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    Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.

    De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!

    Ao longo da viagem, que foi feita com a maior precaução do mundo para não cair de novo no rio, Liane ouviu atentamente as palavras de Er’Ika, entendendo cada vez mais o porquê estava em tal situação. Era muito estranho ter a voz consigo, havia a impressão de ser observado a cada instante porque a suposta mulher “estava ao seu lado” o tempo inteiro. 

    De maneira resumida, a entidade contou que seus aliados a traíram e feriram sua alma gravemente, mas por sorte conseguiu fugir e se encontrou com Liane machucada, então usou o restante de seu poder para curá-lo e assim se fundirem, evitando a morte.

    O único problema se concentrava no fato dessa história ser mentira. Er’Ika, na realidade, perdeu grande parte de suas memórias no momento em que se uniu a criança, com exceção de pontos-chave importantíssimos, tal como quem era, o motivo de estar ali e qual seu objetivo — respectivamente: o deus do caos e da malícia, estava ali para vencer uma aposta e precisava voltar a ser um deus. Uma parte sua queria entender o motivo de ter se colocado nessa situação, porque seria uma dor de cabeça infernal para descobrir como viraria uma divindade. 

    Pior ainda era sua nuvem de dúvidas sobre como funcionava certas coisas, como por exemplo a sua habilidade de comunicação e a manifestação de suas palavras naquela mente. Eram ações automáticas, sua tese era que o seu “eu divino” criou mecanismos instintivos antes de se fundir a criança para facilitar o processo, assim não precisaria aprender a língua daquele lugar e nem descobrir a maneira de realizar atividades fundamentais, como a comunicação mental e o acesso a memórias. 

    Existia também um dicionário interno para conceitos abstratos e concretos, o que tirou bastante de sua preocupação. A confusão ainda permeava em meio às descobertas, mas ao menos seu esforço e objetivo era facilitado por causa desse conjunto de informações, logo, precisaria somente descobrir como atingir o nível de divindade para saber o porquê diabos escolheu se por na aposta.

    — Eu tenho a irmã Zana, com certeza ela é muito melhor que meus pais.

    — Eu sabia que você ia achar ela legal. — Um sorrisinho bobo surgiu em sua face, somado ao par de bochechas coradas. — A irmã Zana sempre tá do meu lado e sempre dá um jeito de me ajudar quando tô tiste. Você vai gostar ainda mais dela quando chegarmos, Erika.

    Liane não se importou muito, além do mais, aquele nome era muito difícil de pronunciar. Precisava soltar um “Ér” seguido de um “Iká”, que enrolava sua língua. Dizer “Éríká” soava muito melhor.

    A chuva enfraqueceu durante o trajeto, o caminho se abriu num campo aberto, com casas ao longe. Um casarão isolado no topo da colina se destacava, tendo pelo menos três andares e um tamanho incomparável quando visto de longe. A criança deu cada passo com gemidos de dor, o caminho foi longo e tortuoso, especialmente descalço, tendo que pisar em pedras afiadas, raízes e lama. Mesmo depois da cura, seus pés ficaram detonados pelo trajeto.

    Subir era problemático, escorregava a cada três passos por causa da terra molhada, mas com bastante insistência chegou à entrada do orfanato. O casarão de madeira era detalhado por uma árvore ao lado e suas janelas foram cobertas por panos costurados e coloridos, colocados para evitar mais água de entrar. Uma pintura rústica acima da porta batizava o local de “Orfanato da Macieira”, em referência a planta do lado de fora, que na realidade não era uma macieira, mas foi o melhor nome que encontraram. 

    Liane bateu na porta com força, já que era baixinho demais para alcançar a maçaneta. Ninguém atendeu, exigindo uma insistência ferrenha para qualquer pessoa ouvi-lo. Passos ecoaram do lado de dentro, de uma hora para a outra a porta abriu. Os olhos da criancinha se iluminaram diante da pessoa, uma mulher com cabelo ruivo na altura do ombro e íris esverdeadas, vestida num conjunto de roupas humildes e com partes rasgadas e remendadas, mas que sempre possuía um olhar altivo e feliz.

    No entanto, naquele momento a preocupação corria solta pelas pupilas, como se estivesse procurando algo e não encontrasse de forma alguma. Ao ver Liane parado na entrada, esse olhar mudou, quase virando um choro enquanto seus braços o agarravam e abraçavam as costas do menininho.

    — Você voltou! Graças aos céus, você voltou! Eu fiquei tão… tão preocupada… Ah, céus!

    A criança estava mais do que contente, o caminho todo queria ter chorado só por saudade de casa, sendo impedido somente pela presença de Er’Ika lhe incomodando para continuar. Depois de ser pego no colo e enrolar os braços no pescoço de Zana, Liane sentiu que finalmente estava seguro, os estrondos de trovões acima do orfanato pareceram mudos e o som das torrentes de água no rio abaixo se tornaram calmos.

    A entidade em sua cabeça se calou e analisou a cena em questão, especialmente o rosto e modos que essa mulher agia, mas não perdia tempo em também avaliar os demais pimpolhos espalhados como baratas pelo piso de madeira. Um deles possuía cabelo loiro, esse chamou bastante atenção pelo simples fato de ser o culpado que empurrou Liane para dentro do rio.

    Er’Ika pegou imediato desgosto por essa criatura infernal, pois outros pecados constavam no banco de memórias daquele corpo, e o número de ressentimentos contra ele se amontoaram um atrás do outro. A entidade gostou disso, as partículas sombrias correndo por baixo da pele de Liane formigaram com uma sequência de pensamentos sobre o modo que se livraria daquele problema.

    No entanto, não comentou nada, muito menos revelou suas verdadeiras intenções. Tinha o desejo de avaliar o máximo possível das opções, o que levaria tempo e precisava de uma tremenda análise para funcionar. Ao menos, esse malditinho seria seu catalisador para tomar por completo a confiança de Liane, e ainda por cima o faria cair na palma de sua mão quando bem quisesse.


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