Capítulo 292: Han Israt (3)

Tradução: Nimsay

‘O que ele disse? Israt Al Ragna?’

Esse é um nome que nunca tinha ouvido antes. Pensei cuidadosamente, mas balancei a cabeça. Eu não estou louco o suficiente para ouvir coisas.

O príncipe diante dos meus olhos claramente me chamou de ‘Israt Al Ragna’.

Al Ragna é um título, e um sobrenome antigo, passado de geração em geração entre a realeza imperial. A menos que você faça parte da linhagem do imperador, ninguém em Taoni pode ter o sobrenome ‘Al Ragna’.

‘Então isso significa…’

O que isto significa? Havia algum contexto oculto sobre ‘Han Israt’? 

Acalmando-me, lembrei-me das informações sobre Han Israt e não consegui deixar de rir. As cenas estranhas que vi durante a ascensão e as situações suspeitas durante as missões.

Tudo levou a uma conclusão.

‘Han Israt era da realeza.’

Respirei fundo tentando acalmar-me. Embora isso tenha me surpreendido um pouco, logo recuperei a compostura.

Han Israt é apenas uma identidade temporária que uso, não há necessidade de se preocupar só porque seu verdadeiro passado foi revelado.

‘Nossas vidas se entrelaçaram enquanto eu crescia como herói?’

Bem, de acordo com Isel, ele foi substituído durante o prólogo de Taoni. Como sou da Terra, não há nenhuma conexão especial entre ele e eu.

Recuperando a calma, olhei novamente para o príncipe que estava jogando migalhas para os peixes no lago.

Splash, splash! Dezenas de carpas estavam espirrando água freneticamente.

— Israt — o príncipe murmurou enquanto observava o grupo de peixes. Ele dirigiu um olhar dourado e claro para mim mais uma vez, apontando para a saída certa do jardim. — Se você quiser, vá e veja por si mesmo. A verdade está lá.

— Você… — comecei a falar, apesar de saber que o príncipe não consegue me ver e nem ouvir minha voz. Era natural, já que os eixos do tempo estavam fora de sincronia. Mesmo assim, ele agiu como se eu estivesse bem na frente dele. — …É tão irritante.

O príncipe não demonstrou nenhuma reação às minhas palavras. Ele simplesmente observou os peixes se reunindo com uma expressão relaxada.

Grunhi mais uma vez e me virei. Embora me deixasse um pouco intrigado, isso já aconteceu.

‘Não importa o que Han Israt tenha sido, não vai mudar quem eu sou.’

De qualquer forma, quando a ascensão terminar, serei enviado à força de volta à Terra.

Andei pelo caminho de terra do jardim em direção à saída certa. Parecia que havia algo mais, então, como eu tinha chegado até aqui, decidi ver tudo até o fim.

Quando saí do jardim, um longo corredor decorado com colunas de mármore e diversas estátuas apareceu. Caminhei lentamente pelo corredor por cerca de dez minutos chegando a um terraço luxuoso adornado com prata.

Lá, alguém estava sentado no terraço.

Era um jovem de cabelos pretos, vestido com roupas de couro esfarrapadas, com no máximo uns dez anos. O garoto olhava para o céu com um olhar distante.

Ele tinha uma expressão que não condizia com sua idade.

‘Aquele é…o Han Israt?’

Ele não me causou uma impressão especial. Se tivesse me incomodado no passado, eu provavelmente teria lhe dado um chute.

‘Então ele é um bastardo.’

O título dele já dizia tudo. Ao contrário do príncipe ou Pria, Han Israt tinha uma aparência exótica. À primeira vista já dá para perceber que ele é mestiço, provavelmente de alguma tribo nômade que vivia no leste de Taoni.

Fazia sentido esconder sua existência. Em um império que adorava sangue dourado, não havia lugar para um membro real com cabelo preto.

— Alteza, peço desculpas por fazê-lo esperar. — Olhei para trás e vi uma mulher de meia-idade vestida de empregada, que entrou no terraço empurrando um carrinho. Ali havia um luxuoso jogo de chá, incluindo um bule e xícaras. — Recebemos uma ordem de evacuação, então não tive muito tempo. Peço desculpas pela demora, Vossa Alteza.

A criada, com rugas visíveis, fez uma reverência ao jovem.

— … — O garoto acenou com a mão com uma expressão desconfortável. Ele não parece estar acostumado com o tratamento que recebia.

— No entanto, Vossa Alteza tem o legítimo sangue imperial.

O menino suspirou profundamente e moveu a boca. Embora seus lábios se movessem, nenhum som saiu.

— A princesa já está esperando por você em seu quarto. — A empregada falou, como se estivesse respondendo ele.

Eu franzi a testa.

Eu não consigo ouvi-lo. Eu consigo entender as palavras da empregada, mas a voz do garoto parecia abafada.

Os dois continuaram a conversa de cada lado da mesa.

— …

— Faz muito tempo que você conheceu a Princesa. Ela está se preparando adequadamente. — A empregada colocou uma xícara de chá na mesa. — Você viajou muito. Por favor, tome uma xícara de chá.

— …

— Sim, é o melhor chá preparado pela princesa.

Observei o braço direito da empregada. Com a manga cobrindo a xícara, ela derramou um pó branco no chá.

‘Um sonífero.’

O menino parecia alheio ao que a empregada estava fazendo. Com uma expressão desavisada, ele pegou a xícara e bebeu de um só gole.

Não demorou nem um minuto para que seu corpo caísse sobre a mesa.

A mulher levantou o corpo do menino e saiu do terraço.

‘Devo segui-la.’

A ‘verdade’ da qual o príncipe falou deve estar lá. Saí do terraço e parei pouco depois, colocando minha mão em uma coluna.

— …

‘O que é essa sensação desagradável?’

Comecei a sentir um desconforto no estômago.

Refletindo, lembrei-me: — Esse… não sou eu. 

‘Eu nasci na Terra. Fui abandonado em um orfanato antes de completar dez anos.’

As únicas palavras que meus pais, aqueles desprezíveis, me deixaram foram: ‘Nós voltaremos para você’. Não me lembro de seus rostos, mas ainda consigo lembrar claramente de suas vozes antes de me abandonarem.

Bati ruidosamente na coluna com meu punho.

‘Nada disso faz sentido.’

Um ser de uma dimensão inferior não pode ir para uma superior.

Isel e Yurnet mencionaram isso várias vezes. Mesmo que uma passagem entre as duas dimensões fosse criada, a pressão dimensional a destruiria no processo. A razão pela qual eu tinha que me tornar um herói de sete estrelas era para suportar essa pressão dimensional.

‘Não me faça rir.’

Andei rapidamente pelo corredor. De algum lugar, uma voz feminina ressoou.

— Não é impossível, não é?

— Tem certeza disso?

— Israt também herdou o sangue dourado. Ele é um herdeiro legítimo do imperador.

— É verdade. O imperador uniu as quatro dimensões separadas em uma. Se esse poder ainda reside em seu irmão, então… não seria um esforço inútil.

O sangue dourado.

Lembrei-me da explicação que Halkion me deu uma vez sobre o mito da criação de Taoni. Nos tempos antigos, o imperador fundou o império unindo as dimensões governadas por quatro seres transcendentes…

‘E ele era do planeta Terra. Se esse sangue… Não.’

Balancei a cabeça em negação. Ainda há muitas coisas que não podem ser explicadas apenas com isso.

Virei a esquina do corredor e percebi que as vozes sussurrantes vinham do final.

— Alteza, devo avisá-la…

— Estou ciente de que as probabilidades não são altas.

— Você pode precisar se preparar para o pior.

— É melhor do que ficar aqui.

Eu parei. Além da porta com o emblema real, senti uma presença familiar.

Antes que eu pudesse dar um passo, a porta se abriu e a empregada de meia-idade saiu. Ela fez uma reverência para a pessoa dentro da sala e então saiu do corredor.

Entrei na sala.

— Han.

Uma voz que ouvi há pouco tempo. Mas aquela voz não era dirigida a mim, mas sim a outra direção.

No centro do tapete vermelho um jovem de cabelos pretos estava deitado. Ele dormia profundamente, sem se mover.

— …Pria. — meu murmúrio não chegou até ela.

Vestida com um vestido prateado, Pria olhou para o menino com uma expressão afetuosa. Ela acariciou a bochecha do menino.

— Não sei onde você vai acordar. Mas sei que sua vida não será fácil de agora em diante. — A voz de Pria ressoou suavemente. — Eu não peço que você me perdoe. Fique ressentido comigo, me amaldiçoe, me odeie se isso lhe der força. Faça isso sem hesitação. — Pria acariciou a nuca do menino. — Só quero te pedir uma coisa.

— …

— Por favor, viva. Sobreviva mais um dia e busque sua felicidade, aquela que você não pôde ter aqui. Tudo bem se você esquecer de tudo, de mim e das memórias deste lugar. Se isso te ajudar a encontrar a felicidade, faça. — Pria colocou a mão no coração. Fechando os olhos com força, ela falou como se estivesse recitando um poema. — Eu também te farei uma promessa.

— …

— Eu protegerei nosso lar. Para que quando você retornar, possamos criar novas memórias desde o começo. É uma promessa. Um voto inquebrável. Eu o cumprirei com minha alma e meu coração. Mesmo que meu corpo se quebre, mesmo que eu morra e renasça várias vezes… Eu não quebrarei essa promessa — Pria murmurou um juramento que o menino nunca ouviria. Então, seus ombros começaram a tremer lentamente. — Desculpa…

— …

— Perdoe-me por deixar você ir assim… Sinto muito. O que eu disse antes foi mentira. Perdoe-me. Não quero ser esquecida por você. Não quero que você me odeie. Mas…

Estendi minha mão, mas ela passou inutilmente pela sombra de Pria. Tudo isso já aconteceu.

「Han Israt.」

Pria falou com uma voz cheia de poder especial, que envolveu toda a sala.

「Eu prometo a você. Quando tudo acabar, eu irei atrás de você.」

Pria estendeu a mão direita. O espaço pareceu tremer e uma luz ofuscante começou a emanar de seus dedos.

‘Isso não pode ser verdade.’

Não consegui deixar de rir. Parecia uma novela melodramática.

「Algum dia, quando nos encontrarmos novamente.」

O objeto que Pria segurava na mão direita era algo que eu já tinha visto inúmeras vezes, a espada dimensional.

「Mostre-me seu sorriso.」

A lâmina dourada cortou o ar. O que foi revelado lá dentro foi um abismo sem fundo.

O corpo do menino começou a se levantar lentamente.

‘Não há mais nada para ver aqui.’

De qualquer forma, tudo era previsível.

Abri a porta e saí.

Olhei para o céu cinza. O que pareciam nuvens à distância eram provavelmente fragmentos. Pelo menos dezenas de milhares.

— Então foi assim? 

Era fácil imaginar por que a espada dimensional estava em suas mãos. 

Foi obra do príncipe. Não foi à toa que ele me mostrou este lugar.

— …

Depois de ser abandonado, tive uma febre muito forte. Perdi todas as minhas memórias antes dos dez anos. A única coisa que me lembro é da promessa de voltar para me buscar.

Claro que acreditei naquela promessa e esperei, mas ninguém apareceu e eu tive que sobreviver sozinho.

Uma vida sem a proteção de ninguém, foi muito difícil. Um pouco mais de azar e eu poderia ter acabado em algum beco escuro.

‘Então… a pessoa desgraçada que me abandonou estava aqui o tempo todo.’