este ano ampliamos o tamanho e a variedade das operações da fazenda. Fiquei feliz com o trabalho incansável da Peppa, pois estava rapidamente se tornando um esforço significativo controlar e armazenar tudo. Não havia um supermercado de verdade… tudo bem, poderíamos conseguir algumas coisas na Colina Verdejante, mas no momento tínhamos a maior variedade de qualquer fazenda em todo o norte – ou provavelmente nas Colinas Azure como um todo. Talvez até mesmo dentro desta metade do Império.

Tínhamos repolho, alho, batata, cenoura, cebola, rabanete, nabo, milho, pimentão, tomate, gengibre, ervilha, pimenta em grão, trigo, arroz, mostarda, abóbora, abobrinha, melão amargo… a lista continuava, para não falar de as várias ervas aromatizantes, os girassóis e a miríade de plantas medicinais que Meimei cultivava. Tínhamos até a aquicultura em andamento, já que Washy cuidava das raízes de lótus e de seus diferentes tipos de junco e ervas daninhas de lago.

Francamente, eu nunca poderia ter feito isso sozinho… e não fiz.

Respirei pela última vez e comecei a descer a colina até o armazém. Ou o grande armazém. Huo Ten disse que poderíamos usar o depósito que ele cavou na encosta da colina para o que quiséssemos… Então tornou-se o armazenamento subterrâneo número dois. O mais próximo de casa era basicamente a nossa geladeira, enquanto este era destinado ao armazenamento de raízes e sementes por longo prazo. As paredes foram revestidas de concreto e pedra reforçados com Qi, o que significava que não havia pequenos gribbles¹ que pudessem entrar.

Abri a porta e entrei, depois peguei o livro que estava pendurado na parede. A escrita limpa e elegante de Peppa me cumprimentou e verifiquei em qual área do mapa colocar essa carga. Tive sorte de tê-la. Organização nunca foi meu forte, como Meimei sempre me disse, mas a sempre paciente Peppa estava sempre lá, um livro de contabilidade pendurado no pescoço e uma escova na boca, transformando meu caos mal organizado em algo significativamente melhor.

Eu terei que fazer alguns recálculos no próximo ano, pensei enquanto passava pelas enormes quantidades de armazenamento. Na verdade, tivemos que doar ou vender mais de dois terços dos produtos frescos – eu até comecei a ir ao mercado da Colina Verdejante a cada duas semanas e montar uma barraca. Eu estava vendendo bem abaixo do valor de mercado, mas se fosse estragar, preferia que alguém comesse. Mesmo assim, parte ainda foi para as pilhas de compostagem… e ainda nem era a colheita.

Eu não poderia mais chamar isso exatamente de ‘colheita’, já que temos colhido um pouco ao longo do ano. Já tínhamos uma colheita completa de batatas, rabanetes brancos, cenouras, cebolas e repolho, e muito mais quase cultivados no solo. Provavelmente poderíamos sobreviver com tudo o que tínhamos agora durante quase uma década.

Foi uma lição de humildade ver o quão longe chegamos em tão pouco tempo.²

Coloquei minhas batatas em seu devido lugar, nas prateleiras que havia feito. Elas estavam prontas para serem consumidas ou plantadas no próximo ano. Satisfeito por meu trabalho ter sido concluído, levantei-me, espreguicei-me e sorri. Eu também tinha dois projetos aqui que tinha certeza de que estavam concluídos. Mal podia esperar para mostrá-los à minha esposa.

Mesmo que ela possa estar um pouco chateada comigo pelo que eu estava fazendo.

Fui buscá-los antes de voltar para casa, apenas aproveitando a atmosfera.

Minha fazenda não era um lugar tranquilo. Legiões de abelhas zumbiam pelo céu. Milhares de pássaros canoros gritaram com todo o coração. As rãs cantavam nas florestas e nos rios, enquanto os peixes do rio saltavam da água para pegar qualquer pedaço saboroso que voasse muito baixo. E ainda assim havia sons produzidos pelo homem também. A batida do martelo pontuava o canto dos pássaros, mais como se fosse parte do barulho do que algo não natural. As vacas mugiam e as ovelhas baliam alegremente enquanto seguiam atrás de Babe, que hoje estava fazendo uma pausa no corte. A fumaça saiu da forja, mas a chaminé que eu adicionei garantiu que nenhum cheiro chegasse até nós.

Parte da minha casa foi domesticada e bem cuidada. O resto era maravilhosamente selvagem. Mal podia esperar que Zhuye tivesse idade suficiente para começar a correr. Inferno, eu corria sozinho quando estava entediado. Ou melhor, todos nós fizemos. Caminhar pela floresta com Meimei, Gou Ren, Chunky, Peppa, Washy e Noodle, meu filho nas costas, foi uma maneira fantástica de passar o dia.

Fiz uma pausa quando me aproximei da estufa e dos potes de Ervas Espirituais Inferiores e outras Ervas Espirituais que a rodeavam. Elas e outras em diferentes lugares da minha casa foram outras novidades. De tudo, elas eram o que eu tinha mais dúvidas. O outro ‘presente’ de Lu Ri.

Ervas Espirituais da Seita Espada Nublada. Muitas Ervas Espirituais da Seita Espada Nublada. Mais de cinquenta tipos – sementes e mudas prontas para eu cultivar. Lu Ri me garantiu que tudo isso eram presentes…. Mas ele também disse que se eu estivesse disposto a vender qualquer uma das ervas para a seita, eles ficariam muito gratos.

Passei alguns dias pensando nisso… antes de expandir algumas de minhas operações de temperos. Eu tinha feito as pazes com a seita. Se eles quisessem alguns dos meus temperos, era um pequeno preço a pagar.

Não consegui cultivar alguns deles – na verdade, eles precisavam da altitude de uma montanha para se desenvolverem adequadamente. Mas o resto deles? Foi um projeto bastante divertido, acertando todo o solo e as condições. A maioria deles era bastante simples, com uma ou duas peculiaridades e podiam ser deixados em seus potes. Outros tinham condições de cultivo muito mais estranhas.

A Vinha da Fênix de Neve  foi colocada em nossa ‘geladeira’ em uma rocha nua, e uma vez por dia eu descia para abaná-la, imitando os ventos gelados que normalmente sopravam. A videira era o componente chave de um elixir que poderia reverter completamente os efeitos do fogo Qi na carne queimada, algo que nem mesmo nossas Ervas Espirituais poderiam fazer.

O Volcano Ginseng crescia nas cinzas da nossa lareira e ocasionalmente também pegava fogo. A Erva Espiritual era usada na forja, entre todas as coisas, como catalisador para certos metais raros.

Seis das plantas, incluindo a coisa mais rara que consegui, o Lótus de Yin de Prata… estavam na minha casa de banho. Ninguém realmente conseguiu cultivar um Lótus de Yin de Prata, e eu poderia dizer por quê. O bastardo era uma coisa meticulosa como uma semente. Precisava de puro Qi Yin e estar levemente submerso em água morna.

Produziu uma única gota de orvalho que equilibraria a energia interna do cultivador, aumentando assim sua velocidade de cultivo.

Tudo isso e muito mais. Verdadeiros tesouros, uma abundância de recursos de cultivo.

Eu estava ansioso para ver qual era o gosto deles.

Cheguei em casa, carregando meu frasco experimental, e entrei direto pela porta aberta. Meimei estava tomando sol enquanto consertava uma das camisas de Gou Ren, usando Chunky como encosto. Gou Ren estava deitado ao lado dela, segurando Zhuye sobre a cabeça e fazendo caretas engraçadas para ele. Ele recebeu algumas risadas com as expressões bobas.

Fiquei surpreso que Gou foi corajoso o suficiente para arriscar. Ele tinha visto Pequeno D vomitar diretamente no meu rosto quando fiz isso pela última vez. Essa foi definitivamente uma… experiência.

“Fiz uma experiência, se alguém quiser tentar!” Gritei, e eles se animaram quando coloquei o pote lacrado sobre a mesa. Washy praticamente se jogou no novo escorregador que ligava a sala de jantar à sala do rio, caindo na panela com um respingo e um brilho nos olhos.

“O que é desta vez?” Meimei perguntou enquanto ela e Gou Ren se sentavam à mesa conosco. Gou ainda estava carregando Zhuye.

“Dois tipos de picles”, respondi, e os olhos de minha esposa brilharam de felicidade junto com Washy e Chunky.

Agora, Meimei normalmente adorava picles, especialmente aqueles salgados na receita secreta da Família Hong. Também era algo que ela trouxera de casa — a salmoura em si aparentemente tinha mais de cem anos, e o estoque era renovado a cada geração de Hongs. Tinha um lugar especial na cozinha, o armário mais fresco e escuro, e todo mundo comia. Eles estavam deliciosos com sabor e odor suaves.

Sorri e abri os potes de kimchi e chucrute.

Eu tinha feito minha própria pasta de camarão com os lagostins, e os pimentões secos da caravana me permitiram criar o kimchi. O chucrute, por outro lado, era bem mais simples, só sal, água e repolho.

Eles também fediam muito.

Meimei parecia absolutamente enojada… assim como Zhuye. Meu homenzinho também não gostou do cheiro e estava fazendo exatamente a mesma cara de sua mãe, seus narizes torcidos fazendo suas sardas enrugarem de maneira fofa enquanto ambos puxavam o pescoço para trás, dando-lhes queixo duplo.

Meu cristal de gravação tocou, imortalizando os olhares gêmeos de absoluto desgosto. Gou Ren começou a rir.

“Jin”, disse minha esposa, com a voz absolutamente calma.

“Sim, amor?” Perguntei.

“Vou me vingar de você em algum momento no futuro, você sabe disso, certo?” ela questionou enquanto um sorriso vingativo se espalhava por seu rosto e uma veia saltava em sua testa.

“Minha querida, sofrerei com alegria tudo o que você me infligir”, respondi enquanto por dentro estava suando um pouco.

Na verdade, consegui sentir o último lote de pó para coceira que ela havia feito.

Ela acabou experimentando, no entanto. Para nossa surpresa, ela realmente gostou dos dois. Esperançosamente, isso evitaria um pouco a vingança.

Foi bom que as coisas acontecessem tão devagar e tão suavemente… mas as coisas provavelmente ficariam agitadas em breve.

Especialmente porque depois de amanhã faríamos uma exposição na Colina Verdejante para as máquinas de Bowu.

1. gribble é qualquer uma das cerca de 56 espécies de isópodes marinhos da família Limnoriidae[não entendi mas são como pragas pra plantações][↩]
2. confesso que não entendi essa frase, procurei sinonimos e outras traduções mas não achei[↩]