Capítulo 324: Rei da Fronteira (1)

Tradução: Nimsay

Abri meus olhos.

Eu estava sonhando há muito tempo. 

No sonho, eu lutava contra inimigos sem fim, repetidas vezes, sem parar. Não importava quantos inimigos eu matasse, não importava quantas vezes eu desmaiasse de exaustão, o sonho nunca terminava. Parecia eterno. E quando a paisagem daquele sonho ficou turva, eu vi uma faísca à distância.

E então, veio uma dor aguda.

Ting! Joguei fora a adaga que estava cravada em meu peito. O buraco por onde o sangue negro fluía fechou-se rapidamente.

— …Eu sou… — As memórias quebradas começaram a se recompor. — Han Seo-jin. — Esse é meu nome na Terra. Aqui eu sou Han Israt, o príncipe de Taoni, e também… — Loki.

Levantei a cabeça e vi alguém caído no chão, morrendo.

Cabelo loiro sujo. Um uniforme imaculado manchado de sangue. Seris.

Minhas memórias fragmentadas começaram a se encaixar aos poucos.

Aquela mulher é Seris Argentheim. A líder e sub-mestra de Niflheimr, do segundo servidor, em que eu mais confiava. De acordo com minhas memórias… eu deveria tê-la deixado no saguão.

A brecha em minhas memórias era grave. Muitas coisas aconteceram enquanto perdi o controle de mim mesmo.

Decidi avaliar a situação. Onde eu estava, por que acordei aqui, o que estava fazendo antes e por que essa mulher estava morrendo aqui.

Um, dois, três segundos se passaram.

‘Acho que sei o que aconteceu.’

Estreitei os olhos.

‘Você me seguiu.’

Eu te disse muitas vezes para não vir, mas você ainda veio. Com a existência da barreira, não era possível que Seris tivesse chegado ali sozinha. É provável que outros heróis de Niflheimr ou de Taoni estejam envolvidos.

Sacudi minha capa.

A magia flutuando no limiar me mostrou a paisagem do passado. O que havia acontecido ali se desenrolou diante dos meus olhos, como um panorama. Correspondeu perfeitamente às minhas expectativas. 

Fizeram isso à força.

— O que você fez?

Olhei para Seris.

Ela pareceu incapaz de responder. Soltei uma risada amarga. Até mesmo o fato de eu ter recuperado minha sanidade temporariamente foi obra dela.

[Loki.]

— Uma fada?

[Sim, este é o nosso primeiro encontro. Meu nome é Nisel.]

Acima de Seris, uma fada ruiva batia suas asas. Provavelmente a fada responsável por Niflheimr.

[A razão pela qual estamos aqui é…]

— Vocês querem lutar ao meu lado.

Não é necessário explicar cada detalhe. Lá fora, outros membros do décimo terceiro andar estarão esperando.

Seris, que consegue suportar a contaminação da fronteira, deve ter se infiltrado aqui sozinha para me persuadir.

Vrrrrm! Com um gesto da minha mão, Bifrost, pendurada na cintura de Seris, levantou-se.

Agarrei a bainha de Bifrost. Li os dados armazenados nela. Finalmente, pude entender a verdade. Com que intenção eles vieram aqui e o que esperavam de mim.

— Seus idiotas.

Eu dei a eles a chance de viver em paz e agora eles estão fazendo algo absurdo.

[Loki.]

— …

[Se isso continuar, você perderá a sanidade novamente.]

— Eu não ligo.

Eu tomei minha decisão. É minha responsabilidade arcar com as consequências.

‘Mesmo tentando afastá-los…’

Se tivessem tentado me persuadir com palavras, os teria afastado imediatamente. Mas recorrer à força e à coerção…

‘Ela está prestes a morrer.’

Seu coração foi transpassado pela espada de um dragão.

A chama da sua vida estava se apagando rapidamente. Mesmo fechando a ferida em seu coração, ela havia abusado do seu poder. Estava prestes a desaparecer completamente.

Claro, eu sabia uma maneira de salvar Seris.

Conectando-a com o cálice infinito que possuo. Seris perderia seu poder de fogo para sempre, mas pelo menos sobreviveria.

‘Essa é sua maneira de me convencer?’

Se eu não aceitar, Seris morrerá. Isto não é persuasão. É coerção e extorsão.

Um contrato forçado para que eu não a mate.

‘Ahhh.’

Cobri minha testa com a mão, suspirando. Eu pensei que ela fosse uma pessoa fria, mas ela acabou se revelando uma tola.

Eu não deveria ter confiado a ela o cargo de sub-mestra.

[Loki, não estamos forçando você. Mesmo que Seris morra e todos lá fora se percam, aceitaremos de bom grado a sua decisão.]

Nisel olhou para mim.

[Você deveria saber de uma coisa. Você pode pensar que deixou aquelas crianças para trás por causa delas, mas a realidade é bem diferente.]

Muita poeira estelar saiu das asas de Nisel  e então, uma pequena fada caiu no chão como se tivesse desmaiado.

Assim que a vi, soube quem ela era.

— Freya.

Eu me ajoelhei.

Uma menina tão pequena que cabia em minhas mãos. Ela dormia profundamente, alheia ao mundo.

[Ela é a companheira que você deixou no Éden. Você pode não ter querido arrastá-la para a batalha, mas veja em que estado ela está.]

Era evidente à primeira vista. A contaminação havia progredido severamente.

‘Ela não foi embora?’

Mordi o lábio.

De repente, as pálpebras de Freya tremeram. Seus grandes olhos me refletiam.

[Lo… ki…?]¹

Ela piscou, incrédula. A menina pulou e agarrou meu braço.

[Loki! Loki! Você está aqui!]

— …

[Não vá! Me desculpe, vou me comportar. Por favor, não me deixe. Me desculpe, me desculpe, Loki… Eu cometi um erro. Então, por favor…]

Ela murmurou várias vezes antes de adormecer novamente. Uma lágrima escorreu pela bochecha gordinha de Freya enquanto dormia. Nisel, que olhava alternadamente de Freya e para mim, falou.

[Você pode pensar que este lugar é o inferno e é por isso que você deixou Freya para trás…]

Nisel colocou a mão no peito.

[Mas para ela, um lugar sem você é o verdadeiro inferno. Eu sei. Porque eu cresci, nasci e fiquei com você no mesmo lugar. O mesmo vale para Seris, para mim e para os outros heróis. É por isso que… arriscamos tudo para vir te ver.]

Coloquei Freya delicadamente no chão.

— Então, você quer apodrecer aqui comigo?

[Sim.]

— Você sabe contra quem, ou que, estamos lutando?

[Com o caos do próprio universo. Estamos preparados.]

— Quanto tempo durará essa determinação? Dez anos? Cem? Mil? E você acha que eles serão úteis nesta guerra?

[Tenho certeza de que seremos úteis. Se você compartilhar seu poder conosco. Mais do que companheiros, seremos aliados. Aliás, mais do que aliados, amigos. Você sempre nos enfatizou a importância da união.Você sabe melhor do que ninguém que Niflheimr tem potencial suficiente. Se tiver a oportunidade, cada um fará a sua parte. Em uma longa luta, esses heróis serão seu escudo, sua espada e sua lança.]

— … — Franzi a testa, em silêncio.

[Pare de lutar sozinho. Você não precisa se esforçar tanto. Quando estiver cansado, pode contar conosco.]

Nisel olhou para mim com os olhos semicerrados.

Dei uma risada amarga. Essas palavras são tão superficiais.

‘Eles queriam me expulsar para a Terra. E… agora dizem que vão lutar ao meu lado?’

Que contradição.

[Hmm… Loki…]

Olhei para Freya.

Eu admito. O erro foi meu. Se eu quisesse separá-la, deveria ter me esforçado mais.

Eu não esperava que ela se destruísse dessa maneira.

‘O poder da união.’

Agarrei meu peito.

Ali dentro havia um poder infinito. Uma energia imensa e pura que eu havia acumulado ao longo de incontáveis ​​eras. Se eu liberasse esse poder de uma vez perderia até mesmo meu corpo. Mesmo sendo um corpo que ultrapassa os limites de um deus, não suportaria aquele nível de energia.

‘Compartilhar esse poder…? Eles conseguem suportar isso?’

É um poder de um herói de sete estrelas. Talvez eles percam o controle de si mesmos, como aconteceu comigo.

[É uma preocupação desnecessária.]

Como se estivesse lendo minha mente, Nisel sorriu.

‘Se eu aceitar Niflheimr…’

Posso ficar mais fraco do que antes. Um fardo desnecessário, porque tenho algo a proteger.

Olhei para cima.

Havia uma vasta escuridão. Além do que a vista alcança, infinitos inimigos espreitam.

— O que você acha?

Senti uma sensação sólida na minha mão esquerda. Uma estátua de um cavalo de guerra, desgastado e meio quebrado.

‘Você estava assistindo.’

Eu senti isso desde o começo. O olhar familiar de alguém me observando de cima.

Eu pude ver que a tela de Qlqr1 estava cheia de estática, com uma má qualidade de imagem. A tela travava a cada poucos segundos devido a memória temporária.

Apesar disso, Qlqr1 não desconectou.

‘Ela sabe sobre a verdade do mundo do jogo?’

Provavelmente não. Ela só consegue imaginar onde estamos e por que estou lutando, mas nunca saberá de tudo. Vivemos em mundos muito diferentes. Talvez pareça assistir a um filme cujo enredo ela não consegue entender.

— E ela não vai responder.

Eu sorri ironicamente. Claro que não.

Hum?

Eu pisquei confuso, vendo uma luz piscando.

‘Um bastão luminoso? Por que de repente?’

Uma luz roxa iluminou o ar.

‘O que ela está fazendo?’

Qlqr1 movia o bastão luminoso para cima e para baixo. Uma luz fraca desenhou uma trajetória no ar, movendo-se lentamente. Com cuidado. Como se estivesse escrevendo letras no ar.

Han.

Na escuridão, a luz roxa formou uma palavra, que logo desapareceu.

Seja feliz.

Mais uma vez veio as palavras apareciam e desapareciam, como uma miragem.

Não desista!

Depois que o bastão luminoso desapareceu, fiquei em silêncio.

Nisel me observou por trás.

— Seja feliz?

Sorri incrédulo.

‘Felicidade?’

Não sei o que isso significa. Desde que caí aqui, tudo o que fiz foi lutar. Eu não sabia se ia viver ou morrer, só lutava para sobreviver. Felicidade? De jeito nenhum!

— Você não tem o direito de dizer isso.

Estalei a língua. Se você tivesse jogado melhor, as coisas poderiam ter sido melhores.

Felicidade. Essa palavra soou estranha para mim.

Mesmo que eu aceite a proposta de Nisel ou não, não tenho certeza se há felicidade em nenhuma das opções.

‘Mas…’

Talvez seja mais divertido lutar com alguém ao seu lado do que lutar sozinho.

A bainha de Bifrost caiu no chão. As runas mágicas gravadas na lâmina negra brilhavam em tom dourado. Minha capa branca tremulava violentamente ao vento.

— Quantos disseram que viriam? — Perguntei, desembainhando minha espada.

[Cerca de quinze mil heróis.]

— Há muitos idiotas com desejos suicidas.

[Não se preocupe. Com o seu poder, eles não morrerão, mesmo que morram.]

— Se forem inúteis, eu os jogarei fora.

[Entendido!]

Nisel enxugou as lágrimas.

Eu ri e abaixei Bifrost. Girei a espada uma vez antes de cravá-la no chão. A lâmina negra afundou profundamente no solo sinistro.

— Abra, — murmurei. Wham! Naquele momento, um poder mágico dourado irrompeu da lâmina empalada. O brilho iluminou o limiar escuro, dissipando as nuvens de contaminação. Uma luz brilhante se espalhou infinitamente. — Fenda Dimensional.

Zing! Uma linha dourada desenhou um portal dimensional no ar. E então, sombras familiares apareceram do outro lado do portão.

— Ridgion, está aqui.

Um homem com uma expressão severa se ajoelhou diante de mim. 

Ridgion. Seu corpo estava encharcado de sangue, como sempre, o sangue de seus inimigos.

— É o Mestre! Eu o encontrei! — Nihaku saltou com um raio. Ela pousou agilmente e sorriu para mim. 

— …Mestre. — Uma mulher de cabelos brancos emergiu da névoa. Yurnet Sid. Ao encontrar meu olhar, ela abaixou a cabeça.

E finalmente… —  Aaron?

— Sim.

Um homem com uma lança coçou a cabeça.

— Você não foi para casa? — Inclinei a cabeça, confuso.

— Não irei embora até que sua luta termine, irmão.

— Uh, seu idiota — bufei.

— É minha melhor qualidade, não é? — Aaron sorriu timidamente. A lança que ele segurava era uma das cinco armas divinas, a Ruína. Senti que Muden havia se retirado.

— Mestre, estou feliz… que você esteja bem. — O rosto normalmente impassível de Yurnet desmoronou. Ela se aproximou de mim com lágrimas nos olhos. — Eu quero… pedir seu perdão…

— Não precisa. Você me ajudou muito.

Chutei a adaga aos meus pés, uma obra de Yurnet.

— Seris! — Nihaku gritou quase sem fôlego.

Quase esqueci, mas Seris estava ali, morrendo. Primeiro, tenho que consertar isso.

— Mestre, salve Seris! — Nihaku me olhou com os olhos marejados.

— Pare de chorar. Só observe. — Passei por Nihaku e me ajoelhei ao lado de Seris.

Sangue escorria do buraco em seu peito. Cerrei meu punho direito e uma energia densa se acumulou na minha palma.

‘Isso serve como um contrato.’

Para conectar meu coração ao dela. Poderia ser chamado de bênção? Na verdade, é uma maldição.

‘Mesmo assim…’

Não posso abandonar a heroína que criei.

Coloquei minha mão no peito de Seris. Ela poderia parar de respirar a qualquer momento. Se não fosse pelo poder do fogo, ela já estaria morta.

Cerrei meu punho e a luz conectou o coração dilacerado.

1. Vou deixar a fala da Freya em itálico por enquanto, para não confudirem.[↩]