Ei, você é curioso? Se for, que bom, deixo saberem o quanto quiserem de mim! Pra começo de conversa, eu sou um sapo mágico, tá ligado? Eu sei que minha foto de perfil engana, mas é sério! Infelizmente, estou preso no fundo do poço, minha sabedoria não pode sair desse lugar, mas você pode sempre vir aqui e jogar uma moedinha ou perguntar ao sapo do poço sobre sua sabedoria.
De qualquer forma, esse sapo já foi autor de outras coisas, sabia? Ele também ensina e faz trabalhos relacionados a escrita! Bizarro? Com certeza é um sapo mágico, oras! Agora, se encante com minha magia e leia todas as minhas histórias (e entre no discord), simsalabim!
Capítulo 92: Redenção
Liane teve ânsia de vômito ao ver sangue escuro esguichar da garganta decapitada da serpente. Mesmo tendo participado de combates onde vísceras voavam para todos os lados e vermelho manchava o campo de batalha, havia certa dificuldade encrustada no seu coração para ver essas coisas de frente. Às vezes, isso o largava dentro de um turbilhão de pensamentos, de lembranças da qual não se orgulhava e de sensações que desejava desaparecerem.
A cena a frente era um reflexo disso. Matar alguém para ele tinha lentamente se tornado uma atividade comum, uma exigência para sobreviver, mas uma parte de si desejava parar com a loucura e jogar tudo para o alto. Engoliu seco ao finalmente avistar Jessia saindo do pescoço da besta, encharcada da cabeça aos pés, infelizmente, outros tiveram azar ao caírem fundo demais.
O estômago do monstro foi aberto, no entanto, apenas carne em digestão e rostos desfigurados sobraram. As crianças, as mais desafortunadas, se tornaram pequenos esqueletos. Liane desviou o rosto, abaixando-se para vomitar numa parede, chocado demais para ver aquilo de novo.
Recomponha-se, precisamos chegar perto.
“Erika, eu não quero ter que fazer isso.”
Só assim vamos poder nos separar, pequenino. Não é uma questão de querer, é de dever.
O garoto perdeu o jeito, as pernas continuavam bambas pelo esforço excessivo durante a luta contra o cultista, e somado a pequena pressão de Er’Ika, ele se viu andando na direção da serpente demoníaca. Ao invés de ir para o corpo, ele se aproximou da cabeça cortada, achando ser muito mais fácil encará-la do que os corpos digeridos logo atrás.
Levantou a mão, apontando-a para a criatura. Era um procedimento comum na vida, de cultivar a memória dos outros, porém, existia uma propriedade a mais não dita. Er’Ika com certeza desejava aquela energia mais do que tudo, por isso aprimorou em segredo sua habilidade de absorver memórias para também sugar o poder dos outros. Com sorte, aprenderiam algum feitiço com o demônio, assim como aconteceu com Milea.
“Erika, muita gente morreu de novo. Eles… aceleraram o ritual, não foi? E por isso o monstro apareceu. Foi culpa minha?”
Que ridículo, óbvio que não. Esse ser seria invocado com ou sem nossa intervenção, então não mudaria tanto se fosse antes ou depois. No máximo, teriam vítimas a mais.
“Mas… mas a gente poderia avisar o senhor Grey, ele teria como chamar alguém para nos ajudar, alguém da igreja. Não era para ternos interferido.”
Liane, o que você fez foi uma escolha. Não temos certeza se outra pessoa chegaria a tempo, e se viesse, é muito provável que mais pessoas teriam morrido nas mãos daqueles humanos. Você se perdoaria por ter ficado quieto enquanto tantas injustiças aconteciam?
“Eu não sei. Eu só queria ter salvo mais pessoas.”
Não se pode salvar todos, pequenino.
Uma lágrima caiu pelo olho azulado de Liane, indo para o queixo antes de se misturar com a poça arroxeada nos seus pés. Ele era pequeno, longe de ser um herói, não tinha a experiência, nem força e muito menos poder para estender a mão para as pessoas. No final, o garoto era um mero observador perante as causalidades, assim como aconteceu em seu vilarejo.
Por mais que se esforçasse ao limite em conjunto com Er’Ika, por mais que fizesse tudo o que era pedido, por mais que ignorasse a dor no corpo e na mente, as coisas não mudaram. Ele continuava sendo um garoto medroso e frágil do orfanato, uma pessoa passiva perante ao mundo. Seu punho se cerrou, passinhos para trás o afastaram do monstro, gerando um choro que regou seu olho direito.
O lado esquerdo se mantinha da mesma forma, nem sequer uma gota d’água molhou a pupila. Er’Ika queria ter ficado mais tempo absorvendo a energia demoníaca, mas levando em conta o estado mental do pequenino, achou melhor ceder qualquer comentário e esperou. Eles teriam tempo o bastante para colher os frutos daquele plano, além do mais.
Uma multidão se reuniu ao redor do cadáver da serpente demoníaca, todos viram apenas a figura imponente de uma mulher de pé, com longo cabelo roxo caindo pelos ombros e uma espada curvada em sua mão com o desenho de runas. O cheiro forte de ferro se espalhou pela vila, no entanto, ninguém se importou com o péssimo aroma, somente com a moça em cima da criatura.
— Herói… É um herói!! — gritou alguém no meio do mar de gente.
— Herói, herói, herói! — a multidão se uniu em um coro para endeusar aquela figura.
Jessia corou, uma pena que o excesso de sangue impediu de verem sua face. Ser ovacionada por uma multidão era muito bom para seu gosto, ela adorava ouvir súplicas, receber flores em seus pés e ainda por cima ser encantada por bardos, garanhões e mulheres. Um sorriso brotou em sua face ao sentir o prazer da adoração e do entusiasmo alheio, sendo revigorada de uma maneira nunca antes concebida.
“É bom, como é bom… E nem estou falando de fazer o que é certo, estou falando de ser adorado como uma deusa!” Ela riu para a multidão, alto o bastante para os demais intensificarem as ovações. — Isso mesmo, meus queridos cidadãos! Eu sou uma heroína, aquela que derrotou o demônio maligno e que está viva agora para contar a história! Kwahahahaha!
A risada era meio vilanesca, só que as pessoas comuns estavam êxtase demais para repararem em tal detalhe.
Enquanto isso, Liane mantinha distância, retornando para o local onde avistou a cidade durante o pôr do sol, sentando na cerca que dividia o chão de terra batida de uma ladeira. Lá, ele se afundou nos próprios ressentimentos, observando a destruição causada pelo monstro. Casas inteiras e prédios foram desabados, pequenos pontos com fumaça levantavam uma cortina cinza para o céu cheio de nuvens.
A neve escondia parte da destruição, mesclando o caos com um carpete branco de pureza. Uma vista bonita, de fato, porém não condizente com seus sentimentos. Um suspiro fugiu da boca, ar gélido se misturou a respiração. Os pézinhos de Liane balançaram em conjunto com as correntes de vento, apenas para relembrá-lo de tantos eventos que aconteceram na Vila do Dente.
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